PEQUENO ESPAÇO NO TEMPO
UM COMEÇO – O INÍCIO DE UMA VIDA
Oswaldo
Romano
O
EMBORNAL
Nasci em 4 de abril de 1928, e registrei numa
autobiografia os principais fatos desde então, mas o que conto, conforme agendado,
é um momento de 1935, quando fui matriculado no pré-primário. Minha apreensão
foi a mesma que todo menino sente nos dias que antecedem à primeira aula.
Acompanhava atento o preparativo feito com muito carinho pela minha mãe. Seu nome
era Hermínia, mas todos a chamavam de Nena. Nascida e criada na colônia da
fazenda, não lhe ensinaram ler ou escrever, e sim o uso da enxada. Casou-se,
evoluíram, e ela se tornou uma senhora na cidade, e a melhor mãe do mundo.
— Tenho que costurar o embornal para você, disse
ela. Já comprei o brim amarelo-cáqui, cor da fruta. Vai ter o tiracolo, e todas
as suas coisas vão caber nele.
— Mãe, o que é tiracolo?
— Graças a Deus! Pra saber tudo filho, é que você
vai indo à escola.
Iria começar a aprender o
bê-á-bá. Na noite precedente fui pra cama cedo, mas como era de se esperar, não
conseguia dormir. Sei lá a que hora, pensando na falada e temida dona Isaura, a
professora, adormeci. Acordei com o chamado de minha mãe:
— Wado... Tá na hora, seu
primeiro diiia!
Eu estava ensopado! Não era suor. Sonhei que
escondido, nadava na cachoeira, lá perto da estação da minha pequena cidade
natal, Mineiros do Tietê*. A água
estava quentinha, quentinha. E o colchão molhado, molhado!
Como era meu primeiro dia na escola, a mijada foi
perdoada. A expectativa era demais. Depois do banho, lá fui eu. Calçado
cheirando à graxa, meias brancas, calção e camisa manga curta impecavelmente
passados. Levava orgulhosamente a tiracolo meu embornal, o lanche embrulhado e
muitas recomendações. Eram tantas que nenhuma chegou até a escola. Foram todas,
não esquecidas, mas embaralhadas.
Embora menino, era moleque e atento. Aprendi a
ouvir, respeitar e a me impor. Durante o recreio fiz aproximações com outros
garotos, inclusive do bairro oposto, com quem tínhamos certas rivalidades. Foi
quando um deles, mais metido zombou:
— Que embornal feio! Amarelo enrugado, parece...
Pra quê! Não deixei terminar. Fechei a cara. Lembrei
o carinho com que a mãe o havia costurado. Levantei a cabeça aspirando, ele
olhou o que eu teria visto, aproveitei e meti-lhe uma botinada na canela. É, a
gente usava botina com as meias brancas. Logo no primeiro dia! Por sorte o vigilante
se aproximou, e eu logo disse:
— Moço esse moleque tá me batendo!
Um ano depois, entrei para o grupo escolar. Falar
sobre o primário é maçante. É aquela idade em que descobrimos que somos gente.
Julgamo-nos sabidos e já envolvidos nos problemas do dia. É a época dos namoricos cheirando a leite. Quase sempre gostamos
da mais bonita e sempre descobrimos que ela tem um namorado mais velho, e da
classe mais adiantada. Não sobrava ninguém. E a classe do ano anterior? Nem
pensar, cheiravam ainda a chupeta!
O amor e carinho são fundamentais nessa fase,
venham de onde vierem, porque nos envolvem de bons sentimentos e amoldam nossa
futura personalidade.
Nossa infância é repleta de passagens, tornando-se
impossível retrata-las em uma ou duas laudas. Todavia, contando facécias em
pensamento para nós mesmo, em um minuto, preencheríamos uma lauda do tamanho da
nossa felicidade infantil.
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