CIDA E A SUA MANCHA - Mario Augusto Machado Pinto


CIDA E A SUA MANCHA.
Mario Augusto Machado Pinto

          
Aquele homem aparentando uns 35 anos, espigado, mãos e pés grandes, passos curtos, meio encurvado em decorrência da lida capinando a terra da fazenda em que mora e trabalha, é o Elias. A mulher, Rosário, cabeleira desgrenhada emoldurando rosto enrugado, encavado, olhos negros com grandes olheiras, peito de taboa de passar roupa, pés no chão, desgastada pela falta de trato, pouca comida e pelo sol da labuta diária espera-o na porta da casa. Duas crianças, Rosinha e Riberto, ambos já no Grupo Escolar da vila, brincam de esconde – esconde, no chão de terra batida. O vira – lata Pitéu correndo de um lado para outro late sem cessar.

Lembrando-se do sonho de ontem à noite, repetido por igual tantas vezes. A sua vida de dias iguais sem qualquer motivo para alegria, do aspecto do casebre em que vive, Elias, na sua simplicidade,  acha que é o momento de tratar da vida em outro lugar. Há coisas contra, mas deve fazer.

Chega à casa. Na cozinha lava as mãos e o rosto, e diz a si mesmo: por que não?

-Vou tomar chuveiro!

Vai completamente vestido. Na cabeça o chapelão de palha, uma de suas conhecidas esquesitices. Coloca-se debaixo do jato d´água gelada. Banho tomado fica à brisa do vento para se secar.

Chama a Rosário.

-Que passa?

-Preciso falar da minha vida com você.

-Nossa vida, não só a sua...

-Não!  É da minha vida que quero falar.

Procura ficar calmo. Fala que há muito tem sonhado sempre o mesmo sonho: um caminhão cheio de gente indo veloz sai da estrada e vira. A gente cai, rola pela ribanceira. Amparado pelo tronco de uma arvore bate forte a cabeça e perde muito sangue. Depois se vê aqui esperando Cida, minha mulher, que corre pra mim e some quando chega perto. Ontem à noite tive a certeza que você não é a Cida, minha mulher e...

-Como é que sabe depois de tanto tempo?

-Não é o tempo que vale. É que nós dois nos juntamos muito pouco na cama; ontem à noite nos juntamos e pedi para você tirar a roupa, lembra?

-Sim e aí?

-Você tem pinta por dentro da perna acima do joelho?

- Não...

-Taí a diferença. Eu gostava de mexer na mancha preta da Cida, lá perto das vergonhas dela. Você não tem a mancha, então não é minha mulher.

-Quer dizer...

-Que vou procurar a Cida e a mancha dela.

Procura há muito tempo. Não se ouviu dizer que encontrou.



SORTILÉGIO DA ALIANÇA - M.Luiza de C.Malina


SORTILÉGIO DA ALIANÇA    
M.Luiza de C.Malina

“O bruxo é famoso. Descobre tudo. Vamos lá?”

Irene convence quatro amigas à consulta com hora marcada. Com pouco atraso, logo foram atendidas. O bruxo necessitava de uma aliança “qualquer” dizia ele. Em seguida pedia:

 — Por favor, alguém tem uma corrente de ouro?

Prestativa, a outra empresta para que o senhor dos anéis, rapidamente atenda a todas.

A curiosidade e o tempo curto, às escondidas dos maridos, as deixavam ansiosas.

Com a palma da mão estendida, lia as mãos. Com a aliança alheia, pendurada em uma corrente, também alheia, ele fazia as previsões quanto ao número de filhos.

Aliança parada, nenhum, Aliança girando: filha mulher. Aliança balançando em um vai e vem reto: homem.

Surpreendente. Acertava o sexo dos filhos das clientes. As recém-casadas esperavam o momento, afinal emprestaram a aliança e a corrente para o evento. A fila era enorme.

Após a consulta, as confabulações atropelavam a alegria de uma junto à outra. Saíram apressadas.  Já chegando a casa, Irene lembrou-se da aliança que emprestara e da corrente da amiga. Pânico geral. Combinaram de voltar no dia seguinte e Irene, pobre Irene, passara a noite escondendo a mão.

No dia seguinte, lá chegaram. Surpresa! Encontraram uma placa, Aluga-se. Fechara o pequeno “muquifo”.

