O Verão e as Mulheres - Rubem Braga


O Verão e as Mulheres
Rubem Braga

Talvez tenha acabado o verão. Há um grande vento frio cavalgando as ondas, mas o céu está limpo e o sol é muito claro. Duas aves dançam sobre as espumas assanhadas. As cigarras não cantam mais. Talvez tenha acabado o verão.

Estamos tranqüilos. Fizemos este verão com paciência e firmeza, como os veteranos fazem a guerra. Estivemos atentos à lua e ao mar; suamos nosso corpo; contemplamos as evoluções de nossas mulheres, pois sabemos o quanto é perigoso para elas o verão.

Sim, as mulheres estão sujeitas a uma grande influência do verão; no bojo do mês de janeiro elas sentem o coração lânguido, e se espreguiçam de um modo especial; seus olhos brilham devagar, elas começam a dizer uma coisa e param no meio, ficam olhando as folhas das amendoeiras como se tivessem acabado de descobrir um estranho passarinho. Seus cabelos tornam-se mais claros e às vezes os olhos também; algumas crescem imperceptivelmente meio centímetro. Estremecem quando de súbito defrontam um gato; são assaltadas por uma remota vontade de miar; e certamente, quando a tarde cai, ronronam para si mesmas.

Entregam-se a redes; é sabido, ao longo de toda a faixa tropical do globo, que as mulheres não habituadas a rede e que nelas se deitam ao crepúsculo, no estio, são perseguidas por fantasias e algumas imaginam que podem voar de uma nuvem a outra nuvem com facilidade. Sendo embaladas, elas se comprazem nesse jogo passivo e às vezes tendem a se deixar raptar, por deleite ou preguiça.

Observei uma dessas pessoas na véspera do solstício, em 20 de dezembro, quando o sol ia atingindo o primeiro ponto do Capricórnio, e a acompanhei até as imediações do Carnaval. Sentia-se que ia acontecer algo, no segundo dia da lua cheia de fevereiro; sua boca estava entreaberta: fiz um sinal aos interessados, e ela pôde ser salva.

Se realmente já chegou o outono, embora não o dia 22, me avisem. Sucederam muitas coisas; é tempo de buscar um pouco de recolhimento e pensar em fazer um poema.

Vamos atenuar os acontecimentos, e encarar com mais doçura e confiança as nossas mulheres. As que sobreviveram a este verão.

Março, 1953.



Extraído do livro "A Cidade e a Roça", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1964, pág. 27.

(do site: releituras.com)

O Festival de Besteira Que Assola o País - Stanislaw Ponte Preta



O Festival de Besteira Que Assola o País

Stanislaw Ponte Preta
(Sérgio Porto)



Disse Stanislaw no FEBEAPA 2:

"É difícil ao historiador precisar o dia em que o Festival de Besteira começou a assolar o País. Pouco depois da "redentora", cocorocas de diversas classes sociais e algumas autoridades que geralmente se dizem "otoridades", sentindo a oportunidade de aparecer, já que a "redentora", entre outras coisas, incentivou a política do dedurismo (corruptela de dedo-durismo, isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim, como corrupto ou subversivo — alguns apontavam dois dedos duros, para ambas as coisas), iniciaram essa feia prática, advindo daí cada besteira que eu vou te contar".
Vamos a algumas amostras:
"O mal do Brasil é ter sido descoberto por estrangeiros" (Deputado Índio do Brasil, Assembléia do Rio).

O cidadão Aírton Gomes de Araújo, natural de Brejo Santo, no Ceará, era preso pelo 23.º Batalhão de Caçadores, acusado de ter ofendido "um símbolo nacional", só porque disse que o pescoço do Marechal Castelo Branco parecia pescoço de tartaruga e logo depois desagravava o dito símbolo, quando declarava que não era o pescoço de S. Exa. que parecia com o da tartaruga: o da tartaruga é que parecia com o de S. Exa.

Cerca de 51 bandeiras dos países que mantêm relação com o Brasil foram colocadas no Aeroporto de Congonhas. O Secretário de Turismo de São Paulo — Deputado Orlando Zancaner — quando inaugurou a ala das bandeiras, disse que "era para incrementar o turismo externo".

Quando a Censura Federal proibiu em Brasília a encenação da peça Um Bonde Chamado Desejo, a atriz Maria Fernanda foi procurar o Deputado Ernani Sátiro para que o mesmo agisse em defesa da classe teatral. Lá pelas tantas, a atriz deu um grito de "viva a Democracia". O senhor Ernani Sátiro na mesma hora retrucou: "Insulto eu não tolero".

