Suzana da Cunha Lima
Quando meus filhos ainda
eram meninos, lá pelos oito, dez anos, eu os levei a uma Festa patrocinada pelo
Exército, no Ibirapuera. Estava cheio de gente e de atrações. E o que chamava
mais atenção era a torre, muito alta, erguida para simulação de saltos de
paraquedas. Toda a meninada queria ir
lá, então formou-se uma extensa fila, desde a manhã. Mães e pais ali plantados, esperando a sua vez e a garotada correndo pelos brinquedos e a toda hora nos
perguntando quando iriam subir no elevador para de lá se jogarem, presos a um
paraquedas.
Eu mesma também estava
curiosa para saber a sensação de se lançar no vácuo. Na hora do almoço, os organizadores deram uma senha numerada a
todos que estavam na fila, para que retornassem,
depois, exatamente no lugar que estavam ocupando.
No retorno, todos observaram certinho seu número e não houve problema algum. Já tínhamos nos enturmado e, embora cansados e suados daquela
longa espera, como qualquer pai e mãe, queríamos proporcionar aos nossos filhos
aquela oportunidade única.
Quanto mais perto da porta
do elevador que subia para a torre, mais excitadas as crianças ficavam. Foi
quando um senhor colocou uma menina de uns sete anos à nossa frente, avisando
ao militar que guardava a entrada, que
ela iria subir na torre.
Eu pensei que ele não
havia reparado que o fim da fila estava lá atrás.
Ele não me prestou a
atenção e simplesmente mostrou sua carteira ao militar.
Aí o sangue me subiu à cabeça e lhe falei, já
com voz alterada:
- Se o senhor tem uma
carteira, eu também tenho e todos aqui também. É minha identificação como
cidadã brasileira, que, como o senhor deve saber, diz que todos somos iguais
perante a lei. Se o senhor é militar, não sabemos, porque está à paisana. Se
estivesse a serviço, estaria uniformizado, sem nenhuma criança junto. não
é?Então, como vem chegando aqui, querendo furar a fila?
Peguei a mão da criança,
levando-a para o pai, dizendo:
— Aqui tem fila, viu? E
seu lugar é lá atrás - Tanto o pai
quanto o militar ficaram sem ação.
Mas, não contente, a
indignação subindo na cabeça, ainda
falei em voz bem alta, como se estivesse fazendo um comício:
- Que péssimo exemplo está
dando à sua filha, como se esta
carteirinha tivesse mais valor do que as nossas? Não tem não. Isto é uma
Festa do Povo e todos nós ficamos horas debaixo do sol para podermos subir à
torre. O senhor devia ter feito o mesmo para sua filha. E vou logo dizendo que
na minha frente ninguém vai passar. E virei-me falando bem alto, para o pessoal
de trás: - E vocês não sejam bobos não. Eles são pagos com o dinheiro de nossos
impostos. Todos ficamos na fila, por que ele não?
E peguei meus filhos
passando bem na frente dele e do militar, para entrar no elevador. Ainda olhei com o rabo do olho, depois que me
despenquei lá de cima e vi que os bobalhões tinham cedido lugar para a
menininha.
É por esta e outras que
este país não vai para a frente, pensei. Todo mundo tem medo de carteirada e
não conhece seus direitos. E os próprios pais não sabem educar seus filhos dentro
da lei e da ordem.
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