Aquele dia - Fernando Braga


Aquele dia
Fernando Braga

Ricardo tinha 13 anos e estudava em São Paulo, em colégio interno. Vinha para sua cidade no interior, apenas nos períodos de férias. Sempre acompanhava seu pai quando ia à fazenda, localizada a 15 quilômetros. Levantavam cedo, tomavam um café com pão e manteiga, pegavam o Fordinho 29 e saiam, pegando uma estrada vicinal estreita e com muitos buracos. Esta era a rotina três vezes por semana. Ricardo gostava muito, primeiro por fazer companhia a seu pai, depois para andar a cavalo, caçar passarinhos com estilingue, mas o que adorava era quando seu pai deixava-o guiar o fordéco na volta. Aprendera a ligar o carro, usar o desembreio e o breque, mudar o câmbio e manusear a direção, que era bastante dura. Quando era permitido que guiasse, sentia-se grande, importante, já um homem!
Um dia, na volta seu pai disse estar com muita pressa, pois tinha compromissos à tarde e que ela não iria guiar. Ricardo ficou bravo com o pai, mas aceitou. Quando tomaram a estrada ele dirigiu-se ao pai e perguntou:
— Porque o senhor não me deixa guiar agora, que a estrada está tão boa?
Seu pai parou o carro, e consentiu:  
— Pode vir!
Ele abriu a porta, deu a volta e tomou a direção. Desembreou, passou à primeira, mas ao sair o carro deu um solavanco e afogou. Ligou-o e novamente ao sair, o carro deu um salto para  frente e morreu. Nesta hora recebeu um sopapo do pai:
— Você é um barbeiro! Pode vir para cá.
Ricardo, na hora, começou a chorar de raiva, abriu a porta e saiu correndo, entrando no meio de um cafezal. Correu uns 300 metros e não atendia ao seu pai, que gritava que voltasse. Quando parou, olhou para ver se seu pai o estava seguindo, e nada. Resolveu voltar, mas quando olhou para o lado, deparou com um corpo caído, embaixo de um pé de café. Ficou apavorado e disparou de volta. Seu pai estava esperando, com a cinta na mão:  
— Eu já ia te buscar e você ia levar uma sova se...
—Espera aí pai! Tem um homem morto debaixo do pé de café!
— O que? Você está brincando!
—Não pai, é verdade, te juro.
Ambos voltaram pelo carreador e lá estava o coitado, um moço caído, agora, respirando forte e já se movimentando. Aproximaram-se dele, viraram seu corpo, ele abriu os olhos avermelhados e tinha sangue na língua, mordida.
— O que houve?
— Eu não sei, mas, às vezes tenho isto.
— Onde você mora?
— Moro aqui, na fazenda do seu Haddad.
Ah, você é colono do Haddad? Vamos tentar levá-lo até a sede.

— Não precisa, daqui a pouco vou estar bom e posso ir caminhando.
— Não senhor, nós vamos levá-lo, venha.
Foram até o carro, ele ainda grogue, pegaram a estrada e logo após entrarem em uma porteira viram a bela sede da fazenda. Lá chegando, logo foram atendidos pelo administrador.
— Viemos trazer este rapaz que diz ser colono, que estava caído debaixo de um pé de café.
— Ah! É o Beto, filho do Joaquim, nosso meeiro. Ele tem epilepsia. Quando se esquece de tomar o remédio, sempre acontece isto. Tudo bem!
— Então já vamos! Missão cumprida.
— Desculpem o incomodo. Obrigado por o terem trazido até aqui. Mas, uma perguntinha, o que vocês estavam fazendo no meio, dentro da fazenda do seu Haddad?
Sem responder, viraram as costas, entraram no fordéco e saíram. Era difícil explicar.
Mais tarde, nem mesmo o Beto conseguiu responder à mesma pergunta. Era longe da estrada!

Ricardo, jamais se esqueceu daquele dia, mesmo após passados quase 70 anos.

IMAGENS DO REPENTE DO CONTO



Estes foram os temas dos contos repentinos da aula de 16 de junho 2015, no REPENTE DO CONTO.

Sugiro que os temas abaixo também sejam os temas de férias de vocês para o mês de julho. 



Era uma vez na Itália...




O mistério da Rua do Frade.




O homem que conversava com extraterrestres.



Os passeios de Sarita.





O turista que falava um idioma desconhecido.



O segredo de Nicholas. 




O céu por testemunha




O inesquecível encontro casual




O que restou dele




Descoberta vespertina





A criança dentro de mim.





Até que a morte nos separe




As férias de Jerry.