O Diário Oficial publica "Disposições de Seguros Privados" e mete lá:   "O Superintendente de Seguros Privados, no uso de suas atribuições, resolve (...), "Cláusula 2 — Outros riscos cobertos — O suicídio e tentativa de suicídio — voluntário ou involuntário".

Em Niterói o professor Carlos Roberto Borba iniciou ação de desquite contra a professora Eneida Borba, alegando que sua esposa não lhe dá a menor atenção e recebe mal seus carinhos quando é hora de programas de Roberto Carlos na televisão. A professora vai aprender que mais vale um Carlos Roberto ao vivo que um Roberto Carlos no vídeo.

Colhemos num coleguinha do Jornal do Brasil:
"O General José Horácio da Cunha Garcia fez uma firme apologia da Revolução e manifestou-se contrariamente às teses de pacificação, bem como condenou o abrandamento da ação revolucionária. O conferencista foi aplaudido de pé". O distraído Rosamundo leu e, na sua proverbial vaguidão, comentou: "Não seria mais distinto se aplaudissem com as mãos?".

Enquanto o Marechal Presidente declarava que em hipótese alguma permitiria fosse alterada a ordem democrática por estudantes totalitários, insuflados por comunistas notórios, quem passasse pela Cinelândia no dia 1.º de abril depararia com o prédio da assembléia Legislativa totalmente cercado por tropas da Polícia Militar. Na certa, a separação de poderes, prevista na Constituição, passará a ser feita com cordão de isolamento e muita cacetada.

Notícia publicada pelo jornal O Povo, de Fortaleza (CE): "O Dr. Josias Correia Barbosa, advogado e professor, esteve à beira de um IPM (Inquérito Policial Militar) por haver passado um telegrama para sua sobrinha Loberi, em Salvador, comunicando-lhe que a bicicleta e as pitombas tinham seguido. Houve diligencias pelas vizinhanças, parentes foram procurados e outras providências tomadas. Passados dois dias, soube o Dr. Josias que o despacho telegráfico não fora transmitido porque um James Bond do DCT (Departamento de Correios e Telégrafos) estranhara os termos "bicicleta", "pitombas" e "Loberi", que "deviam ser de um código secreto".


"Os jornalistas deveriam apanhar da polícia não só durante a passeata, mas antes também. Eles são incapazes de reconhecer o valor da polícia. Os fotógrafos, por exemplo, nunca fotografam os estudantes batendo no policial". Essa declaração foi feita pelo Secretário de Segurança de Minas Gerais, coronel Joaquim Gonçalves.

A peça "Liberdade, Liberdade" estreou em Belo Horizonte e a Censura cortou apenas a palavra prostituta, substituindo-a pela expressão: "Mulher de vida fácil", o que, na atual conjuntura, nos parece um tanto difícil. Ninguém mais tá levando vida fácil.

Segundo Tia Zulmira "o policial é sempre suspeito" e — por isso mesmo — a Polícia de Mato Grosso não é nem mais nem menos brilhante do que as outras polícias. Tanto assim que um delegado de lá, terminou seu relatório sobre um crime político, com estas palavras: "A vítima foi encontrada às margens do riu sucuriu, retalhada em 4 pedaços, com os membros separados do tronco, dentro de um saco de aniagem, amarrado e atado a uma pesada pedra. Ao que tudo indica, parece afastada a hipótese de suicídio".

Em Campos (RJ) ocorria um fato espantoso: a Associação Comercial da cidade organizou um júri simbólico de Adolph Hitler, sob o patrocínio do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito. Ao final do julgamento Hitler foi absolvido.

A mini-saia era lançada no Rio e execrada em Belo Horizonte, onde o Delegado de Costumes (inclusive costumes femininos), declarava aos jornais que prenderia o costureiro francês Pierre Cardin (bicharoca parisiense responsável pelo referido lançamento), caso aparecesse na capital mineira "para dar espetáculos obscenos, com seus vestidos decotados e saias curtas". E acrescentava furioso: "A tradição de moral e pudor dos mineiros será preservada sempre". Toda essa cocorocada iria influenciar um deputado estadual de lá — Lourival Pereira da Silva — que fez um discurso na Câmara sobre o tema "Ninguém levantará a saia da Mulher Mineira".

Em Brasília, depois de um dos maiores movimentos do Festival de Besteira, que bagunçou a Universidade local, o Reitor Laerte Ramos — figurinha que ama tanto uma marafa que cachaça no Distrito Federal passou a se chamar "Reitor" — nomeava um professor para a cadeira de Direito Penal.  O ilustre lente nomeado começou com estas palavras a sua primeira aula: "A ciência do Direito é aquela que estuda o Direito".

