Lembranças - Judith Cardoso


 


Lembranças
Judith Cardoso

Obviamente só posso escrever sobre a bailarina. Quando pequena aos 4 anos já era bailarina! E por isso meu pai me colocou no Conservatório de São Paulo, onde desde então desempenhei meu papel.

Dancei, dancei e dancei! Aos 10 anos fui para a escola do Teatro Municipal, onde, em pouco tempo, tornei-me a Primeira bailarina. Que saudades! Quanto eu amava essa atividade!  Nada mais importante do que aquelas aulas. Duraram tantos anos, até chegar aos 15 anos.

     Nessa altura, que besteira! Naquela época não era muito comum a profissão de bailarina, e meu pai que era professor de latim, me empurrou para os estudos.
     A tontona sem parâmetros para se espelhar, lá foi fazer Direito, de uma maneira muito torta.

     Qual o quê! Não deu uma coisa nem outra. Que idiota!


     Não tive mais nenhuma profissão e quando me ponho a pensar, imagino na minha casa, onde meu filho tem uma academia de lutas, que aquele espaço seria uma bela sala de aulas de balé. Pena que na minha idade já não dá para recomeçar, principalmente com este corpão atual. Talvez fosse um belo jeito de revalidar minhas energias, mas acredito que a família me internaria como uma velha louca.

Maria Luiza Malina - Agradecimento



Seu brilho da pedra de água marinha foi o toque especial de uma tarde de domingo em que, oficialmente, você me tirou do obscuro medo de escrever e do se expor cara a cara, em meio a pessoas avisadas ou desavisadas, do evento que incluiu uma Oficina de Criação de Textos.

Parabéns Ana Maria, por a cada terça-feira, deixar um pouco de si. Você é o MITO ou  MUSA inspiradora que me faz ficar à beira do precipício, a cada semana, fecho os olhos e sigo adiante sem me deixar cair no vazio do nada.


Muita luz em sua jornada. M.luiza
______________________________________________________________________



Eu, na posição de monitora deste valioso grupo,  agradeço o empenho de cada participante da Oficina EscreViver. 
Agradeço pela rica amizade que existe entre nós, pelo carinho, pelo tempo que dedicam aos encontros, às pesquisas, e aos textos que elaboram em casa.
Muito obrigada !

Vera Lambiasi - Textos na Internet





Veja mais textos de Vera Lambiasi neste link:



O CÉU NO SEU DESCOBRIR - M.Luiza Camargo Malina





O CÉU NO SEU DESCOBRIR
M. Luiza Camargo Malina

O dia amanhece ainda deitado na preguiça da mudança das cores. 

O verde lá de longe é de um azul de marinheiro, das noites de mar sem lua.

Daqui à pouco, este mesmo verde vai ficando clarinho, com gotinhas brilhantes de saudade da noite, lavando os olhos de quem sonhou.

E olhe só, quem está chegando. O grupo alegre e simpático da “WWF” carregando nas mochilas a cara de um novo companheiro, e eu acho que este bicho arrendondado de pelos brancos e orelhas pretas vai encarar o mato com a gente.
Vou ficar espiando do meu galho, de galho em galho, o que é que vai dar hoje, justo no hoje do dia em que achei um espelho para mostrar a uma amiga, bonita de feia que é como ela pode se tornar a deusa das matas despeladas.

O pessoal caminha sem olhar para a riqueza do céu, e eu pulando de esconde-esconde sem ter que me esconder.

Êta! Pararam. Estão procurando alguma coisa aqui em cima. Acho que estão meio perdidos, me olham sem me ver, não respiro para deixar o vento voar.

Ufa! Lá se vão sem vontade de ir. Gritam e escutam suas vozes que vão ficando mais perto da cidade e eu mais perto do meu verdinho em folha, bem pertinho do meu céu.



Alerta Vermelho - Vera Lambiasi



Alerta Vermelho
Vera Lambiasi

Marie Claire, falsa francesa, dedicava-se a arte da depilação em Manhattan.

