EQUÍVOCOS BEM-VINDOS - Suzana da Cunha Lima


EQUÍVOCOS BEM-VINDOS
Suzana da Cunha Lima

Ele chegou afogueado. Largou as chaves no aparador e levou a valise para o quarto.  Lá encontrou sua mulher numa bela lingerie preta, fingindo que estava lendo um livro, ar condicionado ligado. A temperatura do quarto o recebeu convidativa, mas ele estava molhado de suor, assim fingiu não entender o convite explícito na roupa e pose da mulher. 

- Oi, tudo bem, Bel? – tirou o paletó, foi desmanchando a gravata, em um minuto estava só de cuecas.  – Vou tomar um banho logo, depois podemos jantar, ou, quem sabe, talvez uma rapidinha  - sorriu maroto,  piscando o olho e entrou no banheiro..

- Como quiser, amor. – respondeu ela, guardando o livro e indo direto à valise. Ao abrir, não encontrou o  presente que havia visto de manhã, sorrateiramente, enquanto ele se arrumava para trabalhar. O embrulho parecia o de um estojo de joia, logo, só poderia ser para ela mesma, era seu aniversário e tinham combinado jantar fora.

Começou a ficar impaciente  e com raiva.  Para quem ele havia dado aquele presente?  Não se aguentou e entrou no banheiro. Silvio cantarolava, satisfeito, debaixo de uma ducha quase gelada.  Nem notou a entrada dela.
- Há alguma coisa que você queira me contar, Silvio?

- Que eu saiba não, querida – replicou ele, meio espantado com a entrada dela no banheiro e pela pergunta, que a seu ver, não fazia nenhum sentido.

 – Mas, já que você está aqui, venha tomar banho comigo, há tanto tempo não fazemos isso, não é? – e a puxou, de camisola e tudo, para dentro do box.  

Bel, pega de surpresa, aceitou a brincadeira e se divertiram um tempo, esfregando as costas um do outro, rindo e acabaram se beijando e ali mesmo fizeram amor.

Depois de se enxugarem, foram ao quarto para se vestirem, mas Bel ainda estava invocada com o sumiço do embrulho de presente que havia visto de manhã na valise dele.  Não sabia como abordar o problema, principalmente depois da ardorosa cena   debaixo do chuveiro.

- Bom, vamos jantar então, este exercício lá no box acabou me dando muita fome e desta vez não é de você, gatinha -  disse ele sorrindo, enlaçando-a pela cintura.

Abriu a porta para ela passar, todo cavalheiro.  Dirigiram-se para a sala de jantar e Bel estacou, surpresa e admirada com a bela decoração:  a mesa estava posta como se fosse para uma festa, cristais e porcelanas, um lindo arranjo de orquídeas e o espumante esperando sua vez no balde de gelo.

- Gostou? Vamos ter uma noite porreta... Já começamos bem, lá no banheiro.
- Gostei sim, mas não estou entendendo nada.   Não íamos jantar fora? Balbuciou Bel, sem saber o que pensar.

- Íamos, porém hoje é seu aniversário e quis lhe fazer uma surpresa.   Não ia dar para levar seu presente ao restaurante, assim resolvi jantar em casa mesmo.

- Não? Ora... Ela gaguejava, feliz por um lado e meio desapontada por outro.  Então não era joia, joia é portátil  – pensou – Tomara que ele não tenha comprado a esteira, ou a bicicleta, ou aquele baú antigo que eu gostei tanto. No meu aniversário, quero ganhar uma coisa para mim... - suspirou e perguntou: - E onde está este presente? Você o escondeu?

- Sim senhora. Deixei ai fora, perto da porta. Você é muito curiosa e podia ficar bisbilhotando pela casa e nas minhas coisas – alegou Silvio enquanto abria a gaveta do aparador, retirando de lá um pequeno embrulho de presente. – Eu ia lhe dar depois do jantar, mas estou ansioso para lhe entregar logo, quero ver sua reação.

Bel reconheceu imediatamente o embrulho que estava dentro da valise. Ficou sem voz, de tão emocionada, e abraçou-o calada, o coração aos pulos.

- Não abra agora.   Vamos lá fora primeiro, ao luar é mais bonito.

 Ela o seguiu apertando o pacote contra o peito e imaginando qual a surpresa que ele havia lhe reservado, porém mais interessada no conteúdo do pacote. Que joia seria? Brincos, aliança? Pedras, brilhantes? O que ficaria mais bonito ao luar?

 Sílvio abriu a porta, cobriu seus olhos com as mãos e sussurrou enquanto beijava de leve sua nuca.
- Pronto, abra os olhos, é todo seu.

Bel se arrepiou toda e desembrulhou avidamente seu presente. Mas viu apenas uma chave deitada no veludo da caixinha. E nem de ouro era...

Olhou interrogativamente para Silvio, bem decepcionada, mas ele, sem falar nada, gentilmente guiou sua cabeça para algo que estava ali à sua frente e ela não tinha ainda notado. 


Um belo Hyundai Azera, novinho em folha, brilhando ao luar, com um grande laço de fita e um cartão onde estava escrito: SOU DA BEL

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