A Igreja se pronunciou, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, sobre recentes publicações pretensamente científicas, "que abordam problemas relacionados ao sexo com evidente abuso". O documento não explicou se o abuso era do problema ou se o abuso era do sexo. Em compensação, nessa mesma conferência, Dom José Delgado, Arcebispo de Fortaleza, dava entrevista à Agência Meridional sobre pílulas anticoncepcionais, uma pílula formidável para fazer efeito no Festival de Besteira. Como se disse bobagem sobre o uso ou não da pílula, meus Deus!!! Dom Delgado, por exemplo, dizia: "A protelação do casamento é a única conclusão a que chego, atualmente, para a planificação da família e o controle da natalidade. E, depois disso, só existe um caminho seguro: o da continência na vida conjugal". Como vêem, o piedoso sacerdote era um bocado radical e queria acabar com a alegria do pobre. Ainda mais, falando em sexo e em continência na vida conjugal, deixou muito cocoroca achando que, dali por diante, era preciso bater continência para o sexo também.

Textos extraídos dos livros "O Festival de Besteira que Assola o País", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1966, "2.º Festival de Besteira que Assola o País", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1967, e "Na Terra do Crioulo (A máquina de fazer) Doido - FEBEAPA 3", Editora Sabiá - Rio de Janeiro,  1968, págs. diversas.


(copiado do site Releituras: http://www.releituras.com/spontepreta_festival.asp)

DISCURSO - M.luiza de C.Malina




DISCURSO
M.luiza de C.Malina

Com uma taça de Proseco geladíssima na mão, agradecendo aos seus eleitores, brinda, com o tim...tim.

Com a voz rouca, da força das palavras proferidas, sua voz de taquara rachada, espalha a esperança da mentira de promessas exorbitantes, fazendo-o perder o fio da meada.

Aturdido   em seu blá...blá...blá, junto ao povo eufórico gritando na praça da cidade,  despede-se dizendo tanto, sem nada dizer.

Despede-se com acenos amigáveis.
Despede-se de sua vida de pobre e malfadado.

Despede-se de sua rotina do nada fazer, em que sempre viveu, para nada cumprir.

Em meio ao plaft...plaft...plat, alguém grita:


Não se esqueça de mim!

DUVIDO QUE Dê CERTO - Suzana da Cunha Lima





DUVIDO QUE Dê CERTO
Suzana da Cunha Lima

- Duvido que dê certo. Nem precisa ser gênio para saber disso. – Siqueira afastou a papelada de cima da mesa e voltou seu olhar para o computador.

- Mas você nem  me deixou explicar direito o plano todo - resmungou Elisa, recolhendo os documentos -  Será possível que tudo que planejo você acha que não funciona?

- Sou realista, meu bem. Conheço bem este clube.  Você pode colocar um tanque de guerra com cartazes na porta da frente, que o pessoal nem olha.  Pelo menos não olha os cartazes.

- Fica difícil trabalhar assim, Siqueira.  O chefe quer este projeto pronto para a próxima reunião que é daqui a três dias e tudo que idealizo ou planejo você dá o contra, sempre duvidando ou que o pessoal não olhe a propaganda, ou que não goste, ou que não dê certo.

-  O que pode dar errado num simples programa de perguntas e respostas? Nem vai custar praticamente nada, a não ser um pouco de papel.  E agora é uma espécie de teste, para ver a reação do público e depois fazer os ajustes.  Um balão de ensaio.
- É que, caso não dê certo, nossa credibilidade vira pó, vai para o brejo, entendeu? Duvido muito destas suas ideias culturais, sabe? O pessoal vem ao clube para relaxar, fazer ginástica ou praticar esporte.  Duvido que  queiram queimar a cuca  pensando em respostas para estas perguntas.   Ah, duvido mesmo...

- Já lhe disse que é um teste apenas.  Como vamos saber se vai dar certo se nem experimentamos? Ah, para ficar assim, com você duvidando de tudo que apresento, prefiro sair daqui - Resmungou Elisa, se levantando da cadeira.

- Bom, não precisa ser tão radical. – refletiu ele, temeroso de perder uma funcionária tão competente. – Quer experimentar? Está bem, então faça, vá.  Como teste, não é? Não tenho verba para suas loucas experimentações. E um conselho, nada de pergunta difícil demais. Cultura é uma coisa, verborragia pernóstica é outra.

