ADEUS, ATÉ NUNCA MAIS - Sérgio Dalla Vecchia



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ADEUS, ATÉ NUNCA MAIS
Sérgio Dalla Vecchia

Rubens acordou com um tropel próximo à janela do quarto.
A esposa também já acordada, ainda esfregando os olhos, perguntou:
— Que barulheira foi essa, querido?
— Acredito que sejam cavalos galopando aqui pertinho. Vou abrir a janela para conferir. - Respondeu já com a mão no cremona.
O dia estava nublado, garoa caía quase imperceptível. A luminosidade era suficiente para avistar um corredor ladeado por cercas brancas de madeira muito bem alinhadas, distante uns dez metros do chalé.
Acompanhando esse corredor, Rubens verificou que ele partia das cocheiras rumando para vários piquetes esquadrinhados e divididos também pelas pitorescas cercas brancas.
A garoa fornecia um brilho especial a paisagem, realçava o verde dos pastos acarinhando o olhar de quem observava.
O casal debruçado à janela, extasiados aspiravam o ar fresco e recebiam naquela manhã, o bom dia mais agradável referenciado pela mãe natureza.
Estavam ali, naquele lugar encantador graças ao convite de um amigo para passar o feriado da Proclamação da República em um Haras no município de Colina, S.P. Chegaram a noite, portanto naquela manhã é que estavam reconhecendo o lugar.
Impecáveis como anfitriões, eram o proprietário do Haras e sua simpática esposa. Tudo perfeito, café da manhã, petiscos na piscina, lauto almoço, whisky da tarde e um leve jantar na medida certa.
Num passeio a pé pelos piquetes, Oscar o proprietário, percebendo a admiração de Rubens por cavalos, por pura gentileza de amigo, ofereceu a ele como presente um animal.
— Rubens, infelizmente estou acabando com esse meu hobby de cavalos, portanto nada mais prazeroso do que presentear um amigo que realmente goste de cavalgar. Escolha qualquer um desse lote de potros e potrancas.
Rubens encantou-se com o presente, emocionado agradeceu. No entanto precisava um lugar para receber o animal. Tinha uma casa no litoral, mas não seria apropriado.
Lembrou-se do belo sitio do irmão no município de Extrema, M.G. Telefonou-lhe e o irmão disse que acolheria o animal com prazer, desde que as custas da manutenção fossem por conta de Rubens. O acordo foi fechado.
Agora, debruçado na cerca de um dos piquetes Rubens analisava um por um dos equinos, enquanto a fina garoa refrescava o calor da ansiedade. Foram dois dias de observação até que escolheu uma potranca anglo-árabe de porte alto, alazã, frente aberta e calçada das quatro patas. Ela parecia que piscava para Rubens, era irresistível.
Lá se foi a bela potranca embarcada em uma caminhoneta rumo a Extrema, distante 500km dali.
Agora ela já se chamava Colina em homenagem a sua origem.
Desembarcou sã e salva no sitio. Uma baia limpa e abastecida já a aguardava.
O próprio peão do sitio foi incumbido de iniciar a doma.
Rubens foi visita-la algumas vezes e percebeu que o peão estava com medo da potranca, pois ela o arremessou duas vezes para fora do redondel.
Assim, foi em busca de um especialista em doma numa cidade vizinha e para lá foi Colina.
Visitou-a nesse novo lugar e constatou que a doma fora bem-feita. Montou, testou a obediência dos freios e manobras. 
Agora entusiasmado com o sucesso, Rubens comprou um bem equipado conjunto de arreios numa conhecida selaria em São Paulo.
Não se contendo de tanta felicidade foi estrear dando um passeio a cavalo pelo sítio com o irmão. Aproveitaram para conversar fiado pelas estradinhas das redondezas, acompanhados pelo ritmo da andadura dos animais e pelo canto dos pássaros. A ausência do cotidiano era tamanha, que vez ou outra é que se lembravam quem eram eles.
Mas não eram todos os finais de semana que Rubens podia ir até o sitio. Assim autorizou o irmão a usar à vontade Colina para que não ficasse ociosa.