 – Sumiu o fdp! - exclamaram juntas.

Não deu outra.


- À rua do ouro! - diz Irene.  Na primeira esquina esbarram com o falso bruxo. Todo esfolado das bolsadas, devolveu a aliança e a corrente, antes que o público o linchasse.

Pareidolia nas Ondas do Mar - José Vicente Jardim de Camargo

 


Pareidolia nas Ondas do Mar
 José Vicente Jardim de Camargo

Passeando pela praia observando o horizonte do mar, vi nas espumas brancas das ondas quebrantes, a figura de uma mulher desnuda, de cabelos longos e soltos que de braços estendidos me acenava para si.

A imagem tinha tal poder de realidade, que, sem duvidar, me atirei na água em direção a ela.

Com a água me encobrindo, mas mantendo o olhar fixo na figura que bailava com o vai e vem das ondas, nadava destemido sem perceber os movimentos bruscos e aflitivos dos banhistas que me assistiam com gritos de alerta:

- Pare! Volte! Não Continue! ...e mais:

- Olhe a placa de Perigo! Correnteza Forte! Risco de Vida!...

Mas... Nada me detinha no meu propósito de alcançá-la e jogar-me em seus braços de água...

Novos gritos se ouviam:

- Está louco! Vai se afogar!...

Foi então, surgindo do nada, que um surfista me agarrou pelo braço e me arrastou junto à praia.

Curiosos me cercaram perguntando:

- Você está bem?

- Quer que te leve ao hospital?

Eu, sem bem entender o que estava acontecendo, nada mais desejava do que voltar ao mar, encontrá-la...

- Foi miragem! Me diziam...

- Não! Para mim foi algo real, maravilhoso, que valia a pena o desafio da morte.
 Assim voltaria àquele dia distante, do passeio de lancha, quando Marta, sentada ao meu lado se jogou no mar revolto e desapareceu...

E eu, sem ação, não tive coragem de tentar salvá-la da sua decisão repentina de mudar seu destino.

O tempo passou, mas no meu pensamento aqueles momentos intermináveis permaneceram.

E esta seria a oportunidade de reparar minha atitude que me persegue desde então,  acusando-me de falso e  covarde amigo...


Hoje me seguram, não me deixam alcançar minha paz, amanhã talvez...


Magalastrecha, a Vidente - M.Luiza de C.Malina


Magalastrecha, a Vidente                   
M.Luiza de C.Malina

Turbante azul Royal com mesclas douradas. As mãos da vidente contorcem-se bailando sobre a imensa esfera de cristal. A voz melodiosa e firme prenuncia:

“De uma fonte seca surgirá uma luz que trará a esperança para a humanidade”.
Levantando os braços brada:

- A esperança será o grande segredo e a certeza da confiança em dias melhores.

Faz-se silêncio. Os espectadores entreolham-se, sem nada entender. Ela continua:

- Desta mesma fonte seca, fala apontando um monte de pedras, - surgirá um dragão que, com seu rugir fará o chão tremer.

Magalastrecha balança as mãos no ar, exclamando:

- Cada tremor abrirá uma fenda gigantesca na terra. As pessoas curiosas serão as primeiras que, com sua ousadia descobrirão um mundo novo e sem poluição, ao centro da terra.

Ao que todos creem, os planetas são imaginários, tratam-se se reflexos estelares projetados da conjuntura do Sol com uma gota d´água. A verdadeira morada será o interior da terra.

Os murmúrios incrédulos culminaram em perguntas:

- Senhora, desculpe, mas como chegaremos ao centro da terra?

- Pela ousadia e curiosidade, responde.

- Mas quem não traz dentro de si estas qualidades?

- Isto não é uma qualidade, será a capacidade individual que deverá ser desenvolvida, para o renascimento do planeta Terra - acaricia o cristal e profere:


“O mal ficará vagando pelo espaço. A Humanidade recolher-se-á ao centro da terra, onde tudo começou...”

Vida nova - Mario Tibiriçá


VIDA  NOVA
Mario Tibiriçá

Tenho  trinta e dois anos, casada há dez. Maníaca  por  responsabilidade, sou descontente com  meu  dia a dia e meu sofrer.