Elisa sorriu contente e saiu para sua sala ansiosa para costurar bem seu projeto e mostrar à Diretoria como se organiza uma proposta simples e bem feita.  Digitou oito questões simples em papel A-4,  cortado em dois e colocou-os em sua mesa.  Oferecia o teste a todos que por ali passavam e eram muitos, porque sua sala era próxima da Xerox, impressora e fax, pedindo que tentassem responder à pergunta.  Ela oferecia três alternativas, assim, o teste não ficou muito difícil e o pessoal acabou se divertindo e até perguntando quando seria a próxima pergunta.  Com tanta adesão, Elisa conseguiu elaborar uma planilha onde constava o número de participantes e os acertos.  O resultado foi surpreendente.

 Ela então levou-o direto para seu superior, baipassando Siqueira, porque não aguentava mais ouvir o lenga lenga dele, duvidando de tudo que não fosse ele o autor.

Quando terminou, o apresentou diretamente ao seu Chefe Superior e foi muito elogiada. – É sua ideia mesmo, Elisa?  Ou o Siqueira andou dando uma mãozinha? Aliás, ele já sabe deste projeto?

- Ele sabe, mas duvidou de tudo a respeito: do interesse dos sócios, de minha capacidade para operacionalizá-lo etc. etc. Ele duvida de tudo, senhor. Se a gente não tenta nem ousa, como saber se vai dar certou ou não, não é?  E se o projeto falhasse, a gente pensaria em fazer alguns ajustes, direcioná-lo melhor ou em outra coisa diferente, não é?

O Chefão riu satisfeito. – É de gente assim que a gente precisa, Elisa. Não podemos ficar na mesmice ou somente naquilo que dá certo. A Cultura é dinâmica, mas, ao contrário do esporte, temos que levá-la ao povo, por si só ele não vem a nós.  Bom, vamos fazer uma surpresa ao Siqueira agora.

Surgiram na sala do Siqueira, que tomava café olhando sonhadoramente para fora da janela. Quando eu for Diretor, divagava, vou dar uma mexida e tanto aqui. Estes jovens  vem com estas ideias de jerico, só para aumentar o trabalho da gente..- e aí percebeu o Chefão entrando na sala com Elisa. Levantou-se rápido: Oi Chefe, a que devo a honra? Aceita um café, está quentinho.

- Ah, obrigada Siqueira. Já tomamos. Você viu o trabalho aqui de sua funcionária?
- Pois é, Chefe, o senhor desculpe a moça aí, eu bem disse a ela que não ia dar certo.  Duvido muito destas novidades ditas culturescas.  Estou aqui há um século, já sei bem o que os sócios gostam ou não gostam. É um pessoal difícil, sabe?  Mas eu permiti a Elisa fazer esta experiência porque já não aguentava mais a insistência dela e suas ideias mirabolantes...


- Não se preocupe com isso não, Siqueira  Eu gostei muito e os sócios também. Já chegaram muitos elogios aos meus ouvidos.  De modos que, o Setor de Criatividade do Departamento vai ficar com ela. E Elisa se reporta diretamente a mim.  Você fica aí com seu importantíssimo serviço de rotina. Estou lhe  despromovendo para o novo Encarregado do Material Impresso e quetais. Você sabe, Xerox, scanner, fax, estas coisinhas que você sabe fazer tão bem.  E não me faça duvidar de sua capacidade para gerenciar estas máquinas, veja lá!

SIMPLESMENTE NICA - M. Luiza de C.Malina





SIMPLESMENTE NICA                                                          
M. Luiza de C.Malina                               

Nica era assim. Um tipo de mulher que quase, já não se encontra. Nada de extremos em seus altos e baixos  .

Era uma morena clara, alta, alegremente falante em seus 27 anos. Apesar de se enquadrar na escala social como pobre, a casa em que vivia no bairro da Lapa, embora muito simples, se misturava às belas mansões que aos poucos davam lugar a luxuosos edifícios.  Clientela que lhe rendia um dinheiro extra aos sábados, como manicure particular.

Durante a semana era datilógrafa em uma empresa multinacional. Atenta e extremamente observadora, aperfeiçoava seu próprio comportamento imitando as atitudes de suas colegas e até mesmo as boas maneiras de suas clientes.

Obcecada por uma educação esmerada, repassava aos cinco filhos seu aprendizado. Era uma escadinha sem fim. O primeiro filho havia nascido aos 14 anos. Não terminara os estudos.