Foi quando um sobrinho em visita ao sitio montou na égua e saiu a cavalgar com o tio. Pararam na venda para tomar um refrigerante. 0 sobrinho a amarrou numa lasca de cerca e entrou.
Logo foi chamado às pressas porque a potranca assustou e arrancou a lasca, vindo atingi-la na própria barriga, provocando um grande corte. Exigiu consulta do veterinário e aplicação de vários pontos cirúrgicos.
Aborrecido, Rubens acompanhou a convalescença por várias vezes, puxando-a pelo cabresto em pequenos passeios junto a sede para a cicatrização do corte.
Enfim, curada ficou apta a ser montada.
Havia um menino, filho do peão que tinha como rotina diária trabalhar a tropa, cavalgando alternadamente nos animais para exercita-los.
Certo dia ele montou na Colina e não se sabe por que ela desembestou desvairada, pulou cercas e foi parar num brejo atolada. O menino teve ferimentos leves. Foi um grande susto!
Após o acidente Rubens percebeu que ela não tinha condições de permanecer no sitio, poderia machucar alguém com gravidade.
Lembrou-se da fazenda do cunhado localizada no município de Avaré, S.P., distante também aproximadamente 500km de Extrema.
A fazenda era um lugar ideal para ela exercitar e acabar com doidices de égua desocupada. Foi combinado para que ela trabalhasse na lida do gado todos os dias, montada por peões experientes que a tornariam mansinha.
Rubens contratou o transporte e lá se foi a Colina para Avaré.
O tempo foi passando e ele foi algumas vezes a fazenda, onde teve a oportunidade de monta-la e perceber que estava calma (cansada). Acabara aquela elegância dos bons tratos. Agora era trabalho mesmo. Emagreceu e até criança a montava.
Acabou a novidade e foi deixada um pouco de lado na lida, pois como é típico da raça, o andar é trote e os peões tinham opções mais macias.
Certo dia o melhor peão da fazenda resolveu monta-la, despreocupado cavalgou até que em certo local ela empacou, ele a forçou e acabou de costas no chão. Foi uma cena de rodeio, disseram testemunhas. Ela corcoveava nas alturas. Ora para a direita, ora para esquerda, ora estacava, ora arrancava e o peão aguentando firme. Foi quando ela empinou, ficou totalmente em pé e em seguida caiu de costas (boleando) derrubando o valente peão, que por pouco não foi amassado pelo corpo da potranca.
Ela ficou famosa, derrubou o melhor peão da região. Ninguém tinha mais coragem de monta-la.
Difícil mesmo foi Rubens aceitar o diagnóstico dos peões, afirmando que Colina tinha má índole e recomendaram para que ele não mais a montasse, a bem da segurança.
A tristeza era muito grande. O sonho de cavalgar o próprio animal havia acabado num passe de mágica. Tudo passava pela cabeça de Rubens, o gesto bem intencionado do amigo, a felicidade do presente, o porte majestoso da potranca, a escolha no piquete, a doma, os passeios e agora tudo acabado.
Entretendo surgiu uma luz no fim do túnel. Conversando com o cunhado, resolveram faze-la cruzar com um jumento da raça Pêga, ali da fazenda para gerar lindos e fortes burros. Eles têm muita procura e ótimo valor de mercado. Rubens sonhava já com os lindos burros, até pensava em ficar com um só para cavalgar.
Passado algum tempo, constatou-se que por melhor que fosse a performance do jumento, ela não engravidava. Era estéril!
Rubens mais uma vez decepcionado e arrependido por não ter escolhido um outro animal que não fosse tão desafortunado, acabou tendo uma brilhante ideia.
Dois dias depois ele embarcou a tão escolhida potranca com destino a um circo rodeio como doação. Lá ela seria feliz derrubando todos que a montassem. Era única atividade que fazia com louvor!
Durante a despedida, Rubens emocionado, mostrando uma fisionomia tensa, aproximou-se do reboque do translado e com olhar penetrante sussurrou no ouvido da sua querida égua:
— Adeus, até nunca mais!
E uma gargalhada de alivio ficou solta no ar!


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