O
Colecionador
Vera Lambiasi
Julinho morava na curva da Estrada
dos Monjolos.
Acentuada, com um despenhadeiro à
esquerda, provocava derrapagens. Alguns acidentes graves, outros, só perda de
peças.
Aí, divertia-se o menino, a juntar
calotas.
De pais agricultores, gente simples,
nem carro tinham. Ajeitavam-se com cavalos e carroças. Com tanta lama na roça,
um automóvel passaria mais tempo atolado do que andando, desculpava-se Seu
Nestor, o pai da família.
Julinho recolhia os círculos
brilhantes, perdidos pelo caminho, e pendurava na parede do celeiro. Ali
começava seu sonho de rodar o mundo.
Admirava-se nas abauladas de Fuscas,
divertia-se com a cara nariguda refletida. As de Galaxie o deixavam mais
esbelto. E uma única espelhada, de Porsche, fazia sua mente acelerar,
imaginando-se no próprio esportivo.
Garoto trabalhador, ajudava a
família, de sol a sol, na lida do campo.
Respeitava os costumes da Vila Aguada,
namorava uma vizinha, mas, sozinho, viajava em suas calotas. Mariazinha nem
sequer entendia seus devaneios com aqueles discos.
Julinho gostava tanto de carros, que
começou a ajudar na borracharia do posto de gasolina da rodovia, um pouco mais
longe do sítio onde moravam. Fazia bicos, favores, atendia aos acidentados da
curva. Não havia mais folga nos finais de semana, e foi juntando seu
dinheirinho.
Com o tempo, as calotas já eram de
plástico, foscas, não refletiam mais o rapazinho inocente. Júlio tornara-se o
dono da loja de autopeças da cidade. Tinha seu automóvel 4X4, para as visitas
aos pais no embarreado bairro, onde negavam-se a deixar. Lá, conservava as
primeiras calotas colecionadas no velho celeiro. E Mariazinha, moradora da
chácara ao lado.
Dividido entre os dois mundos,
queria o melhor de cada um. Ansiava por Maria, ver seu pai bem de vida, a firma
prosperar, montar casa, conhecer o mundo.
E devagar, foi cumprindo suas metas.
Pediu a amada em casamento, arrumou
a estrada de chão, reformou a casa do sítio, fez lá a festa.
Comprou a casa do sogro, fez um
puxadinho, ficaram naquelas bandas, entre os parentes.
A loja virou sede, de uma porção de
filiais, pela redondeza.
E finalmente começaram a turistar
por países estrangeiros.
Sua paixão, a Alemanha. E seus Porsches
antigos, de calotas reluzentes.
Até conseguir comprar o seu, e
colocar a peça que faltava.
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