Em seus devaneios, sonhava em ser artista de rádio, de preferência da Rádio Nacional. O som entusiasta de um “Bom Dia Querida Ouvinte”, chegava-lhe aos ouvidos aproximando-a do radialista, tornando-o íntimo em seus fantasiosos pensamentos.

Ah! Aquele belo cantor estará na rádio amanhã.  

E no dia seguinte lá estava ela, excitada, frente a frente de seus ídolos. Demonstrava tanto entusiasmo e alegria, que foi convidada a participar do programa ao vivo. Orgulhosamente aceita, identificando-se. Sua voz clara numa manhã chuvosa, nos microfones da Radio Nacional, ecoava pelo Brasil afora.

Apesar do simples nome de NICA, pois poucas pessoas assim se chamavam, os telefones da rádio começaram a se congestionar, patrocinadores queriam sua voz para as propagandas. Novelistas a requisitavam para participar das gravações.

NICA. NICA. NICA. Era só o que se ouvia.

Não precisou passar pelo teste do sofá. A novidade  também chegara aos ouvidos familiares.


Nica vence. Rasgou seu passado para romper neste novo presente.   

JOÃO REVOLTADO, SUBIU NO PALANQUE POLÍTICO DE MINEIROS - Oswaldo Romano




JOÃO REVOLTADO, SUBIU NO PALANQUE POLÍTICO DE MINEIROS

Oswaldo Romano                                                                           

         Cansei de assistir na TV a propaganda eleitoral. Cansei de assistir nos teles jornais elogios encomendados pelo governo. Cansei de ouvir as mesmas balelas, as mesmas ladainhas nos rádios. Não quero cansar de defender os direitos do povo. Deixar o aconchego do lar para esta nobre missão, faço-o com muito prazer. Vocês estão certos. No seu direito, no seu pensar. Vamos encontrar a verdade, a verdade que procuramos. Estamos aqui pela mesma razão. Somos iguais, iguais nos desejos. Nossa diferença se existe está em que vocês representam uma força capaz de revolucionar nossa politica, e eu serei só seu servo. Se necessário, dormirei na Prefeitura para vigiá-la.

         Vocês podem decidir uma eleição. Conto com seus votos.

         Justifico minha presença aqui, graças à oportunidade que deram de poder falar-lhes, de poder externar meu pensamento. Ele nada mais é do que a justiça que procuramos. Justifico minha presença aqui, para ouvi-los e me deem ouvidos às palavras. Deixaram o conforto dos seus lares, os seus trabalhos, suas noites esportivas. Eu senti a obrigação de ocupar este palanque, comungando a mesma intenção. Eu senti a obrigação de também lutar para tirar do marasmo à vida sedentária desta sofrida cidade.

         Com a graça de Deus, desculpem invocá-lo, mas é a Ele que devo a alegria de conhecê-los e estar pronto como candidato para ocupar a nossa prefeitura. A cidade é pequena, sou conhecido pela maioria, conhecem meus bens e certamente sairei do governo com o mesmo patrimônio. Vou trabalhar para vocês. De coração eu prometo. Prometo e fica aqui gravada esta promessa. Vocês serão os fiscais. Vocês serão os companheiros na vigília da nossa administração.

         Quero mudar esta cidade, usar sua receita para acabar com essa apatia. 

Apatia que vivemos há tanto tempo. Chega! Chega de promessas vãs. Chega desse eterno sono. Vamos dar empregos. Vamos tirar nossa juventude dos bares, hoje repletos de bêbados desocupados e dar-lhes uma digna ocupação. A cidade que eu imagino, vai encher de orgulho ser cidadão Mineirense. Mineirense muito em breve vai bater no peito, e explodindo de alegria dizer: Eu sou um cidadão de Mineiros. Mineiros do Tietê.


Mineiros precisa se fazer existir. Mineiros, precisa desabrochar e mostrar ao Brasil o valor da sua gente. Vamos construir uma cidade modelo. Depois ninguém, ninguém mesmo, jamais nos chamará de Mineirinho.

Lindo passeio - Mário Tibiriçá




LINDO  PASSEIO
Mário Tibiriçá

Pontualmente  as nove  horas da manhã meu carro parou  na porta do prédio onde mora Mercedes, e disparei imediatamente a buzina de ar comprimido: “FIM  FOM – FIM FOM- FIM FOM”

Logo Mercedes  apareceu saindo do prédio, e pude admirar sua  linda silhueta.

Alta, corpo muito bem proporcionado, negros cabelos esvoaçando ao vento, sorria alegremente, um anjo de beleza e candura. Enquanto a observava sorrindo também, por amar aquela feiura toda.