 Naufrágio





 Saideira


Aula com Forrest Gump - Jeremias Moreira


AULA COM FORREST GUMP
Jeremias Moreira
Aproveitei o feriado de Corpus Christi e fui ao clube. As ruas de São Paulo estavam vazias e fiz o percurso na metade do tempo. Havia vagas à vontade para estacionar no AP. Imaginei que o clube estaria com pouca gente.
Porém, na portaria, antes de mim, estava um sujeito meio desengonçado, tentando convencer o porteiro a deixá-lo entrar. O funcionário explicava que a entrada era exclusiva aos sócios ou convidados e como ele não era, nem um e nem outro, não podia entrar. O camarada parecia não ouvir e argumentava insistentemente. Aquele lenga-lenga se prolongava infinitamente e eu impedido de entrar. Até que ele virou-se e o reconheci. Era o próprio Forrest Gump materializado ali, na minha frente. Ele usava o mesmo boné que usou no filme quando se torna pescador de camarões e na sua interminável corrida. Fiquei animado com sua presença. Contei-lhe que também era corredor de rua, embora estivesse impossibilitado de correr por problemas no menisco e na coluna lombar. De pronto ele apresentou uma alternativa: o deep running. Tratava-se de uma corrida dentro d’água que trabalhava a musculaturas das pernas, tronco e braços e tinha alto consumo de calorias. Esta prática surgira nos USA por volta do ano de 1994.
Expliquei que nunca ouvira falar. Prontamente ele abriu sua bolsa, que parecia conter de tudo, e retirou um colete flutuador, que se usa para praticar o deep running, e se prontificou a me ensinar. Responsabilizei-me pela sua entrada e fomos direto para a piscina. Então, ele ensinou os movimentos que eu deveria executar. Após algumas tentativas estabanadas, finalmente peguei o jeito e consegui fazer doze piscinas completas. Ao final estava exausto e o Farrest, contente por ter me mostrado uma nova possibilidade. Deu-me o colete flutuador de presente. Em seguida despediu-se, dizendo que tinha uma reunião urgente em Nova Iorque, dentro de duas horas.

Pensei em perguntar-lhe como faria para chegar no horário, mas resolvi deixar prá lá. 

DOIS DESTINOS - Carlos Cedano


DOIS DESTINOS
Carlos Cedano


Conheci Osmar na sexta serie do ensino médio. Com apenas treze anos tinha altura bem acima da media, era muito magro, jeito desengonçado de andar e usava óculos tipo “fundo de garrafa”. Nos estudos era de longe o melhor aluno da classe, mas nem por isso perdia sua simplicidade e modéstia. Ficava sempre na dele!

Nos anos seguintes, Osmar continuou a crescer desta vez a “olhos vistos” e chamava a atenção de todos. Com certeza existia alguma coisa de anormal nele.

Na oitava serie nossa sala dividiu-se em duas turmas rivais. De um lado era a turma do agito que “orbitava” em volta de um grupo autodenominado os “Resistentes” que tinha uma banda formada por quatro rapazes, três deles tocavam guitarra elétrica e Marco Antônio bateria, e era líder da turma. Ele era um bonito rapaz e paixão das meninas,  Marco Antônio tinha carisma!

O outro grupo, menos numeroso, era composto por alunos considerados tímidos, sempre evitando atritos ou provocações. Eu era deste grupo que acostumava sofrer agressões verbais e não poucas vezes físicas. Sem liderança nem organização na verdade éramos um grupo de rapazes resignados. 

O próprio Osmar começou a ser vítima de bullyng. Quando a sala estava cheia e barulhenta de pronto se escutava alguém gritar com voz disfarçada: espetão ou, ainda pior, desnutrido, bichado e assim por diante. Bilhetes ofensivos e desenhos no quadro negro também eram frequentes.

E Osmar? Continuava na dele, sem preocupar-se e sem ligar pra essas agressões. Aos poucos,  o pessoal de nosso grupo começou a juntar-se em torno dele. Alguma esperança vislumbrámos!

Porém um dia a diretora comunicou uma noticia péssima pra nossa pequena turma. Osmar estaria ausente por um longo período, tinha uma doença considerada grave: sua estrutura óssea era frágil devido a seu crescimento acelerado e não resistiria o peso de seu corpo. Precisava tratamento urgente!

A partir desse momento passamos ser chamados dos “desamparados”. Nos meses seguintes o sofrimento e os abusos se acentuaram fazendo que muitos alunos quase desistissem da escola.

Lentamente passaram-se oito messes e um dia reapareceu Osmar. Puxa que mudança, hein!  Até parece mais bonito! E não está usando óculos! Eram alguns dos comentários. Tinha agora um corpo mais desenvolvido e musculoso. Embora seu andar fosse ainda um pouco desengonçado, algumas meninas da “turma do agito” já o enxergavam com outros olhos e até sorriam pra ele!

Estávamos exultantes! Renasciam as esperanças de tempos melhores. Osmar rapidamente retomou o primeiro lugar na classe e relacionou-se mais afetivamente conosco para desespero da turma rival. Com gestos e olhares, ele mandava mensagens que diziam que agora o jogo era outro! Os professores perceberam as tensões crescentes e informaram à diretora.

Mas aconteceu um incidente que mudaria as relações entre os dois grupos. Um dia de atividades livres na escola, subitamente um menino que estava jogando futebol chegou correndo e gritou desesperado:

            — Rápido minha gente! Marco Antônio caiu no córrego para pegar a bola e não consegue sair!

Todos correram até o córrego que estava muito caudaloso devido às chuvas dos últimos dias nas cabeceiras.

Quando chegamos, Osmar percebeu que a situação era grave. Marco Antônio lutava desesperadamente para não ser arrastado pela correnteza segurando-se fortemente num dos pilares de madeira de uma ponte já cambaleando.  Enquanto corria até onde estava Marco Antônio, Osmar gritou:

            —Gente! Procure uma corda e alguém para ajudar. Rápido!