Seu estúdio era famoso pela brazilianwax e seus formatos desconcertantes.

Atendia homens e mulheres, e Gerson Tony Ramos era um de seus mais assíduos clientes.

Com a inusitada aproximação, foi surgindo a mútua admiração.

Quanto mais dor Marie Claire fazia-o sentir, mais o amor crescia em seu peito nú.

Gerson, empresário brasileiro dos mais espertos, acabou por pedi-la em casamento e afastá-la do mais íntimo dos trabalhos.

Ofereceu-lhe um vidão, e assim Mademoiselle Marie Claire transformou-se em Maria Clara, a dona de casa faz-tudo de New York.

Trabalhadeira que só ela, dava conta do recado na manhã esticada, e por volta das 3 PM partia para o pilates, yoga e musculação.

Gerson, cada vez mais satisfeito com as habilidades da esposa e seu corpo torneado, nem se dava conta do inimigo a espreita.

Alguém mais queria levar vantagem em tudo, certo?

E os telefonemas noturnos começaram a importuná-lo.

Maria Clara vinha sempre com a mesma desculpa, que era um amigo gay recém-brigado com o namorado, chorando as pitangas.

Gerson tinha o coração vazio e o peito cheio de mágoas nesse momento.

Maria Clara não mais correspondia aos seus anseios.

E descartou-a qual cera de depilação usada.



MUNDO MALUCO O DA LUCY - OSWALDO ROMANO



MUNDO MALUCO O DA LUCY
OSWALDO ROMANO

É nesse mundo maluco de hoje que se movimenta Lucy, e milhares de senhoras que carregando seus cinquenta e tantos anos já viveram ficando saudades dos chamados anos dourados.

Pena que agora nos ônibus superlotados, acabou aquela gentileza masculina de levantar-se e ceder o lugar a uma senhora. Naquele tempo até para um senhor mais idoso, o jovem demonstrava esse respeito e educação.

Dona Lucy tem passado constrangimentos viajando nesses transportes, aos solavancos e superlotados.

E aconteceu com ela. Espremida, de pé, sustentando- se na alça, viu-se incomodada por um crioulo que por traz tirava partido dos trancos do ônibus. Olhou-o com repreensão por diversas vezes, mas este, diante da superlotação do coletivo, inocentava-se.

Mais alguns quilômetros vencidos pelo coletivo, e nova surpresa: Sentiu mexerem na sua bolsa! Era ele, sem dúvida! Sua bolsa tipo tira colo acabava de ser aberta! Virou-se e o ameaçou:

— Devolva minha carteira já, vou gritar e você será linchado aqui mesmo. Vou botar a boca no mundo! Vamos, vamos seu descarado, vagabundo!

— Pelo amor de Deus, minha senhora, estou desempregado... mas -tome –tome, eu devolvo, -tome.

Lucy conferiu e meteu a carteira na bolsa, fechou muito bem fechada puxando o zíper, suspirou vencedora e aliviada. O safado continuou ali.

Realizou-se ao ganhar a parada. Com essa idade, depois de passar por tantas, estava sempre atenta.

Valeram as recomendações do marido!

A propósito ele a esperava em casa, a quem contaria toda esta história. Refeita, num gesto natural, agarrou o balaústre acima, próprio para segurança. Esse movimento arregaçou a manga do casaco que cobria o relógio. Aproveitou para ver as horas. Cadê, cadê o relógio...

Seu relógio tinha sumido! Não teve dúvidas...

Incontinente virou-se pro grandalhão abriu o zíper da bolsa e ordenou-lhe faiscando de raiva:

— Ponha aqui o relógio. Ponha aquiiiiii o relógio! Já! Vagabundo mesmo... ponha aquiiii!, Vou gritar, chamar policia. Espremendo a voz soltava fogo pelas narinas.