Reclamo  vinte quatro horas, do ritmo alucinante, do cansaço, dor  e tristeza.
 Mas,  não abdico  da responsabilidade  da casa, do marido  e dos filhos. Porém,  da vida que levo, sem nada levar da vida.

Não tenho roupas ou joias, apenas responsabilidades. Até quando? Tenho apenas em meu  pensamento não poder parar.

Preocupo-me  sempre   com eventuais horas transviadas, só as tenho
para  o dever.... Até quando?

Tenho sim saudades e lembranças, mas só sei o que faço. A  absurda
violência do trabalho extenuante, me levou a pensar.

“Tenho  saudades de mim”

Não sou de  ninguém, nem dele para quem sorri.  Hoje  é  o fim   do  que  não foi.

Mudei!  Leves  vestes ao vento, sorriso  feliz  da  independência. Sinto-me como  se tivesse esperado eternamente  a vida certa e conhecida. Tudo mudou! Nunca mais!  Não mais serei prisioneira da prisão fechada que foi meu mundo.

Agora só quero saber  de música, alegria  e sonhos. Serei feliz!

Fiz da vida, o que ela fez de mim. Agora dos sonhos da noite que começa, para sonhos novos me entrego.

Quem sou hoje é o espectro  do que não serei,  estou me demitindo  de mim mesma, a vida hoje começa de novo.

Certamente serei feliz.


Cabelos ao vento, sorriso nos lábios, alegria  e felicidade, além de trabalho sem correntes, livre, dedicado e bem humorado. O amor também virá, entrando em novo momento, finalmente me encontro  á sós no mundo e meus  falsos  passos ou verdadeiros  seguirei, sem pressa, mas com coragem  e confiança.

O LIVRO NEGRO DE JOHN E A ESTRADA SURDA. - M.luiza de C.Malina



O LIVRO NEGRO DE JOHN E A ESTRADA SURDA.     
M.luiza de C.Malina

John vivia numa capelinha fora do povoado. Caminhava com um livro negro, a passos largos. Um livro negro. A única bagagem.

Era visto pelos habitantes como um eremita. Forte e saudável, de pouca fala. Porém, a acentuação do sotaque estrangeiro  logo o denunciaria.
John era um espião procurado pela máfia.

As grossas páginas de seu livro continham apenas um conto. Um conto muito diferente. Um acróstico, as primeiras letras das palavras formavam o nome, o local, data do encontro que lhe fora incumbido. No entanto, ele deveria aguardar o dia certo na ermida para passagem de um transeunte com uma vasta bagagem, que também não o conhecia.

Senhoras dirigiam-se a capelinha. Ele as ouvia e as persignava, com a intenção de se retirarem rapidamente. Nas semanas seguintes, ao final da tarde fazia-se fila. Tinha o dom de cura com o silêncio. A notícia correu a outras vilas. Curiosos e mais curiosos lá chegavam.

O compromisso se aproximava entre as vozes entremeadas de soluços e pedidos. Escapar. Ele é quem precisava de ajuda. Olhava a tudo isto incrédulo. Avista uma pessoa com uma grande bagagem. Persigna-o. Era o último da fila.
John pensa sozinho: “ninguém sabe que o caminho a percorrer é severo e sem ajuda em uma estrada surda”.


Meu querido gigante - Mario Tibiriçá



MEU  QUERIDO  GIGANTE 
Mario Tibiriçá

Alguns  anos atrás descobri que  pela  janela de meu apartamento podia localizar num conjunto de edifícios próximos, um  enorme  gigante  chifrudo, bem delineado pelas  várias  construções e pelos enormes  anúncios publicitários.

Depois de  estar acostumado com a gloriosa imagem, comecei a perceber que  ao redor do imenso  gigante, poderia entender   logo cedo, as eventuais condições do tempo. Chuvoso, com chuvisco, sol brilhante, nuvens pesadas, ventos  fortes, brisa suave, alta ou baixa temperatura, muito  frio ou muito calor.

Assim passei,  obrigatoriamente ao abrir a janela, a cumprimentar meu especial amigo gigante chifrudo, e aos poucos, aprender a captar  as informações  climáticas á sua volta.

Ainda não lhe dei um nome, talvez  Teotônio, quem sabe Hercules, ou mesmo Golias, mas ainda  o  farei.