Deitou-se no tabuleiro da ponte esticando-se tudo quanto seu enorme corpo lhe permitia, procurando agarrar seu colega. Porém não estava fácil, a violência da água atrapalhava seu esforço. Foi só quando uma súbita marola aumentou o nível da agua que Osmar conseguiu agarrá-lo pelo cinto da calça, justo no momento que Marco Antônio parecia ter desistido de lutar pela vida.

Mas, Osmar sabia que ele também não resistiria muito tempo! Pareceu passar “uma eternidade” quando escutou alguém que gritava: Aguenta firme que já estamos chegando! Eram dois professores que conseguiram, também com muito esforço, puxar a vítima e aliviar Osmar notoriamente já esgotado. Ambos tinham estado à beira da morte!

O que aconteceu depois foi de reconciliar qualquer um com a vida! Meus jovens colegas até o momento tensos e paralisados liberaram uma explosão de choros e risos quando perceberam que seus colegas estavam são e salvos. Romperam-se as barreiras, todos se abraçavam e sorriam para todos, não havia mais lugar para rivalidades mesquinhas e sem sentido. Todos nós crescemos nesse dia!

E Osmar e Marco Antônio?  Durante os preparativos para a formatura conversaram e conseguiram entender-se colaborando juntos para seu sucesso.

Anos depois soube do destino de ambos na vida. Osmar formou-se engenheiro sanitarista e percorre países pobres dando- lhes assessoria para evitar epidemias e é muito feliz no que faz. 


Porém a transformação mais notável foi a de Marco Antônio. O reencontrei num seminário onde falava sobre recursos humanos. Era diretor dessa área na sua empresa.  Abraçamo-nos afetuosamente,  e nos poucos minutos em que conversamos, pude perceber que  sentimentos de compaixão e respeito que permearam sua fala faziam parte de seu horizonte afetivo e que vinham do fundo de seu coração!

Aos 70 - José Vicente J. de Camargo


Aos 70
José Vicente J. de Camargo

Assim como pra todos
Meu ano também chegou
O tempo enganar não deixa
O correto é prosseguir

Olhando o atrás passado
Fica difícil entender
Onde os dias se esconderam
Pois tudo ontem parece

Se por fora rugosa casca
Por dentro força vibrante
Que no brilho dos olhos mostra
A vontade de mais querer

Pra registrar meta alcançada
Letrado marco construí
De imaginadas linhas formado
Contos Prosas Poesias


Se em pó eu voltarei
Próprio marco atestará
Para quem ficar saber
Que minha vida frutos deu

O futuro a mim não cabe
Só Ele sabe o porvir
Deixo então aproveitar
O passar bem de cada dia

Aos amigos do Escreviver
Agradecer tenho a dizer 
Que na batuta da maestra

Incentivos sempre encontrei ...

UMA AVENTURA COM FORREST GUMP E VARGAS LLOSA - Jeremias Moreira


UMA AVENTURA COM FORREST GUMP E VARGAS LLOSA
Jeremias Moreira
O capítulo da série “Game of thrones” terminou por volta das vinte e três horas. Como era cedo para ir para a cama, desliguei a televisão e voltei ao livro “A verdade das mentiras”, do Vargas Llosa, que fala sobre a arte da ficção. Sem me dar conta, adormeci. Acordei com o som ardido do interfone. Meio sonolento fui atender. Ouvi com surpresa a pessoa se identificar como Forrest.
− Aqui é o Forrest Gump.
Estranhei, mesmo assim acionei o botão para abrir a porta do prédio, mas ele insistiu para que eu descesse.
 − Desça você! Não temos muito tempo e precisamos ir a diversos lugares! – ele disse.
Nessas alturas, estava confuso. Estivera com ele, mais cedo, no clube. Ele se despedira para ir a uma reunião em Nova Iorque. Impossível ter ido e voltado nesse espaço de tempo. E, como descobriu meu endereço? Bem, em se tratando de Forrest Gump tudo é possível.
Tomei o elevador e desci. Encontrei-o na entrada, agitado. Mal me avistou pôs-se a falar compulsivamente:
− Sempre me perguntam se minhas historias são verdadeiras. As histórias mentem, porém mentindo expressam uma curiosa verdade: as pessoas estão descontentes com o seu destino e quase todos gostariam de ter uma vida diferente da que vivem. Para aplacar esse apetite surgiu a ficção. Vamos, uma incrível aventura nos espera!
− Aonde vamos? – perguntei.
− Vou levá-lo para viver a minha história, comigo.
− Mas, como isso é possível?
− Basta sermos convincentes!
Quando me dei conta estávamos numa monstruosa manifestação pelo fim da guerra do Vietnam, em Washington. Nunca vi tantos ativistas. O pessoal empunhava cartazes e gritava palavras de ordem. Quando chegou a vez de Forrest falar, um militarista fanático desligou os fios dos alto-falantes. Acho que foi até bom. Ele estava por fora do espírito da coisa e falaria a favor da guerra, pois voltou como herói. Nessa manifestação ele reencontrou a Jenny, a paixão da sua vida. Realmente ela era uma mulher deslumbrante.
Saímos dali e fomos para de um enorme estádio, totalmente lotado, onde rolava uma partida de football americano. Forrest era o running-back, que  recebia a bola do quarter-back e punha-se a correr feito um foguete, sem chance para o adversário. O time dele ganhou de goleada.
Depois do jogo ele me perguntou onde eu gostaria de ir.
− Quero pescar camarões! – eu disse.
E lá fomos nós. Quando estávamos em seu barco, que Forrest dera o nome de Jenny,  observei que estávamos vivendo sua história fora da cronologia.
− As histórias têm principio, meio e fim. Acho os inícios monótonos e os finais melancólicos. Prefiro viver o meio das histórias, dos outros. A vida da ficção é um simulacro. Nela o passado pode ser posterior ao presente e o futuro, anterior. O narrador controla a cronologia para descrever, esse tempo inventado.
Em seguida ele propôs que fossemos nos aventurar no meio da guerra do Vietnam. Recusei, é lógico! Afinal, como brasileiro, não tinha nada a ver com aquilo e, até torcia contra os americanos, na época.
− Vamos correr, então? − sugeriu.
Alertei-o que tinha problemas com os meniscos e a coluna.
− Lembre-se que estamos vivendo uma ficção. – disse ele. − As coisas não são como vemos, mas como as recordamos. Nossa aventura depende da nossa capacidade de persuasão. Se contarmos uma boa história significa fazer o ouvinte, o leitor ou o espectador viver a ilusão e acreditar. Não precisamos correr de verdade.
Convencido, topei. Antes, ele me presenteou com seu boné Bubba Gump. Depois de recordar quando corria alguns bons quilômetros comecei a sentir um grande peso no estomago.
Abri os olhos e a Proust, minha gata gorducha e pesada, estava aninhada sobre minha barriga. A luz da sala estava acesa, Vargas Llosa caído no chão, e o relógio marcava duas e quinze. Eu havia dormido enquanto lia e tudo não passara de um sonho. Com cuidado tirei a gata de cima de mim, olhei de lado e dei com o boné Bubba Gump, sobre o sofá.

