Mentira atrai mentira
Fernando
Braga
Recém
chegada do nordeste viera para São Paulo, fugindo da situação periclitante em
que vivia com sua família em Pernambuco. Conseguiu emprego como doméstica, em
uma residência no Jardim América, bairro chique da cidade, onde passou a morar.
Tinha ela um bom aspecto físico: moça morena, magra, rosto bonito e um cabelo
preto longo.
Após dois anos, havia granjeado a
simpatia dos patrões, sempre disposta ao trabalho, discreta, respeitosa com os
outros, e com as peraltas crianças da casa.
Alguma
mudança ocorreu quando tornou-se amiga de Silene, a cozinheira, que era mais
desenvolta, falava e ria fácil, e frequentemente trazia fofocas sobre patrões,
vizinhos e conhecia todas as demais empregadas da rua, fofoqueiras como ela.
Começaram a sair juntas nos fins de semana. Nas andanças, Divalda conheceu Clovis,
um rapaz que dizia ser quase um advogado, tinha seu carrinho e morava em um bom
bairro.
Ao
rapaz, disse que viera para São Paulo a convite de sua tia, morar com a mesma e
pretendia continuar seus estudos, que havia parado na metade do segundo grau.
Ele
vinha busca-la em seu carro, parando na esquina, próximo à casa onde morava e
assim foi durante uns meses. Ela tinha ganho alguns vestidos usados da patroa, e
assim, quando saia, estava sempre cheirosa e razoavelmente vestida. Notava que
sua amiga Silene, com quem passou a não mais sair, sentia inveja,
principalmente, quando a via saindo de carro com o namorado.
Divalda
manteve sua mentira ao namorado, não queria perde-lo. Várias vezes, quando os
patrões se ausentavam e Silene também, usava algumas roupas da patroa, algum
casaco, pulôver e mesmo bijuterias, que sabia onde encontrar. Sempre devolvia
tudo, colocando-os nos mesmos lugares. Para a patroa, ela era de confiança.
Seu
namorado, parecia bem intencionado, gostaria de apresenta-la para seus pais e gostaria de conhecer os seus tios. Ela procurava
fugir, sempre inventando algum empecilho.
Em dezembro, Clovis ia ter sua formatura
e disse que seria ela, sua primeira e mais importante convidada, depois de seus
pais. Isto demonstrava amor.
Valquíria, a patroa de Divalda, notou a
falta de um anel de brilhante, que havia ganho de seu marido, quando ficaram
noivos. Procura daqui, procura dali, pergunta às empregadas, filhos e nada.
Na véspera de formatura de Clovis,
Divalda chegou para sua patroa, falou que estava muito nervosa, preocupada,
porque seu namorado ia se formar e ela não tinha vestido digno para ser usado
na solenidade. No mesmo momento, a patroa que gostava muito dela, disse para
subirem ao quarto, e que escolhesse um de seu guarda roupa, que lhe servisse. Por
sorte, serviu também um dos sapatos. Foi a uma cabeleireira e manicure na rua
próxima, como complemento.
Quando Clovis veio busca-la, parou em
frente à casa, desceu, tocou a campainha e quem atendeu foi a patroa. Dirigiu-se
a ela:
— A senhora é a tia da Divalda? Muito
prazer. Sou Clovis, o namorado dela.
— Sim. E você está se formando hoje? Meus
parabéns!
Logo chegou Divalda, que estava de
chamar a atenção, radiante. Subiram no carro e seguiram caminho.
Na festividade Clovis apresentou a
namorada a seus pais e amigos, que acharam-na bonita e simpática, embora quase
muda.
No dia seguinte, a patroa chamou-a na
sala e perguntou:
— Você disse ao seu namorado que é minha
sobrinha?
Olhou para o chão, ficou rubra e
confirmou com um aceno da cabeça. A cozinheira que estava na cozinha tudo
ouvia.
— Foi quando comecei a namora-lo o ano
passado.
— Não consegui desmentir, por medo dele
se afastar. Gosto dele e ele, tenho certeza que ele gosta de mim. Não sei mais,
como proceder.
