EM AGOSTO NOVA TURMA DO ESCREVIVER!

NOVA TURMA
NOVAS IDEIAS
NOVOS AMORES
NOVAS TRAMAS
NOVOS CONTOS
NOVOS AMIGOS



A oficina tem pouco mais de um ano, e está lotada!

Estamos vivendo o prazer de criarmos juntos nossas histórias.



Nova turma para agosto 2014
Início 26 de agosto
Horário: das 18 às 20:30 horas

Venha inventar histórias conosco.

Procure o Departamento Cultural - Marco Ribeiro.


PARABÉNS PARA A FERNANDA!

Ontem festejamos com prazer o aniversário da Fernanda Torres. Bolo de chocolate divino, e proseco geladinho. 

Tim Tim!!!







Dúvida Cruel - José Vicente J. de Camargo



Dúvida Cruel
José Vicente J. de Camargo


A história a seguir é verídica e se passou comigo quando fiz um doutoramento na Alemanha entre as décadas de 1970 e 80.
Naquele tempo não existia internet nem celulares, o que tornava os acontecimentos mais interessantes, mais pessoais com a troca de informações entre pessoas e países quase que exclusivamente por via postal:

Era uma tarde de domingo, final de outono, friozinho gostoso, enrolado numa manta de lã, jazia eu sonolento no sofá a mirar televisão, quando toca a campainha de meu apartamento de quarto e cozinha situado em pleno centro universitário, repleto de repúblicas de estudantes e barzinhos típicos aonde as noitadas iam  até altas horas regadas a cerveja e tira-gostos.

Solteiro, em pena forma, torci para que não fosse nenhuma amiga, ou amigo querendo me arrastar para mais uma ronda noturna.

Qual minha surpresa quando deparo na soleira da porta um senhor beirando os sessenta anos me cumprimentando e perguntando se eu era o “Herr Camargo”.

Mediante minha resposta afirmativa, pede desculpas pelo  incomodo mas, como fora informado da minha nacionalidade brasileira, pede minha ajuda para a tradução de uma carta muito importante para ele, que recebera há poucos dias do Brasil.

O fiz entrar, apresentou-se como Hans, e me explica que morou  por sete meses no Recife trabalhando como técnico de uma empresa alemã na instalação de uma fábrica de cimento. Lá passara, como definiu, os melhores dias de sua vida.

Conhecera uma mulata muito bonita e dengosa moradora em uma favela e quanto mais a descrevia, mais eu visualizava a mulata  cheia de trejeitos e sensualidade que ascende o mais morto dos corações, confirmando o que já havia escutado de outros alemães que estiveram no Brasil como turistas ou a trabalho.

Ao iniciar a tradução da carta, paro surpreso, engulo em seco:

No cabeçalho, em grafia retorcida do primeiro grau, a expressão:
“Meu Docinho de Coco!”

Penso comigo: -“Como traduzir essa expressão para um alemão de meia idade, formal e introvertido? Além do mais, os alemães não estão acostumados a docinhos açucarados e poucos já viram um coco na vida.”

Mas mediante a expectativa crescente do Hans pelo conteúdo da carta, traduzo a expressão ao pé da letra.

Ele sorri e dá um suspiro profundo como se tirasse da alma a saudades retida.

Em seguida a remetente, que ele disse chamar-se Dorinha, lhe escreve da falta que dele tem, dos cafunés na rede ao cair da tarde, dos banhos de mar nas praias quentes, das comidas preparadas com carinho a seu gosto, da malvada pinga que ele tanto apreciou, das noitadas abraçadas...

Hans, a esta altura já está totalmente entregue, despido de toda disciplina e pragmatismo germânicos, levado pelas ondas da paixão às longínquas paisagens nordestinas.

Me mira, pede mais, eu continuo:

— “Quero lhe preparar um cantinho mais acolhedor, assim não precisa ficar em hotel da próxima vez que vier. Para tanto preciso comprar uma geladeira, um fogão, uma televisão, pintar o quartinho, consertar o telhado...Creio que uns dez mil cruzeiros sejam suficientes...

— Que doçura, não me esqueceu! Me diz ele e, com afoito juvenil, me pede no termino da tradução, de responder, de retribuir os beijos, os abraços e as saudades e que mande os dados da conta bancaria para que ele lhe envie o dinheiro.

