A MALA. - Mario Augusto Machado Pinto.



A MALA.
Mario Augusto Machado Pinto.

Se considerar como viagem passeio de fim de semana, vivo viajando. Não sou eu propriamente: são meus pais.  Eles não param. Parece que tem rodinhas nos pés. E eu com isso? Ora, é que apesar dos meus nove anos, sempre faço e refaço minha mala, quer dizer, coloco minhas roupas, sapatos, etc  na minha mala que, por sinal, é bonita, boa e foi barata ao comprar. É uma chatice às vezes isso é.

Lembro-me de quando minha mãe e eu fomos comprar a mala.
–Você já está na idade de ter mala pra arrumar suas coisas pra quando formos viajar.
Fiquei estupefata. Não é que eu goste de usar essa palavra, mas a verdade é que fiquei assombrada, atônita com a decisão. Mala pra mim? Fazer minha mala pra sair a passeio? Logo minha mãe que não me deixava separar nada, tudo ela escolhia e decidia. Confesso: não acreditei.

Bom, o fato é que eu tinha que escolher aquela que seria “a minha mala”! E lá fomos nós. E eu escolhi. Uma mala de plástico duro, azul, forrada de cetim, também azul e duas fechaduras. Porque duas fechaduras? Ora, é que uma encrencando tranco a mala com a outra.

E eu passei a usá-la.. Era saída pra lá, pra acolá, quase todos os fins de semana. Era tanta fazesão de mala que eu sabia de cor o que, quanto e onde colocar as coisas. Aproveitava o espaço ao máximo.

Um dia, olhando-a, achei que a tampa precisava de um trato. Aproveitei e passei um pano úmido, depois um lustra-móveis nos dois lados. Ficou uma beleza! Fiquei olhando, olhando... De repente me pareceu ouvir “obrigado”.
Levei um susto dos diabos. Olhei em volta e não vi nada, ninguém, mas ouvi:
— Sou eu, sua mala.

Endoidei de vez.

— Mala não fala!

Mas eu falo. E pra não haver dúvida vou me apresentar: sou mala de mão, da família Sansonaite, estou a seu serviço há três anos e agora posso ajudar mais, a começar com a escolha das coisas que vai usar nas suas saídas. Eu vou falar quando a escolha estiver legal, mais bonita, tudo. Se você precisar de algo, eu aviso. Tá bom?

— Parece que não tenho escolha, é ou não é? Então vamos lá. Começa palpitando no que vou levar pra praia!

Assim tem sido esses anos todos. Ninguém mais estranha quando falo com Sam enquanto arrumo minhas coisas. Depois de uma indireta dei esse nome pra ela. Sempre fecho Sam no último minuto. Ela pode mudar de ideia, sugerir alguma coisa diferente ou dizer para tirar tudo de dentro e colocar outras coisas. Eu faço. Nem chio. Ela sempre acerta.

Ultimamente minha mãe tem dado indiretas dizendo que Sam está velhinha, que dou muita trabalheira pra ela e outras coisas. Posso até concordar com a trabalheira, mas eu não me separo dela não. Já combinamos. Ela vai me avisar quando quiser parar e eu a coloco no lugar que já escolhemos na prateleira do meu armário embutido.

Para mim é penoso reconhecer. É verdade. Tá chegando a hora. Como é que eu vou dizer pra Sam?

Não, não, não. Ela é que vai dizer. O baque vai ser forte. Será que vou aguentar?


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