O crioulo com medo do escarcéu, olhando pros lados e vendo outras pessoas atentas, jogou o relógio pra dentro da bolsa da Lucy. Ela carregando ódio, não querendo mais confusão, nem aborrecimento com polícia, olhou feio pro ladrão e foi torcendo-se para a porta de saída, chegando ao local costumeiro de descer e desceu.. Embora assustada, sentindo-se realmente revoltada pelo atrevimento e pela cara de pau do ladrão, que hoje roubam e não correm, mesmo assim olhava constantemente para trás se era seguida. Chegou triunfante sã e salva em casa, logo contando e aumentando a aventura para o Orlando, seu marido.

— Também Lucy, depois de tantos anos, toda sua experiência, poderia perfeitamente ter ido com seu carro? – Ele disse percebendo o perigo das ruas.

— É você tem toda razão, mas o trânsito está insuportável e, além disso, hoje foi o dia do meu rodízio, esqueceu?

— É verdade. Você vê, não é só com os outros que as coisas acontecem. Raramente você vai de ônibus e justo hoje aconteceu. Estava na hora errada, no lugar errado. Você viu se a seguiram?

— Vi, não fui seguida.

Precisamos ter muito cuidado, e principalmente sorte! Antes da sorte, a proteção de Deus.

Lucy, aliviada por estar no aconchego do lar, deixando a bolsa e o casaco na cadeira, subiu para o quarto, todo arrumado, tudo estava nos seus devidos lugares, elogiou a arrumadeira pelo trabalho. Calçou os chinelos, ajeitando-se para mexer com o jantar. Tirou também seu anel, pequena bijuteria, e ao colocá-lo no cantinho da gaveta, como fazia diariamente, levou um susto. Arregalou os olhos e com a mão tapou a boca para abafar o grito:

— Meu relógio! Meu Deus... ! Olha aqui, hoje não levei! Ficou em casa!

Sentou-se de peso na cama, olhava admirada o seu relógio, e disse:


Coitadinho, tô com dó daquele crioulo...

ROSAS CALIENTES - MLuiza C.Malina

 

ROSAS CALIENTES
MLuiza C.Malina

Um cartão cuidadosamente escrito em negrito com rosas “calientes” de um avermelhado escuro, tiravam os pés de Ceci de seu castelo, hàbilmente fortalecido, construído há anos.

A busca constante de símbolos do status que o sucesso concede, não mais lhe interessava. Concentrava prazer no recebimento deste tão singelo e atraente cartão de duas cores, afinal uma suíte no luxuoso hotel frente ao mar de Copacabana com amplo terraço e o mais requisitado pela elite de então, era o suficiente para o enigmático momento.

O dia passa ràpidamente. Ceci, dona de elegância sem par, estaciona o carro na vaga. Seu perfume adocicado atrai os olhares curiosos de um belo rapaz que, intrigado a persegue cuidadosamente.

Ao entrar na suíte, deixa a porta entreaberta como de costume, delicia-se com as rosas vermelhas sobre a mesa, brincando com os desenhos da fumaça do cigarro jorrando no quadro de sua espera.

Caminha pelo aposento com sua fértil imaginação, piteira de um lado e um copo de Champanhe em outra mão. Suas acompanhantes.  Tudo está perfeito. Num momento, seus olhos se deparam com a ponta de uma estola de pele distraidamente caída embaixo da cama. Agacha-se para pegá-la quando é surpreendida de costas por um grande abraço, entrega-se de olhos fechados a este grande momento, sem remorsos usando a estola em seu fetiche.

A pouca claridade das luzes e o leve som das ondas preguiçosas a reconduzem à realidade. Surpreende-se por estar só. Levanta-se ao ouvir sussurros no corredor. Apressa-se ao se vestir. Sai, deixando a estola caída à beira da cama, procurando em vão por algum indício de seu cartão de duas cores.

Entra em seu carro. Acelera ao sair olhando pelo retrovisor outro carro entrando na vaga pré-reservada. Dá-se conta.  É seu marido.



