COMO PODERIA ESQUECER - Oswaldo U. Lopes





COMO PODERIA ESQUECER
Oswaldo U. Lopes

        Eu era jovem e de esquerda, ela era retraída e não chegada em politica universitária. Gostava de estudar e aplicava-se um bocado nas enfermarias.

        Eu estava, digamos, na média, ela longe dela. Era alta, bonita e vestia-se com esmero. Na escola chamava a atenção. Nos anos cinquenta, na Faculdade de Medicina, as moças não passavam de dez por cento do total de alunos, de parar o trânsito nem um por cento.     A piada, maldosa, era dizer que mulher bonita não tinha tempo ou QI para entrar no vestibular. No HC as do tipo, andando distraído, siga com o olhar até bater no poste, só eram encontradas entre as voluntárias, com seus muito bem cortados, aventais e vestidos azuis.

         Mui justamente estas eram conhecidas como “caçadoras de esmeraldas”, pois era frequente casarem com médicos, os possuidores da pedra verde no anel.

         Ela parava o transito e haja postes onde bater por descuido.

        Eu como muitos outros, tentei uns avanços para cima da Isabel que era como se chamava a linda peça.

        Fui rechaçado com firmeza, mas sem desdém. Ela sabia o que queria e por que queria. Fez residência e especializou-se em patologia infantil, não puericultura, tratava doenças e doentes. Mudou-se para Santos onde tinha renome.

        Por convite, agora, vinte anos passados lá estava eu em Santos, para um curso sobre urgências médicas, choque em particular.

        Nada muito emocionante, médicos já não tão jovens, mas muito interessados. Como tinham patrocínio de laboratórios pagavam bem. Não tendo muito que fazer e gostando imensamente do Centro velho de Santos, aproveitei a manhã livre de sexta-feira e resolvi trocar o cheque.

        Agência do Banco do Brasil, meio cheia e muito movimentada. Assim que entrei pude reconhecer a voz dela! Era ela sim! Conversava com o gerente sentada numa mesa. Vi que era tratada com deferência. Levantou-se e virou-se para sair, escorreguei para trás de uma coluna.

        Passados vinte anos continuava linda, alta, elegante, cabelos volumosos castanho-claros, andar aprumado, na mão um anel de água-marinha, nada de alianças.

        O curso terminava no fim da tarde. Não gosto de viajar a noite. Mesmo estando tão perto resolvi que voltaria para São Paulo apenas no sábado. Foi o que bastou para que um colega local insistisse para irmos à sede local da Associação dos Médicos, onde na tarde-noite de sexta-feira corria um famoso karaokê.

        Lá fomos nós, já escuro para a sede da APM. Assim que entrei no salão onde havia um palco e mesas com serviço de bebidas, reconheci a voz dela de novo!

        Só que agora, quase cai no chão ao vê-la. Usava um top vermelho-laranja, desses que as mangas são apenas uma tira sanfonada nos braços, expondo um colo bronzeado estonteante e a curva dos seios sedutores. Usava uma calça tipo pantalona de cor bege e um cinto cor de ouro velho.

        Como é que era letra do samba do Chico:
“Quem te viu quem te vê
Quem jamais a esquece não pode reconhecer. ”

        Mas não era esse o samba que ela cantava no karaokê, era outro, do Noel, gingando que era de não se acreditar.

“Até amanhã se Deus quiser
Se não chover eu volto pra te ver
Oh, mulher”

        Oh mulher! Extasiei, mas não me movi, fiquei olhando a Deusa da minha juventude, colado na cadeira, para mim ela continuava inatingível. Ai que vontade de voltar no karaokê, no tempo, no espaço nem que chovesse canivetes.

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