Não entendi nada! 

JULIE ANDREWS NO PAPEL DE MARY POPPING E O CLUBE - Oswaldo Romano




JULIE ANDREWS NO PAPEL DE MARY POPPING E O CLUBE
OBSERVANDO SEU ESPAÇO
Oswaldo Romano                                                      
        O local mais concorrido do clube nos finais de semana é sem dúvida o restaurante.
        A cozinha hoje é um modelo. Nas áreas dos sócios são disputadas as mesas do varandão. Visão panorâmica, e o ar circula a vontade. A noite este local é muito convidativo para saborear as apetitosas pizzas, agora muito melhores com o novo forno a lenha.
        Produzindo as bolachas na hora, base do segrego da qualidade, seremos privilegiados com uma das melhores pizzas de São Paulo. Um capricho na qualidade dos ingredientes não faria mal algum.
                Julie Andrews no papel da babá Mary Poppins, quando foi filmada cheia de feitiço, usou nossa varanda para com seu guarda-chuva voador deslocar-se acima das mesas, exibindo sua destreza, muito mais fácil que bruxa de vassoura voadora.
        O chamado salão social onde hoje são realizados até casamentos, dotado de ar condicionado, hoje é um dos melhores espaços do nosso clube.
        A propósito permitam-me lembrar que antes dele existir, eu o usei com armação de madeira, cobrindo-o de plástico translucido, e ai em anos diferentes, sempre refazendo o espaço, ofereci festas de aniversários aos amigos, quando não faltaram momentos de carnaval, e ampla distribuição de adereços. Fogos de artifícios, iniciativa do Wanderlei, na época nosso prestativo homem das quadras de tênis.
        O salão principal, com a reforma do seu bar, ficou ótimo. Mas como nem tudo são flores, inadmissível não estar provido de ar condicionado, hoje componente de fácil instalação.
        A profusão de pratos apresentados, assentados em modernas chapas quentes e bandejas em cerâmica da melhor qualidade os enobrecem.
        Mas o paladar, o sabor, o feitiço da boa comida, há tempos muitos estão aguardando.
        Crítica fácil de se calar. É só colocar um Chef, cujo paladar não o traia, que conheça e se apresente para receber os habituais elogios.
        Não precisa ser um François Vatel, a lenda em gastronomia. Era tão responsável que num banquete oferecido por Luiz XIV, viu-se privado de peixes para finalizar a lauda comilança, ficou deprimido teve um surto psicótico, se matou. 

A balança - Maria Luiza C. Malina


A BALANÇA
M.luiza de C.Malina

Uma manhã sem ouvir o creq... creq...compassado do ranger dos elos de ferro da balança.
- É! Não tem ninguém no play ground. Que silêncio!
O silêncio me leva de carona numa matemática maluca de, quantas vezes estas cobiçadas balanças fizeram o seu vai e vem, junto ao pedido:
- Empurra mais forte, mais forte, mais...
Nossa! O que passa pela cabeça das crianças neste delicioso momento tão disputado. Tão disputado e tão simples em que as pequenas regras começam a ensinar o impulso.
Quanta lembrança. Um álbum de fotos repassa pela mente.
O Clube, em seus cinquenta e cinco anos de vida; quanta vida por lá passou, descansou na sombra dos velhos Eucaliptos, aprendeu os truques de cada modalidade, pisou naquela mesma terra escondida pela grama artificial.
Se cada um dos brinquedos falasse, todos nós saberíamos de todos nós, sem os nos que a vida nos dá.
O playground é um verdadeiro observatório onde são tecidas as primeiras experiências sociais e afetivas que são relevantes para o resto da vida.
Brinque com seu filho, acompanhe-o. No balanço da vida, isto será muito bom!