E, como procurasse uma desculpa pelos seus deslizes cometidos nos melhores dias de sua vida, continua sua narrativa:

— Não vivi minha juventude, não conheci os prazeres da mesma. Ainda adolescente entrei para o partido nazista, onde a disciplina era muito rígida, o contato entre os sexos era raro, assim como as festas e horas de lazer.

Com dezenove anos fui como soldado enviado para o norte da África sob o comando do general von Rommel. Ao voltar a Alemanha no final da guerra, tudo estava destruído. Por falta de opções, casei-me com a primeira moça que conheci, com a qual sou casado até hoje com dois filhos adultos.

Mirando-me, como já me conhecesse de longa data, talvez por ver em mim vestígios pátrios de sua querida Dorinha, me indaga em tom de confissão:
— Estou com uma grande dúvida! Não sei se a trago para a Alemanha ou se largo tudo aqui e vou viver com ela no Brasil. Mas será que ela se adaptaria por aqui, com os costumes, o frio, o idioma? Continuaria a sentir o mesmo afago, o mesmo carinho por mim?

Se eu voltar, perderei meu emprego e minha aposentadoria que terei direito daqui a cinco anos. Se esperar esse tempo para voltar, ela com certeza já estará com outro, pois é muito dada, tem muitos amigos.

— O que você acha, já que conhece ambos países?

Neste momento senti o peso do opinar, de dar um palpite que poderia influenciar o destino de dois seres humanos, principalmente o de Hans, que visivelmente titubeava com a mais importante decisão de sua vida. Conhecia casos parecidos de brasileiras de origem humilde, de cor, casadas com alemães que não se ambientaram e após algum tempo se separaram e retornaram. Em algumas era evidente o interesse financeiro, em outras as dificuldades e principalmente a saudades foram decisivas.

Mas preferi não mencionar esses fatos para não lhe influenciar e depois cada caso é um caso. Disse-lhe que a decisão era muito pessoal, um duelo entre o amor e a razão e, neste caso, só ele tinha condições de decidir já que se tratava do seu próprio destino.

Ele compreendeu meu posicionamento, me convidou para almoçar em sua casa, o que fiz, quando tive então a oportunidade de conhecer sua família, muito simpática e de sentir ainda mais, o drama de Hans na sua escolha decisiva.

Ao nos despedirmos me confidenciou que enviara o dinheiro a Dorinha e que me procuraria em caso de uma resposta.

Concordei e lhe desejei boa sorte.

Dois meses depois terminei meu doutorado e mudei de cidade, sem receber mais noticias de Hans. Também, por uma questão de conforto e talvez medo de ser confrontado uma vez mais com a vital  decisão, não o procurei.

Mas, desde então, toda vez que me lambuzo com um docinho de coco, me vem a lembrança o dilema de Hans:

-Será que estará saboreando seu docinho todo dia, embalado numa rede de cafunés ou guarda no paladar o sabor doce e distante de uma paixão inesquecível?


Seja qual for o destino que escolheu, o importante é que ele não passou pela vida em brancas nuvens, sentiu a fundo o fogo da paixão...

PARA FECHAR O SEMESTRE: EXCELENTES TEXTOS NA ÚLTIMA AULA!!!





Ontem - 24 de junho 2014 - foi nossa última aula deste semestre. Para o semestre que vem, muito trabalho e a publicação de nosso livro 2014.

Ontem tivemos o aniversário da Fernanda Torres, e além disso fomos agraciados com os belos textos de: 


Mario Augusto Machado Pinto


Mario Augusto Machado Pinto onde ele nos contou a história O Colecionador. Relata sobre o neto que junto com o avô remexem  fotos antigas quando avô era mergulhador e em uma de suas pesquisas oceanográficas, assiste ao doloroso ataque do tubarão sobre sua colega Paula. Texto com vigora  boa descrição, e intensa narrativa. Parabéns Mário!


Oswaldo Romano



Depois fomos agraciados pelo conto do Oswaldo Romano, que relatou sobre o Turista na Copa, um torcedor espanhol que sonha intensamente em vir ao Brasil assistir aos jogos da Copa do Mundo, queria ver a Espanha sangrar os adversários nas arenas brasileiras, tal qual se sangram os touros nas arenas espanholas. Aqui, ao ver sua seleção massacrada por 5 gols do adversário, enrola sua camisa e sofre a decepção de todo perdedor. Uma história bem contada e que prendeu nossa atenção do começo ao fim! Parabéns Romano!