O MEDO - APREÇO À VIDA - Oswaldo Romano


GUERRA É GUERRA          

O MEDO - APREÇO À VIDA

OSWALDO ROMANO              


Por volta de 1937, quando o norte da Europa experimentava um período de calma e crescimento, a Alemanha no seu centro geográfico incomodava-se ver suas fronteiras tão apertadas.

Aconteceu que isso tudo provinha da cabeça do seu principal dirigente, um louco, apoiado pelos comparsas que unidos formavam uma enorme corrente de selecionados seguidores.

Mas na ramificação do seu povo, os anos criaram uma descendência que agredia suas origens, e resquícios de sangue que corria em suas veias comprometiam a raça superior. Queriam uma raça melhor.

 Lançando um olhar por cima, realmente suas fronteiras estavam pertos. Tinham que expandi-las.

Corria o ano de 1939. Deram inicio a sua expansão, provocaram a deplorável explosão da segunda grande guerra, crentes na vitória final.
O personagem desta história, Sr.Max, era um assentado cidadão polonês, agrônomo, ferrenho trabalhador, uma virtude de todo aquele povo. Vivia no oeste do seu país e com dignidade mantinha sua família. Além da mulher Fryda, tinha as filhas Anne e Haline. Em suas terras cultivava a beterraba, resultado de importante pesquisa do século XVII quando esse tubérculo ali era a principal matéria prima para o fabrico do açúcar.

Tudo transcorria assim quando a invasão dos nazistas naquele 1º de setembro, surgiu destruindo, saqueando, aproximando-se de suas terras. Os soviéticos que, num terrível inverno, entraram pelo norte da Polônia a fim de conter a perigosa invasão, não chegaram a tempo de salvá-los.

O exército nazista avançava como uma enorme vaga oceânica, liquidando ciganos, perseguindo seitas, embarcando judeus. Ao nosso personagem, o Sr. Max não restava outra decisão a não ser defender-se. Seguindo os milhares de compatriotas, alistou-se voluntário no exército polonês. Antes, protegendo a família mandou-a para longe do agressor. Marcaram na América do Sul, o Brasil, como a terra onde os remanescentes juntar-se-iam.

E foi nesse clima desditoso, que o Max recordando suas passagens, me contou o seguinte episódio, que reproduzo na sua essência, quando juntos bebericávamos:

No dia que se apresentou no quartel, a temperatura estava fria, alguns graus negativos, e uma das coisas que agradeceu foi receber como parte da equipagem, um par de botas forrado de lã, solado duplo, meio cano, couro de boa qualidade, excelente proteção para os seus pés, os que mais sofriam. Essas ele amou.

Tinha que lutar com bravura, lutar e lutar.

No segundo combate, pasmem, foi uma tristeza. Dizimados impiedosamente num sangrento e desigual encontro, sustentaram-se no retumbante inferno até o anoitecer. Tombavam, formando pilhas de corpos numa tétrica, escura e úmida trincheira levantada para proteção, enquanto os nazistas, com porte de superiores, e acentuado paroxismo, avançavam atropelando, ignorando aqueles desgraçados moribundos.

 No meio desse amontoado de cadáveres, ouviam-se profundos lamentos, zoadas fúnebres incorporavam-se ao matraquear da batalha, e ali derribado naquela úmida trincheira, estava nosso personagem, o corajoso voluntário Max. Só que enrustido e ainda vivo, controlando uma aflitiva tremedeira.

Tinha a cabeça e corpo jogados para baixo e as pernas esticadas para cima apoiadas no barranco. Perfeita caracterização! Ninguém diria que aquele homem fingia. Teatralizava, mais valia um ator vivo que um herói morto.

Dos soldados nazistas que marchavam à beira daquela vala, um deles, mal encarado, muito encapotado, subitamente estancou. Ali parado, com seu capacete luzindo as intermitentes explosões, olhava o Max enquanto manobrava seu fuzil.
Max queria viver. Injustiça! Injustiça, depois de passar tanto medo e perigo, tinha se aguentado até então, e agora sentia ter chegado seu fim.