Entendendo Sheldon - Carlos Cedano



ENTENDENDO SHELDON
Carlos Cedano

Vocês já sacaram porque Sheldon tem essa personalidade mal disfarçada de cínico, lógico, altamente intelectual e calculista? Suas respostas às perguntas que lhe são feitas são engenhosas embora nem sempre tenham compromisso com a realidade. Ele também as usa para humilhar a quem ouse replicar ou contrariá-lo.
O curioso é que quando pequeno e até os dez anos de idade, era um menino tímido que pouco falava e pouco saia de casa, não tinha amigos, e os que se aproximavam dele, em pouco tempo o abandonavam. Era um chato de galocha!
Essa incapacidade de relacionamento e falta de loquacidade começavam preocupar dona Hellen Silverstone, sua mãe, psicanalista de orientação freudiana, com muita fama, de personalidade forte e acostumada a impor seus argumentos. Suspeita-se que é o tipo de pessoa que costuma “crucificar” intelectualmente os filhos. Coitado então do Sheldon que era filho único!
E o pai, cadê o pai dele? Homem tranquilo e sem muito brilho intelectual embora um bom analista de sistemas, adorava seu filho e mantinha com ele uma ligação de muito carinho, mas a mãe controlava o relacionamento deles achando sempre algum defeito nele. O pai tremia quando conversava com dona Hellen e perdia toda sua capacidade de argumentação. Ninguém entendia como ele suportava essa situação, já estavam casados há seis anos, era muito tempo para conviver com esse tipo de mulher, uma verdadeira megera!
Mas não há mal que perdure cem anos nem corpo que o resista! Um belo dia correu a noticia de que o marido tinha fugido com a secretária da própria dona Hellen, que também era humilhada por ela. Essa é uma união condenada a infelicidade, disse a esposa abandonada, exibindo certeza sobre sua premonição.
Quando Sheldon fez dez anos ele se fechou ainda mais e a mãe o levou pra tratamento terapêutico com profissional da sua mesma orientação. Achava que seu filho sofria de um profundo trauma causado pelo abandono do pai! Dona Hellen tinha certeza que Selton superaria o trauma.
De fato, a medida que o tratamento avançava, Sheldon começou a falar cada vez mais rápido utilizando obsessivamente o “enorme arsenal” de informações que lhe propiciavam os estudos universitários. Argumenta e responde as perguntas sempre “revestidas” de sua agressividade verbal!

Quem sofre agora é a mãe de Sheldon. Ela trata o psicoterapeuta que   “curou” seu filho e que sofre de uma depressão profunda devido a um trauma que ela nem imagina qual poderia ser a causa!

Adolescência - Flavia Smith



ADOLESCÊNCIA
Flávia Smith
O outono estava prestes a chegar. Com ele, as folhas amareladas das árvores, iam substituindo as flores por nuances que espaçavam do amarelo ao avermelhado. As ruas iam se revestindo deste tapete multicolor e intrigante.
Com a sua chegada as aulas recomeçavam deixando para trás  o  sempre tão  impacientemente aguardado verão. Os estudantes já com suas novas  mochilas a postos  iam recheando-as com  lápis, canetas, livros e  cadernos para retornar àquela entediante, mas ao mesmo tempo, excitante rotina.
Júlia, assim como tantas outras garotas, iria iniciar o seu sexto ano escolar, mas este verão tinha – se manifestado com todos os sinais de uma pré- adolescência: rosto salpicado de acnes carmim, seios querendo aflorar,  mas ainda a espera de um próximo outono para se amoldarem aos muitos centímetros de altura que tinha adquirido nas férias, dentes esperando  serem desacavalados por braquetes coloridos.  Sentia-se desengonçada e acanhada.
A meninada ao chegar ao pátio da escola reconhecia-se, abraçava-se, contava freneticamente os mais belos momentos de suas férias,  cada um parecia ter sido mais divertido  do que o do outro. Quantas aventuras! Quanta magia ecoava de mais aquele deslumbrante verão...Mas, não para Júlia!
Júlia sentia-se constrangida, adensando em  seu peito e cabeça as nuvens da  inveja  e  do ciúmes. Ela nada tinha para contar e ainda por cima seu aspecto físico havia se transformado para pior.
 As mais belas da escola eram sempre convidadas para as festas que animavam o ano letivo. Os garotos mais velhos iniciavam a procurar aquelas que já haviam transformado harmonicamente seus corpos e esgueiravam-se sorrateiramente com elas pelos pátios mão na mão.
Júlia, recolhida em si mesma, olhava para tudo aquilo como se jamais sensações tão doces e excitantes pudessem fazer algum dia  parte da sua tão desastrosa vida. E para piorar esta crença apaixonou-se justamente por aquele moleque cativante que se sentava  na classe ao seu lado, mas que nem tomava conhecimento da presença da mal proporcionada Júlia.
Mas, como o tempo continua sua caminhada, o verão chegou novamente e com ele as almejadas férias.
Júlia resolve que esta seria a estação de uma sua  nova transformação, mas desta vez   fazendo  com que o sol do verão  penetrasse no seu ser  movendo-a para um seu próprio mundo e não mais apenas para o belo reflexo alheio. Vai  então à parques, lê livros agradáveis, convida amigas para escutar música. Torna-se aos poucos mais afável e comunicativa. A confiança vai instalando-se e expulsando a hesitação.
E é exatamente com este sentimento que volta à escola no outono seguinte.  As acnes tinham dado lugar a uma delicada pele rosada, os seios já mostravam suas curvas harmônicas e proporcionais, os dentes vestidos com braquetes coloridos lhe proporcionavam um sorriso multicolor, mas contagiante.

