MAZELAS DA VIDA - Ledice Pereira

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MAZELAS DA VIDA
Ledice Pereira

Angélica procurava entender o que estava acontecendo. A ficha ainda não havia caído. Depois de quarenta e cinco anos de casada, em que se dedicara de corpo e alma à família, casa, pais, sogros, cunhados, filhos e netos, Flávio lhe comunicara que estava indo embora.

Apaixonara-se pela secretária, vinte e cinco anos mais jovem, e iria iniciar uma nova vida.

Ela vinha notando que ele estava distante, mas estava tão envolvida com suas atividades de voluntariado e colocava-se sempre à disposição dos filhos e netos, que julgou ser um momento dele e não deu maior atenção.

Tinha quatro filhos, homens, e procurava dividir-se entre todos para que não ficassem ressentidos. Acudia aqui e ali, ficava com os netos, pegava-os na escola, fazia lanches especiais para eles uma vez por semana, juntando-os em sua casa.

Quando iam embora, não sabia por onde começar a organizar a bagunça. Na verdade, ela gostava daquela bagunça. É vida! ─ pensava ela. As crianças teriam uma recordação agradável quando crescessem. Lembrariam com carinho da casa da vovó.

Fazia uma semana que Flavio se fora e ela estava totalmente perdida. Não tinha vontade de se vestir, de se arrumar, de comer, de ler, de ver TV.

Atônita, se perguntava:

─ Onde foi que eu errei?

A casa vazia parecia ter maiores proporções. Sentia uma pouco de medo. Flavio lhe transmitia segurança. Achava que, ao lado dele, nada de mal aconteceria. Ele era seu super-homem. Casara-se aos vinte anos, depois de um namoro de quase cinco anos. Ele tinha sido o primeiro namorado.

Por causa dele, havia se afastado de algumas amigas. Ele não era muito receptivo a reuniões e festas, e ela procurava respeitar suas rabugices.

Olhou-se no espelho. Nos seus sessenta e cinco anos não estava de se jogar fora. Tinha uma ruguinha aqui, outra ali, mas no geral, até que a natureza havia sido generosa com ela.

Os olhos estavam ainda um pouco inchados, por tanta lágrima derramada, mas não era mulher de ficar chorando sobre o leite derramado.

Resolveu dar a volta por cima. Ligou para o cabeleireiro, marcou hora para dar um belo trato na aparência.

Do salão, ligou para os filhos, que ainda não sabiam de nada, e convidou-os para um jantar em família.

─ O que iremos comemorar mamãe? ─ perguntaram todos, pois não era comum ela chamá-los assim, no meio da semana.


─ A minha liberdade! Vamos comemorar a minha liberdade!

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