José Vicente J. de Camargo


Depois foi a vez de conhecer A dúvida Cruel texto criado por José Vicente J. Camargo. Ele nos contou a história do alemão Hans que lhe pedira uma tradução de carta brasileira. A carta teria sido enviada por Dorinha que o chama na missiva de "meu docinho de coco". Uma mulher dengosa que lhe pede dinheiro para reformar um quartinho existente em sua casa, assim poderia hospedá-lo em sua próxima vinda ao Brasil. Cheia de charme, Dorinha cativa o alemão,  e de adulo em adulo, pede mais e mais. Com uma leitura contagiante, José Vicente nos fez ter pena do alemão, em primeira instância. Mas, depois já torcíamos para que ele largasse sua esposa e viesse viver no Brasil um amor novo com a baianinha.
Excelente texto Vicente!

Todos estes textos podem ser lidos aqui neste blog.

Amigo da onça - Luisa Helena R. Alves



Amigo da onça
Luisa Helena R. Alves

        Ele era “bico doce” como se diz de alguém que sabe convencer os outros com sua lábia.

        Ao encontrar uma amiga de infância ele declarou logo:

        - Maria, eu te amo!

        Ela levou um susto! Recém-separada, frequentava um bar onde os amigos, também separados, formavam uma turma quase de “adolescentes”. Saiam, dançavam, namoravam, sem censuras ou policiamento.

        “Em busca do tempo perdido” ela dizia, como se não tivesse vivido tudo o que gostaria.

        Seu amigo, João logo entrou na turma.

        Contava histórias engraçadas, tocava pandeiro, cantava conquistando a todos.

         Maria estava encantada!

        Finalmente achara alguém que gostava das mesmas coisas. “Alma gêmea”

        João pensou nela todos os dias até que certo dia veio com a mala e cuia para ficar...

        Tinha uma filha, mocinha que veio conhecer Maria e a chamava de “boadrastra”.

        Parece que o fim seria: e viveram felizes para sempre.

        Mas, como tinham combinado dividir as contas da casa, eis que começou a chegar avisos de falta de pagamento das contas que João ficara de pagar.

        Maria decepcionada cobrava de João.
        Vou vender o carro disse ele, um carro que na verdade, nem existia, como provava sua filha.

        Assim, de decepção em decepção, Maria conseguiu se afastar do “príncipe encantado”  que virou um “sapo” na visão dela.

        — Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe.


        E Maria, sem se acabar continua a cuidar de sua vida, pois mais vale “viver só que mal acompanhada”.

O passado esquecido - Luisa Helena R. Alves


O passado esquecido
Subtítulo: Milagre II

Luisa Helena R. Alves

        Elza, como boa enfermeira, maternal e solícita, continuou ajudando Pedro, depois que ele sofreu um acidente.

        Perdido de sua memória passada, colocou em Elza toda a sua vida presente. Ela era para ele sua irmã, sua mãe e sua amiga inseparável.

        Mas, Elza  tinha dois filhos e um marido para cuidar, foi ficando cada vez mais preocupada com seu dia de 24 horas, que precisaria ser de 48 horas. Pensou muito e resolveu mandar pelo facebook um retrato do seu amigo,  procurando quem o conhecesse.

        Alguns dias depois recebeu uma mensagem de uma pessoa do interior da Bahia falando que conhecia uma família procurando por um homem que tinha vindo para São Paulo atrás  de emprego, e nunca mais dera noticias.

        Elza feliz e esperançosa achou o endereço da mulher de Pedro e pediu para que ela viesse com suas duas filhas.

        Pedro ficou ansioso com medo de não se recordar, mas alegre por pensar que não era só no mundo.

        Luzia chegou, e ele permaneceu olhando para ela por longo tempo até que, com os olhos marejados, abraçou-a e pode perceber o perfume que ela usava o que lhe trouxe  sensação de algo conhecido. E o perfume da mulher amada lhe devolve recordações do passado.

        As meninas também, com aquele cheirinho de criança após o banho, cada vez mais traziam de volta seu passado.

        Isso porque um jovem médico havia feito uma pesquisa, comprovando que a memória se reaviva quando ativada por sensações conhecidas através do olfato.

        Um verdadeiro milagre da ciência moderna e da sensibilidade de pessoas como sua amiga Elza capaz de uma generosidade incomum.