Enfim,  tudo isso é simulação da  vida, não  há qualquer  gigante chifrudo, mas  me sentiria  totalmente  frustrado  se não convivesse  com tal convenção, invenção, brincadeira. Assim passei a anotar as condições climáticas eventuais  e possíveis e descobri que até ao final do dia, tais condições se  confirmavam!

Pelo jeito hoje teremos um lindo dia.!!!!

Ao final do dia, as condições climáticas se confirmavam plenamente.

Amigos e parentes pensaram ou julgaram que estivesse enlouquecendo, falando com imagens enganosas, mas sempre aceitei alegremente as piadas e  brincadeiras.

O melhor, contudo,   foi descobrir  que  meu amigo  Hercules, faz  parte das ilusões  de ótica,  sugeridas por qualquer  fenômeno que  conduza  o nosso cérebro, a acreditar que  tais imagens possam ser reais ou mesmo mensagens do além ou do céu.

PAREIDOLIA  é  o nome do  fenômeno que faz  parecer alguma coisa, que não é coisa alguma.

Hoje  em dia , não raro, recebo solicitações telefônicas, de amigos e parentes  para saber  se  conversando com Hércules, já tenho  as indispensáveis informações sobre as   condições climáticas do dia,  para esta ou aquela  viagem.

Além disso, é muito divertido acompanhar  crianças do  condomínio,  a quererem  não só conversar com Hercules, como também  pedirem  bom tempo  para  o domingo ou eventual  feriado.







Pelo Avesso - Maria Luiza de C. Malina



PELO AVESSO      
M.luiza de C.Malina

Loreta casara-se com o príncipe encantado.

A vida seguia com um porém... Ausentava-se de casa apenas na companhia do marido. Viagens curtas em finais de semana ou desfrutar da casa com os habituais churrascos.

A clausura era quebrada pelo contato com as “comadres” por telefone. Nada de internet.

Entre tantas conversas caraminholadas, aceita a opção por desconfiar do marido: ao sair pela manhã, perfuma-se de maneira estonteante e ao retornar, a impressão é de que acabara de sair de uma bela chuveirada de tão renovado e suave perfume.

Loreta lhe prega uma peça. Marca com um beijo seu colarinho, pelo lado avesso. Ansiosa, o aguarda mais sorridente do que de costume.

As camisas retornam sem as marcas deixadas.

O processo continuou silenciosamente.

Duas semanas se passam.

Certo dia ao entrar em casa catarolando, tira o paletó. A camisa exibe uma bela marca de batom – a música é inebriante – ele a convida a dançar.

Agarrados, ela o despe. Disfarça e confere que desta vez, a sua marca lá está.
Dançam e bebem enamorados de si mesmos.

Em grandes perdas e conquistas o avesso é um território perigoso.



                                                          

DOIS a DOIS - M.Luiza de C.Malina


DOIS a DOIS
M.Luiza de C.Malina


Os curtos verões tornam-se preciosos entre o frio que, acompanha as demais estações do ano.

Passeios de mãos dadas. Um chapéu para proteger a suave tez sombreia os olhos esverdeados. Cabelos presos à nuca desvendam o ombro e o colo levemente desnudos.

O leve vestido florido dança ao acompanhar o andar faceiro.  Desvenda a bela silhueta, provocando suspiros e fiu-fius dos transeuntes.

A vida fora vivida intensamente ao sabor dos curtos verões. Curtos demais para a longa vida de um casal que continuaria a se amar. Um amor mais intenso do que o próprio em que juntos viveram.

Os outonos, invernos e primaveras transformaram-se em amor platônico, que duraria por toda uma vida de verão.

Separados apenas, pelas estações do ano, após anos e anos...








PARECE QUE FOI ONTEM - Oswaldo Romano



PARECE QUE FOI ONTEM                                
Oswaldo Romano

        Acontecia de sitiantes que vinham à cidade, se perderem no horário da volta. Certamente a noite os pegaria no caminho. Por segurança, ou medo, não da escuridão ou animais, mas sim do próprio homem, recorriam ao meu pai dono do carro de aluguel.

        Sempre pronto, o Seu Evaristo com seu Ford Bigode, capota e janelas de lona, freio de varão, partida na manivela, aceitava a corrida.

        Eu dizendo fazer companhia, vez ou outra, pegava essa carona. Entre tantas, numa dessas, na volta de Capim Fino, atravessando o Rio da Coloninha, a máquina, assim chamavam o carro, morreu.