Não, ele não pediria clemência para aquele impostor. O soldado então, ajoelhando-se, virou o fuzil em sua direção firmando-o com o braço. Querendo ter certeza que realmente ele estava morto, fitou-o por instantes, preparando possíveis tiros. A arma escorregou, não se firmou na mão.

Apavorado o coitado deduziu:

— Seriam os de alívio, de misericórdia? Duvido que esse tirano tenha complacência.

Estava nesse transe quando de súbito, o soldado deu-lhe vários e fortes tapas nos calcanhares.

O susto foi tanto que por momento o imobilizou. Do contrário teria se denunciando.
O soldado sacudiu violentamente suas pernas como querendo acordá-lo. Max manteve-se firme no controle da respiração, contida, evitando expelir o vapor do frio. Mantinha o corpo mole, quase morto. Agora o militar usando força, tentava arrancar-lhe as botas.

— Que sádico! Estúpido! Justo as botas!

Porém, nosso homem disfarçava o que podia, mas instintivamente pressionava os dedos dificultando o agressor, esperançoso de uma miraculosa desistência. Foi em vão. Sacou uma espada levando-a na sua direção. Max, olhos inertes abertos, ia gritar para apagar a dor. O brilho do metal refletiu no seu rosto O alemão foi mais rápido, usando a espada, rompeu os cadarços da bota. O soldado às queria de qualquer jeito. Foi por elas que ali parou! Max soltou os dedos que as prendiam. Nessa tentativa final, o agressor conseguiu seu intento. Continuou andando e atirando.

Triste o Max desabafou: — Foram-se minhas botas... Elas eram tão quentes!...

Ao contar, dava pena sua expressão. Se transportava.
Ambos sérios, caímos em profunda reflexão sobre a dolorosa situação vivida neste mundo, mundo muito, muito cão.

         Quando a guerra terminou Max veio para o Brasil, encontrando-se com familiares e suas filhas Anna e a Halina que depois de ter passado pelo Teatro de Balé Bolshoi, conquistou fama no Brasil com seus Spas. Hoje é nossa companheira aqui no Clube AP, conhecida como Ala. As passagens delas, desde os Campos de Concentrações aos maiores sofrimentos, foram agraciadas quando puderam de novo reunir-se no Brasil e começarem novas vidas, desprovidas de tanto medo e incertezas.

Livres montaram nova moradia, diferente da linda casa, estilo campestre que tinham na sua Polônia, mas iluminada, sem medo de reconstruir o lar, e poder ir e vir.

Tínhamos tomado uns goles. Imaginando a cena, já sentindo o álcool, ri a gosto lembrando o desfecho das botas. Ele parou num olhar perdido, indignado procurava descobrir do que eu ria. Desconfiando ensaiou um sorriso forçado, e com profunda gargalhada, disse quase gritando: Já potrzewalem tego. Logo achei que ele não gostou. Ai ele completou:— Eu precisava disso. Eu precisava me aliviar. E continuou sua gargalhada.


(SINOPSE de UM CONTO DO MEU LIVRO “CONTOS CONTIDOS”)

A ULTIMA DAS MANSÕES - Mario Tibiriçá

                                                                                                                                            
A ULTIMA  DAS MANSÕES
Mario Tibiriçá

Um  gaúcho, filho de abastado fazendeiro sul-riograndense, após a morte  dos pais e  com  problemas diversos, resolveu procurar outros ares, vindo  aportar em São Paulo   por volta de 1920.

Filho mais velho com seis irmãos menores, porem  já adultos, carregava consigo a responsabilidade sobre todos.

Em São Paulo, cidade  já  desenvolvida e cosmopolita, após alguns  dias de hotel,  resolveu ir a procura  de um bom local para toda a família.