Aquela garota, um dia acabrunhada,  entende então que tudo pode ser transformado e que, em alguns momentos, é só deixar o tempo  cumprir a sua parte, e em outros  que o bom humor, a  paciência e a dedicação modificam o rumo de uma história aparentemente imutável.

Histórias sem Fim - José Vicente Jardim de Camargo


Histórias sem Fim
José Vicente Jardim de Camargo

Todos consideravam Ivan uma pessoa simpática, a não ser sua mania de inventar histórias que o debilitava um pouco. Nem todos aprovavam essa sua maneira de agir. O pior é que as histórias que inventava ─ bem montadas, coerentes com fatos acontecidos com pessoas amigas ─ na maioria das vezes assustava-as,  fazendo-as passar por momentos de angústia. Muitas até chegavam a chamar a polícia, pedir socorro.
Ele saboreava o desenrolar da história curtindo o pânico alheio, deixando as coisas andarem até que, quando a situação chegava a um ponto crítico, vinha ele sorrindo consertar o estrago contando que tudo não passava de uma brincadeira.
Certa vez seu melhor amigo, em viagem de negócio ao exterior, teve a residência assaltada por ladrões armados no meio da noite. Fizeram sua mulher e duas filhas menores reféns, exigindo para libertá-las, dinheiro, joias e o que de valor houvesse na casa. A mulher apavorada tudo  entregou, que não era muito. Os assaltantes exigiram mais senão iniciariam os maus tratos. A mãe se apavorou e, aos gritos se atracou em luta corporal com um deles. Sentindo que o barulho poderia chamar a atenção dos vizinhos, resolveram amordaçá-las e as trancaram-nas no lavabo. Colocaram tudo que encontraram de algum valor no carro do marido ausente, e fugiram. Antes, porém ameaçaram as vítimas de voltarem para matá-las caso os denunciassem a polícia.
Somente no dia seguinte com a chegada da empregada, as três foram libertadas, e em estado de choque precisaram ser hospitalizadas. Polícia e marido foram avisados e os tramites legais de reconhecimento dos ladrões se seguiram.
O trauma foi tão grande que comoveu os amigos, inclusive Ivan e  família, e uma corrente de solidariedade se formou entre todos.
Dias após o ocorrido, numa blitz, a polícia prende o carro roubado e um dos ladrões que, num interrogatório, delata os demais. A mulher vitima, apesar de temer pelas ameaças recebidas, faz o reconhecimento dos ladrões. À noite, recebe um telefonema informando que está com os dias contatos por ter chamado a polícia e feito o reconhecimento.
A coitada, ainda traumatizada, tem um ataque de nervos que precisa de nova internação. A corrente de solidariedade se mobiliza indo à mídia falada e escrita a exigir do governo medidas de proteção. O alerta ─ dado ao ano eleitoral ─ toma conotação política,   repercute rapidamente atingindo  proporções não imagináveis.
Ivan, não esperando tal repercussão, sente-se constrangido e temendo a reação negativa da família e dos amigos, não relata ser o autor do telefonema misterioso.
Contudo a culpa pelo sofrimento causado a família amiga, lhe pesa na consciência. Não consegue dormir, tem insônia. Quando dorme tem pesadelos com assaltos, armas disparando, gritos de socorro. Durante o dia começa a ver pessoas suspeitas lhe seguindo. Em casa instalou alarme e câmara de vigilância. Comprou carro blindado.  A esposa se preocupa com suas atitudes exageradas, sua perda de peso, sua preocupação excessiva por assaltos e roubos e lhe marca consulta com um psicólogo.
Este lhe sugere que conte ser o autor do telefonema que desencadeou seu problema psíquico, quase paranoico. Que não mais invente histórias que molestem terceiros. Que bulling não fica bem numa pessoa de sua idade e posição.
Sua esposa e filhos ao ouvirem sua confissão entram em choque, ficam desapontadas por tal atitude infantil e de desconsideração ao próximo. Sabiam da mania, mas não imaginavam que poderia chegar a este extremo. Os amigos também o condenam e procuram se afastar.
Ivan sofre calado. A terapia do psicólogo lhe diminuíram os pesadelos e a insônia, mas a vontade de inventar histórias continua latente. Chega a conclusão que é um vício mais forte que ele.  
Já começara a tomar antidepressivos, quando, ao comentar o caso com uma colega do escritório, esta o convida a participar do seu grupo anônimo de terapia. Meio relutante, mas sem alternativas a recorrer aceita.
Na primeira reunião, ouve uma ladainha de histórias sobre problemas de todos os tipos que lhe vão entrando pelas entranhas e, aos poucos, levantando seu animo decaído. Na sua vez de falar levanta-se e, com voz firme – ao contrário dos demais que balbuciaram suas angustias tremulamente  ─ discursa não sobre suas aflições, mas como os presentes deveriam agir para conseguirem  se livrar de seus pesadelos, que caminhos deveriam seguir. Quanto mais expunha seus pensamentos, mais boquiabertos ficavam os ouvintes, confirmando com acenos positivos  suas concordâncias. Sua apresentação terminou com aplausos. Sorrisos transformaram o ambiente de abatido em esperançoso.
 O coordenador do encontro, após elogiar sua maneira objetiva de expressar-se, lembrou-lhe que ele ainda não tinha dado o motivo da sua  presença.
─ É este! Respondeu ele. É esta a minha terapia! Dar vazão a minha imaginação de inventar histórias aos acontecimentos, de dar outros rumos aos fatos. E aqui posso fazer isso sem precisar me esconder.
─ É a minha salvação!
O coordenador então diz que não se preocupe, que seu problema  será logo resolvido, pois sua terapia será complementada com a participação ativa dele no grupo dos Alcoólicos Anônimos e, havendo ainda necessidade, na dos “Cornudos Mansos” ou na dos “Recém Assumidos” ou na dos ...
─ Basta! Grita Ivan. Quero ir pra casa e contar a família meu pronto restabelecimento:

E desta vez, lógico, sem inventar ramificações espinhosas”...

Filme de amor - vídeo para aula de 10 de junho

Rumos imprevistos na vida - Adolfo Westphalen




Rumos imprevistos na vida 
Adolfo Westphalen


João vivia em São Pedro da Aldeia, cidade situada a 200 km de São Paulo e que passava por acentuado desenvolvimento econômico fundado no processamento da mamona.
                Cursou o primeiro e o segundo grau em colégio de sua cidade natal, o que lhe assegurou sólidas bases.   Para ingressar em uma faculdade de economia, projeto que alimentava, foi morar em Campinas, a uma dezena de quilômetros de casa, onde conhece Maria por quem desenvolve sentimentos de estima e afeto. 
                No último ano da faculdade, ambicionando obter renda que lhe assegurasse bom nível de vida, analisa dados de empresas que se expandiam rapidamente. Oportunidade muito favorável lhe é oferecida por fábrica de óleos vegetais que processava essencialmente sementes de mamona, o que João, prontamente, aceita.
                Decorridos seis meses ele domina todas as atividades da unidade fabril e tinha pleno conhecimento da ampla gama de usos do óleo de mamona, desde fábricas de sabões especiais até indústrias farmacêuticas que utilizavam o produto na elaboração de vários medicamentos.
                O espírito empreendedor de João fez com que sua indústria se ampliasse continuamente beneficiando-se do fato de o óleo de mamona estar em crescente demanda. Eis que um laboratório sediado em São Paulo interessado no produto estabelece contato com João.
        Decorridos poucos meses, o laboratório decide associar-se a ele e, passado um ano, essa associação leva à construção de expressivo empreendimento industrial que tem  os dois como sócios.
        Passada a fase em que as preocupações e as atividades do negócio se centravam em obter recursos para assegurar-lhe uma vida estabilizada, João toma consciência de que seu relacionamento com Maria vai-se enfraquecendo.  A preocupação com esse quadro passa a interferir em sua saúde.
Após longas conversas, João e Maria fazem profundas reflexões sobre a vida a dois e tomam a decisão de encerrar a estada em Campinas.

        Transferem-se para São Paulo onde recomeçam uma vida enriquecida pelas experiências adquiridas e reserva financeira acumulada em Campinas.
               

Sonho das histórias - Mario Augusto Machado Pinto





SONHO DAS HISTÓRIAS.
Mario Augusto Pinto Machado



As crianças sentadas em semicírculo na areia da praia já me estavam esperando, mas contrário às minhas normas hoje havia alguns jovens. Alertei que não podiam ficar. Houve vários Ah, deixa, é meu irmão. É minha amiga, por parte das crianças. Pensei melhor e concordei avisando que não se intrometessem nas narrativas, do contrário não continuaria. Palmas de aplauso e diversos Não fala nada, viu?

— Para iniciar, perguntei: Onde estávamos na última vez?

Aceito por todos e como sempre, Tiquinho respondeu:

Você estava começando a contar uma história do Vermute lá pelos países do Norte.

— Verdade. Então, recordando: Vermute leu histórias sobre os países do Norte e se entusiasmou. Poderia ver coisas que não conhecia como a neve, gelo no mar, focas e, talvez, até ursos brancos, grandalhões, a Pequena Sereia, mas o que queria mesmo era chegar até a casa do Papai Noel.

Mas ele não...