        Meu pai, tirando os sapatos e arregaçando as calças, foi dar a partida. Em vão. Não pegava. Voltando disse ia esperar secar as velas. Pequenos ou médios rios, poucos tinham ponte. Cansado, se ajeitou no banco, bateu o sono, dormiu. E nós dentro do rio. As águas marcavam aquele ritmo. Ritmo que  derrubou o velho.

        Local plano, de pouca corredeira, tinha numa das margens enorme e velha touceira de Bambu Guaçu, aqueles amarelos.

        No escuro, fora o correr das águas, quebrava o silêncio os coaxares dos sapos. Ouvia de alguns, claros chamados. Falavam meu nome! Wado, Wado, Wado. Eu arrepiava, tanto era a clareza. Eu olhava pro pai, procurando proteção. Acordá-lo, iria me chamar de moleque frouxo.         Começou a ventar, mexeu com os enormes bambus, aqueles gigantes coloridos. Quando a lua saia das nuvens, eu via um batalhão que sobre mim avançava, gemiam, rinchavam, disputavam com os chamados das rãs, dos sapos.

        — Paiiii, paiiiii, acorda! - gritei.

Seu Varisto, nos seus 1 metro e 85 era forte. Fosse fraco teria morrido do coração.


Coincidência, só agora percebi: hoje é dia 13 de setembro. Há anos, neste mesmo dia, o pai nos deixou.


Não dá para esquecer - Fernando Braga



Não dá para esquecer
Fernando Braga

Eu a vejo todos dias, quando o sol mal principia, a cidade a iluminar....

Assim, começa a consagrada música de Ataulfo, quando fala da professorinha, pela qual todos   fomos apaixonados quando éramos jovens. Contudo, não é dela que quero falar, mas de outra Professora, com P maiúsculo, que tive com apenas dez anos.

Estava eu no quarto ano primário do grupo escolar, período da manhã, na  pequena cidade do interior, onde nasci. No próximo ano, deveria ir estudar em São Paulo, em um bom colégio da capital, como era uma rotina para aqueles, cujos pais tinham alguma posse e queriam que seus filhos fossem doutores. Era feita uma matrícula prévia, mas o aluno só seria aceito, se tivesse um nível bom, o que era verificado através de uma prova de suficiência, feita em janeiro. Neste sentido, para melhorar meus conhecimentos, meu pai me matriculou no curso de admissão da dona Olga, no período da tarde. Ao me apresentar a ela, eu disse:

— Eu já conheço a senhora, do grupo escolar.

— E eu já conheço seu pai, e é bom você ficar bonzinho, estudar muito, senão vou ter que puxar as suas orelhas. Dona Olga era conhecida como ótima professora, mas muito enérgica, exigente, diferente das outras, mais ¨soft¨.

Éramos uns trinta alunos, em uma sala alugada no Ateneu Riopretense, onde ficávamos quatro horas diariamente, no período da tarde. Estudávamos as quatro matérias, que geralmente eram exigidas nestes exames de avaliação: matemática, português, história do Brasil e geografia geral. O método de ensino que usava, certamente próprio, era baseado no raciocínio, na lógica, no conhecimento, mas também na decoreba. Foi a hora certa de aprender e decorar as tabuadas, de aprender e decorar as quatro conjugações, com todos os seus tempos verbais, os ditados, com palavras de escrita difíceis, a resolver problemas complicados de matemática, aprender a fazer os famosos carretões, com múltiplas operações. Para a história e geografia, distribuía apostilas, que deviam ser compreendidas e decoradas. Cada capítulo de história e geografia eram primeiramente lidos pausadamente, explicados com muita clareza, solicitando perguntas relativas aos textos e somente terminava a explicação quando todas as dúvidas haviam sido dirimidas. Eram aulas gostosas de assistir que nos prendia a atenção. No próximo dia e diariamente, arguições eram feitas para nos cobrar o aprendizado. Para começar a cobrança, batia com uma vareta na mesa e pedia:

— Capitais e duas cidades principais dos países da Europa -  e apontava um aluno para começar. Este devia fazer uma exposição em ordem geográfica, assim:- Portugal, capital Lisboa, cidades principais Porto e Coimbra, Espanha capital Madri, cidades principais Sevilha e Barcelona, França, capital Paris, cidades principais Marselha e Lion. Paris também conhecida como cidade luz, tem quatro milhões de habitantes, é cortada pelo rio Sena e dentre seus principais pontos turísticos, estão a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, o Museu do Louvre, a Igreja de Notre Dame. Então batia com a vareta na mesa e o seguinte aluno, devia continuar.  Passava então para os países das Américas, da Ásia e da África. Aquele que não falhasse na sequência, na continuidade, tinha seu nome anotado, para permanecer na sala após o término da aula e estudar por uma hora ou mais. Foi com ela que  aprendi sobre a Oceania, a Polinésia com todas suas ilhas e seus vulcões, os Rios importantes do mundo, as Cordilheiras, os Picos mais altos, os Planetas pela ordem de tamanho, e muitas coisas mais, que guardo até hoje, e que a maioria dos estudantes da sétima e oitava série de hoje, de colégios famosos não sabem, o que muitas vezes já tive prova.

Nunca vou me esquecer de Duclair Duglay Troin, líder da invasão francesa no Rio Janeiro, da Guerra dos Emboabas, de Felipe Camarão, apenas para citar alguns fatos históricos que hoje, penso, são totalmente desconhecidos pelos estudantes. Muito conhecimento nos era transmitido por aquela única mestra, precisa, com clareza, entusiasmo, que era exigente para o nosso próprio bem. Nada de brava, apenas exigente, para nosso próprio bem!

Em janeiro vim para São Paulo, agora com 11 anos, fiz o teste, achei as provas fáceis, passei brilhantemente e por quatro anos frequentei como interno, o Colégio Arquidiocesano, regido pelos  Maristas.

Voltando à minha cidade, após esta aprovação, meu pai fez questão de levar-me até a casa de dona Olga para agradecê-la, o que fiz com prazer. Levei-lhe uma pequena lembrança, com um cartão onde escrevi: Obrigado dona Olga. Não dá para esquecê-la jamais.

Algum tempo após, meu pai estava conversando com um seu amigo, farmacêutico, no centro da cidade, quando passou pelo outro lado da rua dona Olga, que vendo meu pai, se aproximou e veio perguntar como estávamos. Meu pai a apresentou a Valdomiro, que comentou após sua saída:

— Que moça fina, interessante, simpática. Ela é casada?

Não era casada e já estava com mais de trinta, já era balzaquiana, contou! Vendo o interesse de Valdomiro, pessoa correta, bom profissional, boas condições, procurou Olga para comentar as palavras de seu amigo. Ela também se interessou. Encontraram-se e pouco tempo depois estavam casados. Viva o Santo Antonio!


Logo nasceu Valdomirinho, hoje médico, hoje político, duas vezes eleito prefeito de S. J.do Rio Preto, cidade com mais de quatrocentos mil habitantes. Queridíssimo, admirado por todos por sua capacidade administrativa, filho da querida Dona Olga.

Pareidolia - Maria Luiza de C. Malina



PAREIDOLIA             
M.Luiza de C.Malina


A fechadura do guarda roupeiro cambaleava com um prego meio à solta.

A sombra de um martelo a incomoda,  e grita aflita:

— Aquele monstro vai acabar calando-me a boca!

A peça transforma-se em uma “figura pareidólica”. Faz careta de chorona. O martelo percebe. Tenta a pontaria por várias vezes. O leve vai e vem se transforma em figuras assustadoras.

Acertado o ponto, a sombra chega antes da pancada. Acaricia-lhe dizendo:

— Calma menina, sou apenas uma sombra que ajuda. Assim você não cairá.

A fechadura não sente o impacto real pelo susto da aproximação da ferramenta.

O pressentimento aumenta a dor. Se você o conhece, é possível controlá-lo.

Na verdade, a expectativa é que é lenta e dolorosa.

O martelo acertou o prego em uma só batida.




Noivo Precavido - José Vicente Jardim de Camargo


 Noivo Precavido
José Vicente Jardim de Camargo

— Como, você pirou? Perguntou Tiago ao melhor amigo Fernão assim que este lhe contou que acabara de alugar um apê em frente ao prédio de  Marília, sua noiva, e na mesma altura de andar.

