RETIDÃO E CONSTRANGIMENTO
Mario
Tibiriçá
Tenho um velho tio, irmão de minha
mãe, Luciano, a quem chamamos de Lula,
possuidor de um humor ranzinza, que nos
seus oitenta e tantos anos, pode lhe
parecer razoável mas que para
nós sobrinhos e mesmo para terceiros é absolutamente insuportável. Solteirão,
nunca quis casar, apegado a crendices
populares, sempre foi irascível mas jamais deixou de trabalhar, seja em
contabilidade, ou em qualquer outra
atividade, sempre demonstrando um caráter firme, honestidade a toda prova e responsabilidade. Funcionário, depois
gerente, depois diretor durante mais
de cinquenta anos, do Complexo Industrial Comercial, Assunção Produtos Especiais Ltda, transformou a Empresa
em sua família.
Eis que, para surpresa de muitos e
tristeza de alguns, a diretoria do Complexo, já toda envelhecida também resolveu encerrar suas atividades, vendendo a fábrica, equipamentos e “know how” para
terceiros.
Tio Lula perdeu o local para onde ia todos os dias e
algumas noites, seja o escritório central, porém nesses dias
terríveis foi agraciado com um diploma de “honra ao mérito” e
com a alegria de ser contemplado,
com um apartamento para seu uso exclusivo.
Ora, Tio Lula jamais fôra homem dado a
decorações mobiliárias e coisas, assim
estava apenas preocupado com seu bem estar e principalmente com seu
descanso.
Com o fechamento da Empresa, perderam os sobrinhos, o contato com o
velho tio, reatado há algumas semanas pelo recebimento através do correio, de um pequena carta, que trouxe
junto, uma foto colorida na qual se pode perceber nitidamente o caráter, o
gênio, e a tristeza do velho senhor. Os tons claros de alguns dos móveis, demonstram
a esperança de dias alegres e contrastam com os pesados e escuros
acolchoados cabendo notar os móveis também escuros,
colocados desordenadamente no possível
espaço, com mesas redondas e de
trabalho, distribuídas sem método e sem ordem, tal
como a cama atropelando o sofá .
Diríamos que a rigidez do temperamento dele, espelha tal desordem, porque no seu
pensamento a preocupação com ordem
harmoniosa de móveis é nula.
Na carta
que mandou , tio Lula relata seu terrível desapontamento e tristeza, pelo
constrangimento que passou, quando quis oferecer ao ex-presidente da empresa e outro diretor
seu ex-companheiro, com respectivas
esposas, um coquetel de agradecimento e comemoração pelo bom êxito da venda da empresa.
— Teu bom gosto azeda a bebida e estraga os salgadinhos - disse Ferraz o
ex-presidente sorrindo - muito obrigado, mas fica para outra oportunidade.
— Não te metas
em experiências desconhecidas, pois o local não prenuncia alegrias, muito obrigado - disse o outro.
Talvez tal experiência tenha realmente
abalado o velho tio Lula na oportunidade, visto seu temperamento fechado,
austero e rígido.
Ontem recebemos um telegrama informando seu falecimento.
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