        Pedro hoje vive feliz com as “mulheres de sua vida” não se esquecendo daquela que foi a promotora de tudo...

        Resolveu trabalhar no interior mesmo, pois como sempre soubera consertar coisas de sua casa,  agora iria trabalhar consertando a casa dos outros.

        — Solidão, diz ele, só por opção como os monges que se dedicam às orações para ajudarem o planeta.

        Cada um com seu ofício, e encontrando o sentido de suas vidas.


Mentira recorrente - Luisa Helena R. Alves

 

Mentira recorrente
Luisa Helena R. Alves


        A rainha Anne levantou naquele dia com muito mau humor!

        Todos os dias ter que ler textos seríssimos sobre as contas do reino!

        O que gastaram com contas e despesas do reinado...

        Já estava cansada...

        Assinava mil papéis e o povo continuava insatisfeito com a falta de dinheiro para a saúde e a educação...

        Será que não perceberam o quanto ela estava desgastada e cansada!

        Teve uma ideia:

        — Vou instituir um dia para quem inventar alguma que espante seu mau humor ganhará. O ganhador levará uma caixa cheia de moedas de ouro.

        Os ministros estranharam todo aquele reboliço, mas como era uma ordem rainha, não ousaram discordar.

        E assim se fez.

        Os empregados saíram a espalhar cartazes por todo reino.

        Veio gente vestida de palhaço, acrobatas, engolidores de fogo, a mulher barbada e nada da rainha achar graça...

        De repente, entrou pela porta do palácio um nenê que mal sabia andar, arrastado na coleira por um gato enorme que ele queria que andasse como se fosse um cachorro.

        A rainha ao ver aquela cena começou a rir sem parar, vendo aquela figurinha de fraldas, sendo arrastada por um gato!

        Mal conseguiu parar de rir e teve que entregar-lhe o prêmio.

        No final o premio não era uma caixa de moedas de ouro e sim moedas de chocolate, porque do seu ouro é que não tiraria nenhum centavo!


        Os ministros riram também porque nessa altura era melhor rir que chorar com as maluquices da rainha Anne.

Encontros e partidas - Luisa Helena R. Alves


Encontros e partidas
Subtítulo: Milagre 

Luisa Helena R. Alves


        Era uma casa igual a tantas próximas: de madeira, com telhado de sapé. O dinheiro que João ganhava como lavrador não dava para fazer melhor.

        Maria, sua mulher, lavava, passava e cozinhava. E nas horas vagas, ajudava João, na roça.

        Colhiam mandioca e feijão. O resto compravam na feirinha da cidade mais próxima.

        Agora as coisas estavam mais difíceis; João foi acometido por uma doença que dá muito no campo: “barriga d’água”. E sem hospital próximo faleceu,  para tristeza de toda sua família: Maria e 2 filhos de 6 e 8 anos.

        Maria foi obrigada a buscar emprego em casa de família.

        O menino Joãozinho, mais velho, ficou encarregado de olhar a casa e sua irmã de 6 anos.

        A  noite, quando Maria voltou trouxe uma cesta cheia de mantimentos, tudo o que precisava para alimentar à todos por uma semana.

        Contou que por um milagre achou um emprego na casa de uma senhora que a tratou muito bem, ouviu sua história e compadecida ficou de ajudá-la e aos seus filhos.


        Maria ficou pensando se o maior milagre era trazido a cesta de alimentos,  ou ter encontrado uma senhora tão bondosa que nos dias de hoje é tão raro, visto que cada vez mais cada um só pena em si.

O COLECIONADOR - Mario Augusto Machado Pinto

 

O COLECIONADOR
Mario Augusto Machado Pinto

Quando minha avó pergunta:

— Há tempo que Você não fala com seu avô?

Já sei que ele está triste com alguma coisa. Hoje ela perguntou, e o resultado é que estamos juntos, vendo seus álbuns de fotos submarinas do tempo em que participava da equipe pesquisadora – Da Vida Submarina – patrocinada pela ONU que pedia ênfase sobre os habitantes das muitas barreiras de coral pelos oceanos. Estão em uma impressionante coleção de 26 volumes nomeados, enumerados, com índices, além de inúmeros filmes, CDs e DVDs, revistas e  recortes de jornais que estamos colocando em ordem,.