— Podemos  partir já  - disse eu - o carro está preparado, o roteiro  bem
Programado, e o dia está lindo.

— O que é que você bolou?  - perguntou ela.

Vamos para o litoral norte, onde o oceano é CALMO. Os golfinhos, donos daquela praia,  passeiam próximo da orla, e a areia fina é veludo para nossos pés.

— Tóca o barco respondeu ela - mostrando a maravilhosa boca, enfeitada por um colar de dentes brancos e perfeitos tal qual o teclado de meu  piano.

Deixar o pesado trânsito dos veículos na cidade, com a algaravia das buzinas, além do relinchar dos pneus no asfalto causticado pelo  sol ardente, é para mim uma alegria.

Rugindo alegremente, o motor do meu carro levou-nos rapidamente a enveredar pelas sinuosas estradas rumo ao litoral.

Em breve avistávamos as infindáveis  praias, delimitadas pelo oceano que as apertavam contra a mata atlântica, transformando-as  numa imensa passadeira branca brilhando ao sol.

O chalé alugado era simples e limpo.) Era tudo e  era nada, apenas  um esconderijo contra o procurado sol. Mas, com a certeza um ninho de amor.


Mãos dadas,  molhados pelas límpidas e pesadas ondas do oceano, corpos revestidos da areia fina colada, entravamos  mata adentro tentando alcançar as clareiras formadas por poderosas  e centenárias arvores, junto a raquítica vegetação costeira.

O SÉTIMO DISTRITO Suzana da Cunha Lima





Conto de suspense ganhador de Menção Honrosa no Concurso Literário Sindi-Clube 2013.

O SÉTIMO DISTRITO
Suzana da Cunha Lima

Era uma noite escura, sem lua.  Fria. A iluminação na rua, além de precária, estava encoberta pelas árvores frondosas que miraculosamente  tinham sido preservadas da sanha abate-árvores do prefeito anterior. Talvez porque fosse uma rua curta, sem saída, quase uma vila.

Helga dormia bem enrolada em seu edredon. Viúva há alguns anos, acostumara-se a morar sozinha, conhecia todos os ruídos da casa e da vizinhança. Os dois filhos, já casados, moravam em outros bairros.

Foi quando uma estridente campainha a acordou. Não imediatamente, precisou tocar várias vezes, parar de tocar e recomeçar outra vez para Helga perceber que não era sonho.  Virou a cabeça olhando quase automaticamente para o relógio.  Três horas da manhã! Quem ou o quê podia ser? Seus pés procuraram os chinelos e ela, afinal, se levantou.  Não acendeu a luz, nem fez ruído algum.  Tentou olhar pela fresta da veneziana, de onde podia se enxergar a rua inteira porque seu quarto ficava na frente. Não viu nada de diferente. Estava muito escuro e o vento fazia as folhas gemerem, lembrando o ruído de pés descalços em chão de terra.

 A campainha tocou outra vez. Só aí que ela percebeu que era telefone e não a campainha da casa; aí acordou um pouco assustada. Quem seria? Resolveu verificar primeiro no identificador de chamadas do telefone do hall.  Desceu a escada maciamente, como um gato, se esgueirando pelas paredes. Esperou ele tocar outra vez, pensando se havia algum padrão nos toques.  Não conhecia aquele número, mas pelo prefixo, era do bairro. Seis toques e parou. – desligaram -  pensou ela, pois o telefone estava programado para tocar pelo menos umas vinte vezes. Agachada, foi verificar se as portas e janelas estavam bem trancadas. Estavam exatamente como ela tinha deixado antes de dormir. A casa era bem protegida.  E ainda havia segurança 24 horas na rua.  

O telefone tocou outra vez. No quinto toque resolveu atender, com o celular na mão, caso precisasse chamar a polícia ou alguém. Só retirou o telefone do gancho. Uma voz de outro lado perguntou:

- Com quem falo?

- Diga o que quer logo – respondeu ela rispidamente.

- É da delegacia de polícia. Sétimo Distrito. Estou com seu filho aqui. Foi pego passando drogas.

- Filho? Qual o nome dele? – ela estava cada vez mais desconfiada, principalmente porque seus filhos eram homens sérios, casados e responsáveis. Drogas? Se for um trote, era de muito mau gosto, pensou.

- Não posso dizer senhora. É menor de idade e deu seu telefone para que viesse buscá-lo.

