JACINTO, POBRE JACINTO - Maria Luiza Malina

 


JACINTO, POBRE JACINTO

Maria Luiza Malina

 

Desde pequeno era notado pela sua esperteza incomum. Saiu-se bem! - Dizia a família, composta de oito irmãos, apesar de ser um adolescente revoltado que fugiu da escola.

A idade adulta, da mesma forma que desaparecia, aparecia surpreendendo não só a família apreensiva, como os amigos. Driblava a vida com muitos pontapés, aliás era o que sabia fazer de melhor. Na necessidade, cá estava, como que caído do céu. Com um escritório de advocacia muito bem montado, na entrada uma adorável estagiária vestida de acordo exibindo o slogan do escritório no crachá. A parede bege exibia o não todo suado diploma emoldurado em finíssimo acabamento.

Muito respeitado na região, conduzia seus funcionários, gabaritados nas posições ocupadas, o que fazia com que a sua ausência prolongada nem nada interferisse no andamento dos processos, mesmo porque, em tempos de correspondências on-line, celular, enfim o diabo que fosse, estava sempre antenado aos mínimos suspiros e insuspiros advocatícios. Um controle raro. Tipo “paredes têm ouvidos”. Só não deixava rastro por onde passava.

Ausentava-se por longos períodos. Esbelto, bonito e rico. Retornava das viagens sem dinheiro, alegando à família os gastos nos jogos de azar em cassinos clandestinos. Na estraçalhada poeira de buchichos de amigos “pero no muchos amigos”, o comentário do desaparecimento é que tinha outra família. Mas que nada!  Disfarçava muito bem. Entrelaçava os negócios a tudo.

Certa vez, uma negociação o deixou com a pulga atrás da orelha: exigia uma reunião em alto mar. Estranhou. Encarou sem pestanejar, de forma pacífica, pois estava acostumado a longos e preciosos períodos de ausência. No entanto, desta vez tardou-se acima de sua atenta expectativa, ludibriando até mesmo uma das namoradas ocasionais mais constantes, para a qual jurava eterno amor com direito a poemas. Era a única acima de sua ingênua esposa entretida com os pesados compromissos dos cinco filhos.

Ela, Perolaliz, o entendia muito bem, a "Perolara", como a chamava, acreditava ser a única. Era assim que tratava a todas as pérolas aos seus pés caídas...

Obviamente, longe de qualquer holofote, estaria livre, pensava. Neste pensar lembrou-se do compromisso que teria com uma das pérolas, não a rara, “a outra”, e resolve enviar um WhatsApp “Perolamel, amada, desculpe o atraso, passei em frente a uma loja e não aguentei, desfaça-se do nosso quarto, comprei outro moderníssimo, cama arredondada e luzes, amanhã mesmo instalarão e à noite te amarei por inteira”.

Clicou. Enviou. Desligou o celular.

— O que é isso! - Surpreende-se Perolaliz arregaçando as mangas, enviando um recado atrás do outro, já se somavam uns vinte e um sem respostas às enlouquecidas cenas de ciúmes, vez que ela própria trocara semana passada o mobiliário do quarto para um mais sensual, a pedido e custas de Jacinto... resolveu apagar todas as mensagens não respondidas e aguardar, enfiada em seu ciumento e doentio cobertor – “há outra pérola? Vou descobrir”.

Assim ficou desabrochada da vida.

A secreta reunião deu-se em uma ilha distante a 50 km da costa. Qual não foi o espanto da surpresa? Boquiaberto, lá estava a foto de “Perolamel”, a esposa do empresário com quem estava marcado o encontro. Jacinto disfarçou, mas estremeceu na base, por um instante, voltou a ser aquele menino de esperteza incomum comentando:

— Boa tarde. Sr. Venceslau, Dr. Jacinto ao seu dispor! Espetáculo de moradia com esta vista bem enquadrada com a foto de sua filha… – nem conseguiu acabar de falar sendo cortado pelo vozeirão de Venceslau.

— Minha filha coisa nenhuma, minha esposa. – Acentuou forte. Gostaria de apresentar-lhe, mas justamente esta semana ela tem consulta médica no continente. Fica para a próxima.

Aliviado, Jacinto já nem mais se sentia, vagava. Algum engano. Ela é uma moça fina, mas o apartamento é muito simples para seu padrão. Deve haver outra moça parecida, gêmeas idênticas, tentava ludibriar-se no atordoamento. Quando voltar, vou tirar a limpo esta confusão. Entretido nos fantasmas que povoavam a cabeça, pensava no recado que havia enviado a ela – o que fazer. Deixara o celular na pasta extra, - o que fazer? Interromper uma negociação de bilhões por uma mulher? Isto ainda iria noite adentro. - Preciso desculpar-me com ela.

O entardecer chegou impressionando Jacinto com a visão de um pôr-do-sol rodeado das cores mutantes que se esvaneciam no mar. - Precisava ir embora... nisso, entra a governante convidando-o a se acomodar num aposento, pois o jantar seria servido em uma hora. Sem nada entender, deixou-se guiar. Realmente a elegância de Venceslau, como o tratava, o desconcertou. Pensava no recado enviado a Perolamel… totalmente sem sentido. Como se desculpar?

Amanheceu. O capitão o esperava no deck, após o alucinante café. Precisava retornar e encontrar-se com Perolamel. Nas poucas horas no mar, calado, jogava ao mar a âncora do entendimento que em nada se enroscava.

Abre a porta e a encontra. Ela, estranhamente, o abraça e pergunta se, esquecera do compromisso de ontem, com quem esteve, etc., … coisas de mulher - Outra com cena de ciúme, pensa e em seguida retruca. - Estou vendo que o pessoal da loja ainda não veio instalar seu novo quarto. Por que você não se desfez deste horrível e démodé mobiliário como pedi pelo whats?

Perolamel, não sabe o que responder. Apenas o abraçou e se acarinharam. Não havia mais os porquês...

Neste ínterim, Jacinto, apavorado, levanta-se num pulo, recompõe-se, sai em disparada, sem nada explicar. - Pobre Jacinto, pensa ainda sentada na beira da velha cama que não deixou de ranger ao seu suspiro, afinal lá era a casa em que nasceu!

Descuidado, resolve abrandar a situação envia outro Whats- “Desculpe meu amor por falhar ontem com você, hoje você estava linda!”. Clica. Enviou. Dirige confuso, embaraçado e cai em si, relembra: cliquei rápido e enviei o whats... Ops. Estaciona o carro. Verifica o celular e se dá conta que os enviou à pessoa errada.

Ficou longa semana sem contatar a pérola rara. Era seu jeito de ser, sumidouro.  Fazer-se de desentendido, desaparecido, do que está falando? Não, deve ter sido engano, e transforma o assunto num pé sem cabeça abreviando o momento: um belo convite de viagem em um transatlântico entregando um envelope com belo maço de dinheiro para Perolaliz preparar seu enxoval para o tour pela Europa, que inclui um jantar com o comandante do navio.

— Quero ver-te bela!

Abraça-a e sai pensando, “por esta escapei de pouco”. Bom, agora preciso ir para casa. Outra driblagem.

 

 

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