Esta foto é de quando a pesquisa começou. Vê, é de nós quatro, a Paula, eu e os dois fotógrafos prontos para mergulhar.
Eu mergulhava e fotografava o que me interessava; era reserva dos fotógrafos; só isso. Ela eximia mergulhadora com cursos teóricos e práticos feitos no exterior tendo vários anos de vivência nos mais diferentes locais; doutora em Oceanografia pela França e Itália. Chegou a desenvolver artefatos pra mergulho que hoje são de uso universal. 

Olha! Aqui nós estamos na barreira de corais da Austrália. Este volume é só desse único mergulho. Sabe? Em dois anos em que não participei da pesquisa, Paula se apaixonou pelos golfinhos e arraias de oito metros, gigantesca (cavalgava com elas), raríssimas, mas seu gosto maior mesmo era pelos golfinhos: aceitavam sua presença, divertiam-se juntos, falava com eles, corcoveavam quando alisados por ela. Isso era feito sem dar iscas: de maneira nenhuma, falava. Era proibido.

Nesta foto está sendo rebocada segurando a barbatana desse gigante! Era assim o tempo todo. Até parecia o tocador de flauta Hamalin seguido pelos ratos só que era ela nadando seguida por verdadeiro cardume. Repara só a formação tipo esquadrilha aérea e este bichão tranquilamente ao lado com cinta fosforescente envolvendo o corpo (ela que colocou), até parece que a protege. “Falava” com ele; é muito raro de ser encontrado. Notou que o cardume é seguido por um tubarão branco que tem seis guelras em vez das cinco comuns? Esse também é raro encontrar... Sabe, depois de dois dias da nossa chegada ouvíamos o som longínquo das “vozes” das baleias dando as boas-vindas. Essas coisas sempre me impressionavam.

— Vô, quem é nesta?

— Foi tirada por um dos fotógrafos. Sou eu...    
                                  
— Esse mergulhador é a Paula?

— É. Estou mexendo os braços e berrando no interfone pra chamar a atenção dela.

— Por quê?

— Por causa do enorme tubarão nadando ali por perto..

— E aí?...

— Demorou pra ela perceber  estava sem som e sem a iluminação da lanterna da filmadora fixada no  capacete...Quando percebeu, nadou rapidamente para o lado esquerdo pra fugir dele, mas foi justamente pra onde estava o bichão, enorme, com mais de seis metros, já chegando de boca aberta. Paula perdeu o bastão elétrico, ficou indefesa; nadou o mais rápido que eu jamais vi, mas não deu tempo, não conseguiu escapar.

O menor mordeu seu braço esquerdo e a cintura e o branco com a enorme bocarra aberta indo diretamente à cabeça da Paula. Os dois puxaram-na às profundezas disputando pedaços do corpo da Paula, provocando uma sangreira enorme, sumindo no embaçado da água... Foi horrível!

Fui atrás deles, mas os dois fotógrafos me pegaram e me levaram pra cima, no barco. Fiquei num canto, largado, chorando qual criança sentindo dor...

A tripulação arpoou o tubarão branco e puxou-o à amurada do barco, cabeça enorme, duas fileiras de dentes, o beiço e o interior da bocarra ainda com o sangue da Paula, olhar de raiva na cara pela impotência em soltar-se.

— It is all yous, Sir, falou o capitão dando-me o maior facão que já tive em minhas mãos.

Se usasse o facão a morte do bicho seria rápida. Queria que sofresse; então disse ao capitão:

— Não vou matar. Pega dois arpões, amarra corda neles, atravessa o corpo dele atrás do pescoço, prende as cordas nos pontos de apoio, deixa ele afastado do barco preso com os arpões com corda. Fazemos barulho, jogamos mais sangue na água e, quando aparecerem “os convidados para o festim”, iniciamos voltas arrastando o bicho e apreciamos os “convidados” comerem pedaço a pedaço.

Assim foi feito e aconteceu. Fiquei chorando, apreciando o espetáculo até o fim.

Os fotógrafos filmaram tudo e cuidaram da documentação para obter o Atestado de Óbito. Tenho uma cópia. Está naquele envelope pardo, grande. Pode ler. Eu já volto.

Foi e enquanto, emocionado, eu lia o documento, ouvi o choro sentido e contido do Vô.


— Tchau, Vô. Tchau, Vó. A gente se fala.  Saí correndo pra minha Vó não ver minhas lágrimas...