- Não tenho nada com isso. Favor não telefonar mais. –  desligou o telefone e pensou: è uma história inventada para que eu saia de casa ou, ao contrário, para ter certeza que estou em casa. Mas quem está telefonando já deve saber que meus filhos são maiores e não moram aqui. Qual o fim disso tudo? O que tenho em casa não justifica um assalto, de jeito nenhum. Não tenho joias nem moedas estrangeiras, nenhuma prataria e coisas do tipo. E o carro que está estacionado em frente nem meu é.  Alugo a vaga para o vizinho. – ficou matutando um pouco.-  Acho que ando vendo muitas séries de televisão de investigação criminal, mas não vou deixar isso assim. Não houve engano do número de telefone, é meu mesmo. Então resolveu  ligar para O Sétimo Distrito.

- Vamos ver se confirmam esta história – estava falando sozinha, como fazem geralmente as pessoas que vivem sós. Como não achava o telefone dos distritos policiais, resolveu ligar para o do Corpo de Bombeiros, que estava à mão.
-Alô, Corpo de Bombeiros,  às suas ordens.

- Por favor, preciso de uma orientação. Recebi um telefonema estranho do Sétimo Distrito Policial, dizendo que...

- Senhora, não existe Sétimo Distrito – responderam.

- Então, vocês precisam me ajudar.  Quem me telefonou foi do Sétimo Distrito. Disseram que meu filho está lá, por posse de drogas.

- Senhora, já disse que não existe o Sétimo Distrito. Por que não liga para a Central de Polícia? Nós aqui fazemos salvamentos, lidamos com outro tipo de emergência. Vou lhe passar o número.

Helga anotou e resolveu ligar.  Embora fosse tranquila por natureza, estava começando a se preocupar seriamente com sua segurança. A única certeza que tinha era de que não ia sair de casa de jeito nenhum, ainda mais para um Distrito que nem existia.

- Central de Polícia, às suas ordens!

- Moço, me escute sem desligar, por favor. Recebi um telefonema – e aí Helga contou a história toda.

- Senhora, realmente não existe o Sétimo Distrito, portanto, só pode ser trote de quem não tem o que fazer. A esta hora, só saímos do Posto em emergências reais.   Tem alguém rondando sua casa?

- Não, mas....

- Forçaram a fechadura de casa, pularam para alguma varanda que a senhora tenha por aí, estão lhe ameaçando de alguma maneira?

- Não senhor. Mas não é estranho me ligarem a essa hora  com esta história sem pé nem cabeça?

- Nós ouvimos muita coisa estranha por aqui, senhora. Veja se casa está toda fechada e trancada e vá dormir em paz.  Em tempo de férias, tem muito trote correndo solto por aí.

Helga não se conformou.   Resolveu então ligar para o dono do carro, seu vizinho, Doutor Pontes.  Pode ser que pensem que este BMW seja meu, e acharem que sou rica.

Incrível como pareça, Doutor Pontes não estava dormindo. Atendeu-a friamente , porém com educação.

- Que história é essa que está me contando, dona Helga? A senhora acha que pensam que é rica e querem lhe assaltar só porque meu carro está estacionado aí?
- E que outra coisa devo pensar, Doutor Pontes?  Não tenho filho menor e o Sétimo não existe. E estão telefonando no meu número de telefone muitas vezes. Bom, eu não pretendo sair de casa e não me responsabilizo pelo que possa ocorrer com seu carro. Estou lhe avisando que a história toda é para se preocupar.

- Agradeço, d.Helga, mas tudo isso está me parecendo trote. Tranque tudo e fique em casa. Amanhã conversaremos melhor. Não ligue mais, sofro de insônia e estava quase dormindo..  Uma boa noite para a senhora.

Helga ficou sem saber o que pensar, mas não queria se indispor com o Doutor Pontes, pois o dinheirinho do aluguel da vaga lhe faria falta.

Resolveu espiar outra vez para o lugar onde o BMW estava estacionado, escondida na fresta da janela, com tudo apagado. Minutos depois, ela viu Doutor Pontes se aproximar do carro sorrateiramente, enfiar a mão no banco de trás e retirar um saco grande de lá.  Esgueirou-se  pela paredes da casa até entrar na sua, o que fez rápida e silenciosamente.

Ninguém tocou mais o telefone. Helga esperou uma meia hora. E nada... Resolveu ligar para o número que tinha ficado registrado  no seu bina, com muito medo. O que ela iria dizer?  Tocou muitas vezes e o bina registrou telefone público.  Telefone Público! Claro, imagine se os marginais, do outro lado, iam deixar rastros de telefone...