Eis que no novo bairro da Aclimação, encontrou o que procurava  e que atendia  integralmente sua necessidade.

No lugar mais alto do bairro, em enorme terreno, estava a venda um  excelente palacete, com muitos quartos, banheiros, salas diversas, e surpresa, uma linda capela interna, com altar, bancos, e sacrário, o  que muito impressionou toda a família religiosa.

A casa com sua pomposa fachada, desde logo deixava ver  ter sido construída e habitada por fidalgos.

Apurando detalhes dos antigos proprietários, o gaúcho descobriu que efetivamente  havia sido propriedade  do Barão de São Jorge, mobiliado pelo imperador
Pedro  II, que a construiu com requintes  de sobriedade e a mansão com suas árvores centenárias,  escadas majestosas e entradas suntuosas, deixava perceber o passado do  Barão.


Houvesse  o Barão deixado herdeiros, certamente ali, naquela casa seriam contadas histórias da  realeza e do império, dos bailes e dos jantares, debaixo  dos  grandes e  vetustos lustres, testemunhas de um tempo que já passou.

A ILHA ESCURA - M.Luiza C.Malina


A ILHA ESCURA
M.Luiza C.Malina

Delicadas gaivotas contrastam o branco de suas asas sobrevoando uma ilha escura que mais se parece um monólito perdido em meio ao oceano com uma nesga água doce dourada escorrendo de uma altura de 20 metros.

Relatam os marujos que esta ilha era muito fértil,  e frequentada por piratas. Certo dia, um grupo de piratas de passagem pela ilha, ao partirem deixaram apenas um para trás, que habilmente se protegera embaixo de uma velha embarcação.

Muito tempo depois, após um grande naufrágio apenas uma linda jovem de cabelos da cor do sol, sobrevivera.  Pisava cuidadosamente nas areias macias entrando na vegetação à procura de água doce quando num repente surge um pirata. Ela impressiona-se com sua aparência de mago, numa mistura de jovem, pai e avô, que a acolhe fraternalmente.

Os anos se passam e, a cada dia  a jovem esquecia-se de si. Observava às escondidas que, aos primeiros raios de sol sobre a ilha, o pirata se mantinha em postura altiva balbuciando estranhas palavras ao sol, o mesmo acontecia ao pôr do sol e em noite de lua cheia.

Certo dia, não aguentando mais sua curiosidade, pergunta-lhe docemente o significado de suas palavras jogadas ao sol. Num relance, seu rosto se altera, levanta os braços em direção da bela jovem e com a força do tempo a transforma em uma fonte d´água doce, com todas as riquezas minerais da ilha, onde o sol acorda e dorme se banhado na cor de seus cabelos.

A próspera ilha transforma-se num monólito muito alto, escuro e de difícil acesso.  Relatam os marujos, que lá ainda vive o pirata guardião, e que com o aproximar de uma navegação ele acalma as ondas para que os aventureiros marujos possam beber da fonte dourada, e quem dela provar terá seus males curados e juventude eterna.

Sempre haverá um novo dia, basta navegar a vida!



A BRUXA DO CHORAMINGO - M.luiza C.Malina




A BRUXA DO CHORAMINGO
M.luiza  C.Malina

Certo dia, a mãe preparava o almoço enquanto seu filho pequeno choramingava puxando-a pelo avental. Em meio a tantos afazeres, para que seu filho parasse de chorar, batia nas panelas dizendo que chamaria a bruxa do choramingo para que ela o levasse. Assim foi por toda manhã, choro,  e blém, blém nas panelas e suas ameaças.
Cansada a criança se aquieta e deita-se no chão num sono angelical.
Com o silêncio esquisito pela casa, a mãe relembra o que dissera  ao filho,  corre tomando-o nos braços, e sente o calor de seu corpo ardendo em febre.
A bruxa do choramingo sai dando de costas às mães menos avisadas.


