A
MISSÃO DE AZAKA
Carlos Cedano
Encontrei pela primeira vez Azaka numa praia próxima à
cidade de Chitré. Mulato alto e muito bonito, filho de engenheiro francês e mãe
haitiana que era líder, com o nome de Manbo Nubia, de um terreiro em Port au
Prince. A mãe enviuvou e messes depois se-casou novamente com outro francês. O
padrasto gostou muito de seu enteado e logo percebeu que tinha inteligência
acima da media embora só falasse o Creole.
Com paciência e carinho seu novo pai lhe ensinou francês e ele o aprendeu rapidamente.
Quando a mãe faleceu já tinha 21 anos e pouco depois,
seu pai recebeu convite para trabalhar como encarregado da manutenção numa
fábrica de motores no Panamá, que aceitou rapidamente. Partiram em duas semanas
e se instalaram na cidade de Chitré situada na costa do Golfo de Panamá. O
rapaz se Integrou rapidamente ao convívio social e ficou bem conhecido e
estimado pelos habitantes além da admiração das mulheres.
Foi nessa época que nosso personagem começou a catar
pedras no leito das praias que visitava e fabricar amuletos. Apaixonou-se por
essas duas atividades.
Um dia seu pai o chamou e lhe disse:
— Meu
filho, teu pai já não tem muito tempo de vida, estou velho e doente, meu maior desejo
é morrer na minha terra natal que não vejo há mais de quarenta anos.
Azaka o consolou e abraçando-o com ternura dize-lhe:
— Meu pai
querido, somente imaginar nossa separação me deixa muito triste, ficar longe de
você que me amou e me educou com tanto carinho será uma perda muito dura, a
pesar de minha dor vou realizar teu desejo plenamente que agora é o que
verdadeiramente importa. Amo você muito meu pai.
Algumas semanas depois o pai partiu, seu filho o levou
até a Cidade de Panamá onde numa tarde escura e chuvosa podiam-se ver duas pessoas
que na beira do cais se abraçavam, chorando intensamente.
Passaram-se outros cinco anos após a partida do pai e
foi no final desse período que conheci Azaka na praia de modo casual, foi um
encontro espontâneo daqueles que auguram uma sólida e duradoura amizade. Ele tinha acabado de chegar duma longa viagem
de quase três anos pela América Andina e tinha muitas coisas pra contar.
Após de semanas de muitas conversas e relato recíproco
de nossas historias de vida e aventuras, meu anfitrião disse:
— João
Francisco: Posso mostrar- lhe minhas coleções de pedras e amuletos que venho montando
já há quase vinte anos? Acho que você gostará. Está bem amanhã após o café da
manhã?
— Sim,
respondi, até amanhã então.
No dia seguinte cedo meu amigo estava no meu pequeno
motel, me cumprimentou e logo fomos andando para conhecer suas coleções.
A sensação mais forte que tive ao adentrar na sala, foi
a de estar penetrando num mundo desconhecido e excitante. De um lado pedras exóticas
em diferentes formatos, algumas delas já trabalhadas o ressaltavam sua beleza
natural.
Do outro lado viam-se mais de duas centenas de
amuletos, em parte fabricadas pelo próprio Azaka e na grande maioria trazidas
dos diferentes países da América Latina que tinha visitado. Os amuletos eram
representações de deuses e símbolos que povoam o mundo mágico dos xamas andinos
e do Vodu haitiano e que se confundiam numa estranha simbiose de formas e
significados estranhos e misteriosos.
Vendo minha surpresa e excitação meu amigo me disse:
— Senta
João Francisco, quero contar-lhe algo sobre mim que muito poucas pessoas sabem.
Minha mãe foi sacerdotisa num terreiro de Vodu em Haiti, com ela aprendi os
ritos e invocações aos deuses, aprendi também a distinguir quando um terreiro
de fato deseja ajudar ou simplesmente deseja aproveitar-se de seus fieis.
Percebendo o avanço das seitas que usurpava e
deturpava o autêntico Vodu, ela me preparou com a missão de, onde quer que eu estive-se,
lutar pela pureza e preservação do verdadeiro Vodu. Ela me ordenou Manbo Sana
com poderes para abrir terreiros e iniciar futuros fieis. A loja que estou
montando faz parte dessa missão.
— Então, para
quando o terreiro? Perguntou João
Francisco com o pragmatismo que o caracterizava.
— Vai
demorar um pouco, primeiro preciso ampliar minhas coleções para obter recursos
e ampliar e decorar a loja, isso permitirá aproveitar melhor o fluxo de
turistas. Disse Azaka.
Os meses seguintes foram de um frenesi de trabalho
para aumentar as coleções de pedras e de amuletos. Por sorte Manbo Sana possuía
algumas peças de sua coleção particular que eventualmente poderia vender por
bom preço caso falta-se o dinheiro.
Possuía um conjunto de pedras antigas gravadas com
símbolos da Cultura Nazca, também tinha um conjunto de sete conchas iguais, porém
cada uma de cor diferente e de brilhos muito intensos, ele as apelidou de “Reflexos
do Arco Iris no Fundo do Mar”. Também fabricou, seguindo a simbologia do Vodu,
uma grande quantidade de amuletos e imagens.
— Preciso
agradecer tua grande ajuda João Francisco, sem ela provavelmente não
conseguiria “dar conta do recado” Falou Azaka.
— Para
mim foi um período de grandes descobertas pessoais; no meio da intensidade do
trabalho, me vinham repostas para minhas velhas indagações. Foi uma rica
experiência de crescimento interno. Falou João Francisco.
Chegaram as férias, os turistas também e em bom número
que permitiu ofertar trabalho para os moradores da cidade. Venderam quase tudo
e no fim das férias, Azaka tinha recursos para selecionar pelo menos, três
rapazes e inicia-los na doutrina, ritos e cantos do Vodu. Em quanto isso, João
Francisco preparava sua volta ao Brasil, primeiro iria a São Paulo e depois
pegaria outro avião para Curitiba onde acabaria sua viagem.
Chegando ao aeroporto se acentuava em João Francisco a
sensação de que ainda voltaria para Chitré, não sabia quando, mais sabia que
voltaria. Chegando ao portão de embarque na companhia de Azaka, se abraçaram e
este lhe disse: Eu também tenho certeza de que você voltará. Adeus meu grande amigo.
— Adeus meu
amigo respondeu João Francisco com surpresa e depois com um leve sorriso.
Para bons entendedores poucas palavras!
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