UM ESPANHOL NA COPA DAS COPAS - Oswaldo Romano



UM ESPANHOL NA COPA DAS COPAS
Oswaldo Romano      
                                                                
        Pablo é espanhol, e como todo espanhol orgulha-se de bater no músculo do braço esquerdo e bradar: Espanhol da Espaaaaanha.
        Igualmente fanático pelo futebol, torcedor do quase endeusado Barcelona, durante o ano foi se entusiasmando com Copa do Mundo no Brasil. Armava-se para comparecer.
        — Pablo, dizia sua mãe, a imprensa fala todo dia dos assaltos, um perigo constante naquele país.
        — Mãe, faz dez anos que trabalho na arena Las Ventas. Cuido dos touros mais valentes do mundo. São valentes, mas todos morrem. Deu pra entender?
        — Nosso circo chama-se Praça dos Touros. É a verdadeira arena.    Eles querem chamar os estádios de arena. Vou lá ver se é de areia, assim é construída a verdadeira arena. Embarco dia 8 de junho, dias antes da seleção jogar.
        E assim chegou o dia e Pablo embarcou. Dia nove já estava no Brasil, em Salvador. Hospedou-se no hotel reservado pela agencia que lhe vendeu os bilhetes aéreos.
        Quis aproveitar os dias para conhecer a cidade. Caminhando pela Sete de Setembro, apreciou as lojas, mas sentia forte cheiro de amônia. Quando pelo mesmo lugar passou à noite, entendeu o porquê.
        Recomendado pelo recepcionista do hotel foi assistir a um espetáculo de danças e ficou impressionado com o grupo que apresentou o frevo. Sua estadia estava correspondendo as suas expectativas. Passou um dia no Rio onde um taxista ciceroneou, levando-o nos principais pontos turísticos.
        Ficou encantado.
        Ouvia pelos documentários esportivos as glórias da seleção espanhola, a campeã do mundo, La Fuerza Roja. Pomposo desfilava pelo hotel, orgulhoso, comentava com motoristas de taxis, nos cafés, enfim, onde lhe era oportuno. Pablo sentia-se muito feliz na terra cuja língua quase tudo entendia. Agradecia todas as noites a dádiva de ter vindo . Não tirava a camisa da sua seleção.
        Chegou o dia do jogo. Queria ver a falada arena. Apresentou-se na entrada dos turistas: Eu sou o Pablo, um espanhol autêntico. Trago o “sangue do meu sangue” e hoje finalmente venho participar de uma festa grandiosa, tão esperada, quanto a corrida do melhor touro da Espanha, o temível Islero o matador dos toureiros na arena Las Ventas,
        Pablo se ajeita na cadeira. As equipes entram em campo. Do lado direito a campeã Espanhola. Jogadores sóbrios, cientes das suas responsabilidades, iniciavam o canto do hino nacional.
        Pablo, tão difícil foi chegar até aqui que não teve dúvidas: Com toda força dos seus pulmões, aquele que gritou muitos olés, olé, olé,  acompanhava o canto, querendo sobrepujar o ensurdecedor barulho da multidão...
        Gloria, gloria, corona de la Patria,
 soberana luz
 que es oro en tu Pendón.

                                           Vida, vida, futuro de la Patria,
                                           que en tus ojos es
                                           abierto corazón.

 Púrpura y oro: bandera inmortal;
 en tus colores, juntas, carne y alma están.

      E aqui Pablo exagerou, abriu o peito...

                                            Gloria, gloria, corona de la Patria,
                                            soberana luz
                                            que es oro en tu Pendón.

        — Começou o jogo, Pablo erguendo as mãos gritava, pulava... Mas, por pouco tempo. Veio o primeiro gol do adversário, o segundo, o terceiro. Pablo tirou a camisa. Ficou com a camiseta branca, sem mangas. Veio o quarto gol, Pablo moveu-se, caminhou, mudou de lugar com a camisa da seleção enrolada embaixo do braço. Sua equipe levou o quinto gol!
        Saiu do estádio como saem os turistas da sua arena, ao ver a sangria, a espada na nuca do exausto boi. Estes também não querem assistir o tombo e a morte do touro.


