O EMPRESÁRIO DOS GUARDANAPOS - Oswaldo Romano


O EMPRESÁRIO DOS GUARDANAPOS 

Oswaldo Romano            

         A dedicação ao trabalho levava Oswaldo Maluy a perder- se das horas no final do dia, sem alterar seu hábito de se levantar diariamente, às 6 da manhã. Tomava seu banho, fazia a barba, saboreava o café e se apresentava na fábrica bem trajado, em condições de receber um vendedor ou diretor de empresa sem correr o risco de sentir-se impróprio com sua aparência.

         Sua vida de empresário começou com uma pequena fábrica de guardanapos e copos de papel, estes revestidos com uma película de cera, descartáveis, um artesanato. Os primeiros guardanapos não absorviam e eram muito ásperos. Só conseguia vende-los nas periferias. No princípio era ele quem abria novos compradores e fazia as visitas mensais aos seus fregueses. Tirando os clientes da pinga, que reclamavam derreter a cera, os outros davam preferência do seu produto nos bares ao invés dos de vidro mal lavados e embaçados, sempre cheirando a ovo.

         No Brasil, fechado para o mundo desenvolvido, seu papel mal servia para uso nos sanitários. Mas era o que tinha, insistia. Sabia da existência de produto muito melhor na Europa.

         Maluy vivia a segunda geração de emigrantes libaneses. Bem posicionado socialmente, frequentou boas instituições de ensino, insistiu em se tornar na vida um respeitável empresário. Nosso amigo dos fins de semana no Guarujá primava por manter essa aproximação. Corria atrás do sucesso, fazia-se orgulhar de suas iniciativas, como o apoio dado a seu filho para construir a concorrida Pizzaria Cristal, de São Paulo.

         Seu carro, um Mercedes, comprado de embaixada, era a inseparável condução do seu dia a dia. Não se sentia confortável tendo uma vida de luxo, enquanto sua fabrica apresentava um produto de terceira, criticado pelos conhecedores.

          Como era de se esperar, resolveu fazer uma viagem de pesquisa no velho mundo.

         Lá, encheu uma mala de amostras de todos os tipos de guardanapos que encontrou. Visitou fábricas, consulados, e me contou que, com a maior cara de pau entrava nos finos restaurante, era recebido com aquele largo sorriso de quem esperava faturar, mas o que pedia, deixando o metre surpreso, eram os guardanapos.

Quando alguém se dedica no trabalho com afinco e garra, vence. Os acomodados menosprezam o talento, rotulando o vencedor ter nascido virado pra lua. Inveja.
No retorno assustou o fiscal da alfandega que ao abrir uma de suas malas, voou guardanapos de papel por todo chão da alfandega.

         Uma noite, deixando sua empresa por volta das 20 horas, como fazia normalmente, distanciava-se umas três quadras da fábrica quando passou por ele uma acabada perua, ocupada por suspeitos, ziguezagueando, quase perdendo a direção, o que provocou palavras ásperas entre ambos, mal ouvidas. Felizmente se foram.
Adiante virou à direita, uma rua secundária, sua rota diária, e aconteceu o inesperado. Lá estava a perua fechando a rua. Pego de surpresa foi abordado e recebeu violentas bordoadas, inclusive na cabeça.

Seu mundo apagou. Na sua casa, todos sem noticias, um desespero.

         Distante dali foi desovado pelos bandidos. Quando acordou, tudo muito escuro, um silêncio de morte, viu-se abandonado no meio de um mato que lhe cobria. Desmemoriado, ignorava sua personalidade. Estava nu, não totalmente, sobraram-lhe as meias.

         Chorava por força da retração nervosa. Longe, distante, viu uma luz e nada mais nas imediações.

Ao natural, incomodado pelo mato e picadas, tomou aquela direção. Era uma casa e chegou até a porta. Começo da madrugada, um cachorro muito sujo latindo o encarava.

         Não sabia o que fazia ali.