Então, é um trote muito malfeito – ficou matutando – Não sei o que pensar.  Mas o que o  Doutor. Pontes foi pegar no carro dele? Isso é um caso para polícia e é para lá que vou ligar. Desta vez a polícia prestou bastante atenção no que ela lhe contou.

- Senhora, peço que não faça nada, fique quieta em casa e certifique-se de que está tudo bem fechado. Estaremos ai em poucos minutos – pediu delicadamente o sargento que atendeu o telefonema.

- Ora, ora, alguém acreditou na minha história – refletiu Helga satisfeita – foi para seu posto de observação, junto à janela do quarto. Depois de quinze minutos resolveu voltar para a cama e dormir.  Foi quando percebeu uns vultos furtivos, de escuro, entrando na pequena vila. Ficou excitada, olhando pela fresta, esperando o que ia acontecer.

Não vieram em sua direção, mas para a casa do Doutor Pontes. Eram uns cinco ou seis homens de negro. Será a ROTA? Ou o BOPE? Eles tocaram a campainha. Entraram no pequeno jardim, à frente, e uns dois escalaram o muro e esperaram ordem para entrar pela janela do quarto.  Foi tudo muito rápido.  Enquanto doutor Pontes, furioso, atendia à campainha da porta,  os outros entraram no quarto. Sairam de lá com um saco grande.

- Há outros sacos desses, escondidos no quarto – informou o Sargento para o Tenente que conduzia a investigação.  Num segundo, doutor Pontes estava algemado e enfiado dentro do camburão da polícia, que zarpou dali com a maior rapidez.  Depois o Sargento foi à casa dela e tocou a campainha olhando para cima, porque tinha percebido que ela estava espiando pela janela.

- Dona Helga  só temos que agradecer e muito à senhora.

- Ora, Sargento, não fiz mais do que minha obrigação. Uma história muito esquisita, não acha?

- Realmente, mas a senhora se comportou como uma cidadã responsável.  Estávamos na busca desta gangue há muito tempo.  Não sabíamos onde eles escondiam a droga.  Bem inteligente isso de guardar dentro de um carro de luxo e na garagem de outra pessoa...

- Entre um pouquinho, Sargento, vou passar um café e aí o senhor me conta isso tudo. Vejo muito séries policiais, “.Law and Order”, o senhor conhece?  Ontem foi a história daquela moça que aparece morta, perto do telefone, estrangulada com o fio, imagine...

- Bom, o cafezinho eu aceito, mas não costumo ver televisão de noite, sempre estou trabalhando.

Helga passou o café, deu uma xícara para o Sargento e falou enquanto mexia o açúcar na sua. - Eu estou curiosa a respeito de uma coisa.  Quem afinal estava telefonando tanto para mim e o que queria saber?

O Sargento riu um pouco, e saboreou o café lentamente.

- Nós, lá do Distrito, telefone frio. Queríamos ter certeza que a senhora estaria em casa.  Não se pode entrar na casa dos outros assim, sem um mandado. E a senhora facilitou muito, observando os movimentos suspeitos do seu vizinho. Afinal, nossa missão é defender o cidadão destas armadilhas, não é? Mas deu tudo certo, afinal. Excelente, seu café.

Helga olhou para o Sargento, alto e quase gordo, cabelos grisalhando e se animou.

- Pois quando estiver por estas bandas, apareça aqui. Afinal, já sabe meu telefone, não é?

Reconhecimento - Vera Lambiasi





Quando uma coisa dessas acontece, nosso coração salta em gargalhadas de felicidade !:


Ana querida,  mandei meu texto "Vida Escolar", para a escola onde estudei quando criança, junto com algumas fotos, diplomas e provas. Veja a resposta da diretora, fiquei emocionada !

Beijos, Vera Lambiasi

Abaixo a mensagem recebida:

De: Escola - Alfredo Paulino
Assunto: COLABORAÇÃO COM A ESCOLA

Querida Vera!

Obrigada pelo bem que tem feito a todos nós!

1º)  Aos professores que apreciaram muito seu texto bem escrito e bem humorado. Eu o li em reunião de professores.

2º)  Aos funcionários que quando identificam seus anexos, correm para imprimi-los. Estão lindos! Parabéns!

3º)  Fico só imaginando quando os alunos virem!!!!

Não tenho palavras para te agradecer! Estou tão feliz  com a colaboração de seus amigos que também tem me ajudado.

Meu marido morou na Rua Saldanha da Gama, próximo ao José Vasconcelos. Quem sabe, vocês não se conheçam?

Você faz parte de nossa escola, que eu amo tanto!

Beijos!

Rosangela Yarshell