— Não! Diz Fernão, são cismas que tenho e que quero saber antes do casamento. Não tenho cara de pau nem jeito de perguntar diretamente a ela, pois, pode se zangar e terminar o noivado. Então com o apê e um binóculo potente vou descobrir por mim mesmo.

— Você desconfia que ela lhe esteja traindo com alguém? Indaga Tiago ansioso para saber com quem seria.

—  Não se trata de relacionamentos com outras pessoas, mas detalhes da sua pessoa, do seu dia a dia em casa, que não consegui desvendar, responde Fernão. Como por exemplo:

—  “Dentadura! Não suporto viver com alguém que tira os dentes todas as noites e os coloca em um copo de água. É um trauma que tenho desde a infância quando via minha mãe fazendo isso”. E mais:

— “Quantas vezes escova os dentes por dia? Usa fio dental e faz gargarejos regularmente? Sou muito exigente na higienização corporal!”.

— “E quanto a ordem na casa? É ordeira com suas coisas ou é daquelas que vai atirando ao ar tudo o que traz e veste da porta de entrada ao quarto de dormir?”.

—  “Sabe cozinhar ou só usa “delivery”? Quanto tempo passa ao telefone quando está em casa”?  

—  São detalhes que só vou saber com certeza após o casamento. Mas aí a  vaca já caiu no brejo, não tenho como voltar atrás a não ser pelo divorcio que nem quero pensar...conclui Fernão.

Tiago nunca soubera da implicância do amigo com tais pormenores, mas até reconhecia que o mesmo podia ter um fundo de verdade – “Melhor um pássaro na mão do que dois voando”...

— Mas não é melhor sair de férias juntos? Você descobre esses detalhes rapidamente, continua Tiago querendo dar uma de cupido salvador.

— Já saímos! Afirma Fernão. Mas Marina é muito tímida e recatada. Coisas mais íntimas só depois do casamento. Quando toco no assunto, desconversa, o que me deixa mais desconfiado ainda. E depois, férias não é a mesma coisa que uma vida conjugal. É algo passageiro onde o comportamento da pessoa pode não ser o real.

— Mas me desculpe, interrompe Fernão o amigo. Tenho de ir, pois, já estou atrasado para uma consulta médica.

— Algo grave? Indaga Tiago.

— Nada de mais, é aquela danada da coceira que me dá no corpo todo quando fico suado após o jogo de futebol. Fora o cheiro de catinga braba...

— Mas a Marilia sabe desse seu problema? Pode ser contagioso, indaga Tiago.

— Nem carece! São particularidades de atleta cabra macho. Depois, com um remedinho e um perfuminho francês, nem pele e nariz de princesa desconfiam...

VISITA ESPERADA - M.Luiza de C.Malina


VISITA ESPERADA                            
 M.Luiza de C.Malina

Sou católica “pero non mucho”, quer dizer não muito praticante.

A conversa com uma amiga levou-me ao ano de 1960. Época de visitar e ser visitada.

Esta visita era bem diferente e muito aguardada. Uma visita anual com poucos preparativos.  Fiquei surpresa ao saber da continuidade de uma tradição.

                 “A visita da Imagem de Nossa Senhora” 

As fotos surpreenderam-me. Sem qualquer efeito, lá estava ela. Imagens refletidas num copo d´água, deixado ocasionalmente por alguém.

Se isto é efeito pareidólico, não o sei. Mas que a imagem está lá, está.

Desejei muito tê-la em minha casa. Aguardo numa fila interminável de pedidos.

 O curioso é que a partir do momento em que aceitei sua visita, pequenos milagres ou coincidências, por assim dizer aos mais céticos, começaram a acontecer.

Tenho as minhas Virgens em casa. Mas a que me converteu, foi durante uma viagem ao México. No programa estava incluso o passeio às principais igrejas. Aceitei apenas com a intenção cultural. Afinal cultura envolve a religiosidade também.  Andava um tanto ateia.

Num segundo de explicação do guia turístico algo me tocou. A atenção voltada ao respeito à cultura, foi mudada para o campo da ciência, física e filosofia. Por fim estes temas levaram-me de volta à religiosidade perdida entre outras em voga. Silenciei.
                                 “A Virgem de Guadalupe”


Com a incrível história do Índio Juan Diego. Seu manto, as rosas, a bomba e o Crucifixo.