Amex - Bárbara Blue

 


AMEX
Bárbara Blue

Marion e Rashid casaram-se há alguns meses. Ambos continuavam na rotina de suas ocupações.  Sempre ansiosa à espera do retorno ao lar frequentemente surpreendido por pequenos mimos, jantar regado de um bom vinho em copos transparentes como era o relacionamento a dois.

 Marion sempre era a primeira a chegar. Percebia que alguma coisa estava diferente, mais  bem arrumada, mas como não tinha empregada,  isso a perturbava.  Porém deixava qualquer pensamento de lado e se entregava aos milhares afazeres domésticos, embora sentisse que uma sensação estranhamente provocativa a rondava.

Um desses sinais tornou-se visível, encontrou sobre a mesa da sala a foto de uma bela moça, outro dia livros com dedicatórias e envelopes sem remetente, intrigou-se com o fato, uma vez que seu marido morara no apartamento antes de se casarem.  Mas,  as camisas que estavam por passar, de repente apareceram passadas. Um arrepio tomou-lhe conta uma vez que seu marido estava viajando, e supôs que mais alguém teria a chave do apartamento. Deixou tudo em seu devido lugar e nada comentou quando do retorno de seu marido, que apenas olhou e nada disse.

Nas semanas seguintes, Marion continuou em seu dolorido silêncio observando a chegada de mais envelopes, os quais não abria, ignorando-os tanto quanto a falta de identificação até que disse para si mesma: “chega” não iria mais deixar que brincassem com seu interior, continuaria com sua indiferença silenciosa.  Então, comprava rosas a cada dois dias, bilhetes eram colocados no para-brisa do carro, que ela se escrevia...  E nada acontecia!  Ele não dava importância às pequenas coisas e nem  exigia explicações.  Até que um dia uma excelente ideia aqueceu a necessidade do não fazer nada, ultrapassou o limite do cartão de crédito com suas aventuras.

Desta forma, com duas taças três garrafas de vinho e um tabuleiro de xadrez, colocaram tudo em seu devido lugar. Trocaram a chave do apartamento, e descobrindo as provocadoras  deixaram-nas enfurecidas pelo silêncio e pela bela e sorridente vida que levavam a dois.

Só Deus sabe o que acontece entre quatro paredes! Mas foi.

RETIDÃO E CONSTRANGIMENTO - Mario Tibiriçá



RETIDÃO  E CONSTRANGIMENTO
Mario Tibiriçá


Tenho um velho tio, irmão de minha mãe, Luciano, a quem  chamamos de Lula, possuidor de um humor  ranzinza, que nos seus  oitenta e tantos anos, pode lhe parecer  razoável  mas que para  nós sobrinhos e  mesmo para  terceiros é absolutamente insuportável. Solteirão, nunca quis casar, apegado a  crendices populares, sempre foi  irascível mas  jamais deixou de trabalhar, seja em contabilidade, ou  em qualquer outra atividade, sempre demonstrando um caráter firme, honestidade a toda prova  e responsabilidade. Funcionário, depois gerente, depois  diretor durante mais de  cinquenta anos,  do Complexo Industrial Comercial,  Assunção Produtos  Especiais Ltda, transformou  a Empresa  em sua família.

Eis que, para surpresa de muitos e tristeza de alguns, a diretoria do Complexo, já toda envelhecida  também resolveu  encerrar suas atividades, vendendo  a fábrica, equipamentos e “know how” para terceiros.                                                                                                                                                                               Tio Lula  perdeu o local para onde ia todos os dias e algumas noites, seja o escritório central, porém  nesses dias  terríveis foi  agraciado com  um diploma de “honra ao mérito”  e  com   a alegria de ser contemplado, com um apartamento para seu uso exclusivo.

Ora, Tio Lula jamais fôra homem dado a decorações mobiliárias e coisas, assim  estava apenas preocupado com seu bem estar e principalmente com seu descanso. 