TAUTOLOGIA - PLEONASMOS





A palavra tautologia tem origens no idioma grego. Tautó (o mesmo) mais logos  (assunto), ou seja, a tautologia ocorre quando a mesma coisa é falada com utilização de diferentes termos. O assunto está presente em diversos campos de estudo: na filosofia e até mesmo na lógica. Porém, as dúvidas mais frequentes sobre o tema são relacionadas à linguagem. A tautologia, também conhecida como pleonasmo ou redundância é um vício frequente. Os exemplos mais utilizados para exemplificar sua ocorrência são:

Subiu para cima.
Desceu para baixo.

Neste caso, a omissão das palavras "para baixo" ou “para cima” não altera o significado. O termo redundante é desnecessário.

Normalmente, esses erros são cometidos em conversas informais. Porém, o maior problema é quando ele é percebido em atividades profissionais ou em emails, mensagens e cartas formais. Estudando e lendo algumas expressões, é possível evitar a tautologia em nosso cotidiano.

Por isso, seguem alguns exemplos:

- há anos atrás / vereador da cidade
- elo de ligação / acabamento final
- expressamente proibido / em duas metades iguais
- sintomas indicativos / certeza absoluta
- quantia exata / nos dias 8, 9 e 10, inclusive
- juntamente com / abertura inaugural
- continua a permanecer / a última versão definitiva
- possivelmente poderá ocorrer / comparecer em pessoa
- gritar bem alto / propriedade característica
- demasiadamente excessivo / a seu critério pessoal

Além de sua ocorrência na linguagem, a tautologia está presente no campo filosófico quando tratamos da argumentação. Percebe-se a incidência do fenômeno quando o argumento se explica por ele próprio de forma redundante ou falaciosa, isso ocorre em diversos ditos populares.

Bons exemplos são:

"o mar é azul porque reflete a cor do céu e o céu é azul por causa do mar"
"tudo o que é demais sobra"
“uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”

Outra forma de ocorrência é quando certa frase apresenta um sistema tautológico. Essa incidência dá-se quando o a ideia não apresenta uma saída em sua lógica. Por exemplo, um anúncio de emprego exige que um trabalhador possua curso universitário para ser admitido. Porém, a pessoa precisa ter um emprego para se tornar assalariado e pagar as despesas da universidade, seja público ou privada. Ou então, é exigido de um trabalhador que ele tenha experiência anterior, mas este precisa do primeiro emprego para conseguir experiência.


origem: site escola

O CINEMA - Luisa Helena R. Alves


O CINEMA
Luisa Helena R. Alves

        Ah! O cinema!

        Quando entramos no cinema, aquela caixa preta, é uma viagem...

        Nossa imaginação já fantasia o que está por vir! É sempre uma surpresa, com gostinho de primeira vez.

        Apagam-se as luzes, começam os títulos e a música...

        Cecília não gosta de filmes de grandes emoções ou aventuras; seu coração romântico pede para ser alimentado por histórias calmas, mas apaixonantes, que vão nos pegando devagarzinho, quase com as mãos de seda e vão nos envolvendo em sua teia, até nos fazer prisioneiros de uma emoção profunda.
        Cecília toma seu trem, depois seu ônibus, todos os sábados para ir ao cinema, na Paulista.

        Guarda seu dinheirinho, quase como quem guarda o dízimo da Igreja, para aquele culto sabático. É o seu dia!

        Durante a semana, cuida das crianças da patroa: dá comida, dá banho, penteia seus cabelos, manda-os para a escola, separa suas brigas e assoa seus narizinhos que escorrem quando gripados. Ela os ama quase como se fossem seus.

        Sábado é seu dia de folga: põe sua melhor roupa, seus brincos e seu perfume que ganhou no Natal.

        Desde pequenina apreciava com olhos vidrados as propagandas dos filmes, com aqueles atores tão lindos. Mas, na época, sua mãe não podia lhe dar o dinheiro do cinema, tinha seis filhos para cuidar...

        Hoje ela entrou no cinema e estava passando um filme do Wood Allen cuja protagonista chamava-se Cecília e, como ela, era amante de cinema. Certa hora, o fantástico entra em ação e Cecilia, a nossa Cecilia, entra na tela e participa do filme e vive um doce romance com o mocinho.

        Foi a gloria para a moça! Ela voltou para casa embalada pelos sons e figuras do filme e pensa:

        - Até que, afinal, a vida não é tão ruim.

        E um sorriso lhe apareceu no canto da boca,  e um suspiro de alívio no peito.