 — Fica quieto! Não diga nada. Então Vermute foi de avião até um País chamado Dinamarca. Quando chegou foi direto ver a estátua da Pequena Sereia sentada numa pedra olhando o mar. Parecia triste e Vermute perguntou o que a deixara assim. Respondeu que estava cansada de ficar ali sentada, tinha sofrido várias agressões, queria sair, voltar a nadar. Será que poderia ajudar? Vermute usou seus poderes de transformação, mas antes avisou que o encanto era para ela só nadar ali perto à noite e voltar para a pedra durante o dia. A pequena sereia aceitou e lançou-se ao mar nadando, rindo, cantando de alegria. Vermute olhava contente com a alegria dela, mas pediu para ela voltar: ainda não era noite. Avisou que ia ver outros lugares, depois voltaria.
            
A chuva interrompeu a história. Foi uma debandada geral. Voltei para casa, jantei, mal falei com a Clô e fui dormir.

Sonhei com a Pequena Sereia sendo maltratada por muitas pessoas porque estava nua. Encontrei-a chorando. Usando meus poderes, imediatamente cobri seu corpo com um lindo manto. Gritos me chamaram a atenção. Era o Príncipe Submarino que chegava e espantava aquela gente raivosa. Clamava Minha querida, minha querida! Estou aqui. Fique calma. Como é que isso aconteceu?  Ela respondeu: Aquele mago ali tinha dito que podia.  Irritadíssimo, o Príncipe correu na minha direção gritando Maluco! Acabo com você! É pra já! Aí estourou um raio. Era o Capitão América que me defendia. Subimos aos céus e fomos a Paris onde nos juntamos a Obelix e Asterix que estavam assando um cateto controlando o fogo da Tocha Humana. Ao se cumprimentarem deu para ouvir o barulhão com “tapinhas” nas costas e o ranger das costelas deles sendo apertadas com os abraços. Asterix logo chamou para comer. Depois que Obelix se serviu pouco sobrou pra nós, mas estava uma delícia. O sonho acabou.
                   
Acordei com gosto ruim na boca, cabeça pesada, corpo cansado e sem vontade de fazer a maleta para passar o fim de semana na casa da Restinga da   Marambaia com a familiagem toda. Era bastante gente, muito barulho, inclusive bebes de colo, os gêmeos da minha irmã. Sou padrinho deles.

Calor muito forte, trânsito caótico, viagem demorada e cansativa. O tempo mudou começando a ventar forte agitando as ondas do mar. Todo mundo estava pregado, arrumamos as camas, etc., comemos um lanchinho e fomos deitar. Fiquei acordado muito tempo só conseguindo dormir quase ao amanhecer. Clô me disse que tive sono agitado, revirando na cama, afastando as cobertas, murmurando palavras desconexas.
       
Você continua tendo sonhos malucos. Já é demais. Você mexe a cabeça pra todo lado, pernas e braços que me obrigam a empurrar você.  Afinal, o que você sonhou de tão ruim que lhe provocou tanta agitação? Pode começar a contar. Desta vez faço questão de saber. Conta, vai!  
                   
 — Bom, é que sonhei com nossos sobrinhos gêmeos. Eles estavam no carrinho com a Lia na lapinha. Ela colocou os dois na pedra e brincava com eles quando veio uma onda mais forte que jogou-os na água. Ela ficou desesperada, mergulhou procurando os gêmeos. Gritava por eles e me chamava para acudir. Eu estava sonolento na varanda, ouvi os gritos e corri o mais rápido que podia, mas você sabe, a lapinha é longe. Aí chamei o Capitão América. Atendeu meu apelo junto com o Homem Aranha. Voando feito rojão tiraram os três da água, passaram a lapinha e os colocaram na areia da praia. Estava agradecendo quando do nada apareceu a Liberdade desesperada. 

Estava seguindo você, gritou ela. Esta saia me atrapalha, que coisa! Tinha pressentimento que algo errado estava para acontecer. São os meus gêmeos! Como apareceram aqui?  Um estava na Europa com a Sereia e o Manequinho na frente do Estádio do Botafogo. Como explica isso seu Fred?   

 — Liberdade, são coisas que acontecem, não é culpa de ninguém.

 Como não! Você, seu mago de meia tigela é o culpado, respondeu agitando o corpanzão pra me pegar, mas, o Capitão América me levou pra longe e me salvou da ira da mulher. Depois disso as coisas ficaram confusas e não lembro bem. Foi isso. Está satisfeita? O beijo que recebi respondia que sim, estava.  Retribuí, beija daqui, beija de lá, uns amassos e, banhados pela luz do sol que entrava pela janela, acabamos fazendo amor gostoso.
       
Tomamos uma chuveirada juntos. Que gostosura! Clô desceu dizendo que nos encontraríamos na praia.
                   
Logo depois também desci, fui pra praia. De repente estanquei: tinha uma aglomeração na lapinha. Clô me chamava agitando os braços. Aconteceu, aconteceu, pensei angustiado, coração batendo feito um bumbo. Corri no que dava.

Vi que os gêmeos estavam nos braços da Mulher Maravilha e do Fantasma.

Não é possível, estou sonhando acordado!

Corri mais rapidamente. A gente toda me chamava. Parei de correr. Feliz da vida, lembrei-me e gritei:
                           
É isso! É isso! Hoje é sábado de Carnaval!