Com o fechamento da Empresa, perderam os sobrinhos, o contato com o velho tio, reatado há algumas semanas pelo recebimento através  do correio, de um pequena carta, que trouxe junto,   uma foto colorida na qual  se pode perceber nitidamente o caráter, o gênio, e a tristeza do velho senhor. Os tons claros de alguns dos móveis,  demonstram  a esperança de dias alegres e contrastam com os pesados e  escuros   acolchoados cabendo notar  os móveis   também escuros, colocados   desordenadamente  no possível   espaço, com mesas redondas  e de trabalho, distribuídas sem  método e sem  ordem, tal  como  a cama atropelando o sofá  .

 Diríamos que a rigidez  do temperamento dele,  espelha tal desordem, porque no seu pensamento a preocupação com ordem  harmoniosa  de móveis é nula.                                      

Na carta que mandou , tio Lula relata seu terrível desapontamento e tristeza, pelo constrangimento que passou, quando quis oferecer  ao ex-presidente da empresa e outro diretor seu  ex-companheiro, com respectivas esposas, um coquetel de agradecimento e comemoração  pelo bom êxito da venda da empresa.

— Teu bom gosto azeda a bebida e  estraga os salgadinhos - disse Ferraz o ex-presidente sorrindo - muito obrigado, mas fica para outra oportunidade.

— Não te  metas  em experiências desconhecidas, pois o local não  prenuncia alegrias, muito  obrigado - disse  o outro.

Talvez tal experiência tenha realmente abalado o velho tio Lula na oportunidade, visto seu temperamento fechado, austero e rígido.


Ontem recebemos um telegrama informando   seu falecimento.


Encontro - Vera Lambiasi


Encontro
Vera Lambiasi


Maria Madalena vivia em Varallo Pombia, província de Novara, no norte da Italia.
Morava em um sobrado secular, onde, no térreo, funcionava sua loja de santinhos e quinquilharias.

Tinha lá seus sessenta e poucos anos e já enviuvara de Giuseppe há dez.
Seus filhos casaram e mudaram para as redondezas, vicino, vicino ...

Mas havia o filho bastardo de Giuseppe, perdido desde antes do casamento deles.
O falecido marido se engraçara com uma dançarina espanhola em sua adolescência, e a tal moça, grávida e desamparada, fora escorraçada da cidade pela conservadora família Montecatini.

Maria Madalena, católica devota, nunca mais tinha pensado na traição do, então namorado, Giuseppe. Até que apareceu na soleira de sua venda um rapaz que era o próprio retrato de seu finado cônjuge.

        Buongiorno! Mas que es questo fantasma?

        Buenos dias, minha senhora, venho a procura de Giuseppe Montecatini, meu pai!
        Deus seja louvado! Se é dinheiro que quer, pode ir passando fora! Seu pai já morreu!

        Não, senhora, com todo respeito, gostaria de conhecer meus irmãos.

        Nem brinca, espanholzinho, eles nem sabem que você existe!

Mas o tempo atropelou a mamma, e lá estavam seus três filhos estupefatos, escutando a ofensa que ela dirigia a um estranho.

Não tão estranho ... Pablo parecia-se também com seus irmãos, uma dessas molecagens do destino. Todos homens altos, morenos e de olhos azuis.

Depois do susto, tudo foi explicado e aceito, não havia mais razões para mentiras.

A mãe de Pablo falecera há um ano, deixando-lhe toda a história de sua origem como testamento. Além de uma boa fortuna, fruto de seu duro trabalho como renomada artista de dança flamenca.

O entendimento entre irmãos foi imediato.

Pablo mudou-se para Borgo Ticino, ali mesmo no Piemonte, e associou-se a família na empresa de engenharia civil.

A mamma, Maria Madalena, já conformada, não se aguentava de felicidade em ver a família crescendo. Pablo casou-se com uma sobrinha italiana puríssima, e engrossaram a grande mesa de macarronada dos domingos.

        Mangia che te fa bene, Pablito!