— Veja bem, a mentira tem perna curta, a
mentira não tem família, não vou desmentir o que você disse a ele, mas ele vai
descobrir logo. Conte a verdade, mesmo que seja para perdê-lo. Vai com calma.
— Vou pensar. Vou achar o momento mais propício.
—Ah, dona Valquíria, outra coisa!
— Quero devolver este anel maravilhoso
que peguei da senhora, para usar na formatura dele. Me perdoe. Não sou uma
ladra. Nunca poderia fazer isto com a senhora, que tem sido muito amiga. Por
favor, não me mande embora!
— Tudo bem! Até entendo você! Gostaria
que fosse minha sobrinha, mas não posso dar asas a mentira.
Após uns dias, Silene procurou-a e
disse:
— É verdade que você roubou o anel de
sua patroa?
— Ah! Encontrei seu namorado com uma
moça, no parque do Ibirapuera. Pelo jeito deve ser outra namorada ou até sua
esposa!
Divalda ficou passada, vendo seu namoro
ruir.
No final de semana, ao encontrar-se com
Clovis, perguntou se ele gostava dela e, se tinha outra namorada.
— Eu não tenho outra namorada e te amo.
— Silene, a cozinheira, disse que viu
você com uma moça no parque.
— É minha irmã, e meu sobrinho pequeno
estava junto. Você vai conhece-los logo. Sou sincero!
Pela
primeira vez ela aceitou irem a um motel. Neste lugar, após deliciosos momentos
de amor ela disse:
— Clovis,
sou uma grande mentirosa!
— Como assim?
— Como
te amo, quero confessar que quando o conheci, menti que morava na casa de minha
tia. Sou apenas uma empregada doméstica de dona Valquíria.
— Deixe eu entender, compenetrar! Você é
uma doméstica? Você está brincando?
— Não posso negar, vim do sertão de
Pernambuco para ter uma vida melhor em São Paulo. Sempre fui pobre. Minha família que lá está, é pobre.
— Por enquanto vou levar você para a casa,
onde é empregada. Conversaremos!
Passara um mês e Clovis não procurou por
ela. Divalda ficou muito triste, sua patroa percebeu e perguntou:
— Você falou com ele?
— Falei e ele desapareceu. Disse que me
amava e também mentiu!
Um dia, Divalda aproximou-se do Dr.
Geraldo, marido de Valquíria, que era médico e pediu a ele que desse uma olhada
em umas manchas que tinha na perna. Geraldo olhou, pegou um alfinete e picou
sobre a manchas, percebendo que nelas não havia sensibilidade. Levou-a até o
hospital em que trabalhava e após exames, o dermatologista confirmou tratar-se
de lepra tuberculoide, felizmente, não lepromatosa. Começou tratamento
especializado lá mesmo.
Mais
à frente, Divalda teve uma briga, uma discussão com a cozinheira, que nervosa,
disse o seguinte:
— Além de grande mentirosa, você é uma ladra.
Pensa que não ouvi?
Divalda
pediu as contas e foi embora. Não poderia conviver mais com Silene na mesma
casa.
Pelo menos, já estava mais acostumada
com a cidade grande.
Após uns cinco anos, Dr. Geraldo
passando pelas dependências do Hospital, encontrou por acaso Divalda, que
parecia muito bem, além de bem vestida e bonita. Ele perguntou a ela:
— Você está bem de saúde?
— Segundo o Professor Abrão, estou
curada da Hanseníase.
— E o resto?
— Estou casada e tenho dois filhos.
— E aquele seu namorado advogado?
— Foi com ele que me casei! Ele me localizou
logo que deixei sua casa e disse que não poder viver sem mim. Tinha tentado
tudo e foi impossível!
— Tudo, tudo foi se ajeitando,
compreendido por ele e seus familiares. O amor venceu! Agora, fazemos parte da
mesma família.
— Dê um grande beijo e abraço na dona
Valquíria. Qualquer dia irei vê-la. Vocês foram ótimos para mim. Muito
obrigado, de todo coração.
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