         Sem passado que pudesse ser lembrado, ignorando o mundo, via-se num espaço vazio. Os latidos acordou a dona da casa, uma italiana que foi ver o que acontecia. Abrindo o visor da porta, deu de cara com o homem muito branco e sem camisa. Levou um susto.  Pareceu-lhe abobado. Deixou-a trêmula. Correu, chamou o marido: Angelo... Angelo! Este acordou assustado, foi à porta, munido de um cacete.

         — Cosa vuole aqui a estas horas? Parle uomo. Parle. (O que quer aqui... fale homem, fale).

         — Não sei, estou aqui, chupei uma manga ali...

Tá bene, tá bene, adesso vadovia...vadovia... (agora vá embora, vá embora)

         Com aquela aparência, mais parecia ser um acidentado, e com o barulho do cachorro estava difícil se entenderem. O homem sem camisa e com uma mancha de sangue na têmpora sentia frio. Angelo tomou coragem, pensando num socorro, resolveu abrir a porta. Ao ver o homem nu, a mulher desatou aos gritos:

         — Mama mia! Diu mio!

         — Má que sucede, que cosa é esta! Lê é o próprio mentecapto! (O que acontece, você é um próprio louco) — exclamou Angelo perplexo.

         Mais assustado estava o Maluy. — Não sei, não sei.

         Realmente estava desmemoriado, patso, como disse o italiano.

         A dona correu, tirou a toalha da mesa, e fez o homem cobrir-se.

         — Como é su nome?
         — Nome? Não sei. Estou falando...
         — O sinhore tem algum documento?
         — Não sei, tenho as meias.
         — Como andato qüi? (como veio aqui?).
         — Sim, daquele mato.
         — Bizonha fare um esforço, o senhore deve ter um teléfono,... Una família, procure ricordar su nome. (precisa fazer um esforço, deve ter um telefone, procure recordar seu nome).
         — Mercedes... Mercedes...
         — Su muéi se chama Mercedes? — Interveio a dona.
— Estou aqui, né? Dói minha cabeça.
— Varda, miu nome é Anna, miu marido é o Angelo e o seu è...? (veja, meu nome é Ana, meu marido Angelo, e o seu é?).
Estendendo a mão ele disse:
— Muito prazer.
         — Si, piageri, má su nome, como se chama?
Assim foi o resto daquela fria noite. Maluy incomodado se coçava todo.
         — Lê está no Sítio Nápolis, disse Angelo. Acerca de São Lourenço.
È. Sítio Nápolis- reafirmou o Angelo.
         — Itália! Perguntou Maluy admirado.
         — Nó Brasile, perto de São Paulo.
Sentaram-se. Correu muita conversa, até de manhã.
                  — Basta Anna, vamo sortire café e pane, dopo iu vô a cittá, na policía - lê está próprio patsso. (vamos dar o café, depois vou à polícia).
         Anna apoiando uma pesada broa no peito cortou várias fatias colocando num cestinho de bambu.
         — Bom! -disse o Maluy comendo.
         — Tá bene, manja, manja. Éco Anna! Manjare ele si ricorda súbito eh! (De comer ele se lembra logo.).
         — Bom... Bom...  –dizia, e tomava café.
— Vedere Angelo, quanti fame, si lambuza tutti. (Quanta fome se lambuza todo).
— É vero, é vero.
Anna então se levantou, abriu a porta do armário, pegou uns guardanapos e outro copo de papel e lhe deu. Maluy abriu o primeiro, olhou de um lado, olhou do outro e gritou:
— Meu Deus! Diu miu! Levantou as mãos, SALTOU DA CADEIRA.
         — Óh Deus! Sono iu! Sou eu, aqui, aqui, sou eu!
         Angelo e Anna achegando-se debruçaram sobre o que ele tão eufórico mostrava.
         — Má qui vedere? Una estampa... está propio patso. ( O que vê? Um selo…)
         — É verdade! Um milagre! Vejo tutti alora! (Um milagre! Lembro, lembro de tudo.).

Maluy reconheceu no guardanapo o logotipo estampado da sua fábrica!
-GUARDANAPOS INAJÁ-



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