Le Destin de Soraya - Vera Lambiasi



Le Destin de Soraya
Vera Lambiasi


Soraya nasceu em família humilde no interior de São Paulo. Sua casa de madeira, chão vermelhão, sacudia com o passar do trem, em Parapuã.

Seus pais trabalhavam na plantação de café, colheita difícil, em mãos estropiadas de cortes e calos. Queriam outra vida para a menina, matriculando-a na escola da vila.

Quanto mais estudada tornava-se a garota, menos interessada nos afazeres domésticos. Panelas a arear eram substituídas por livros emprestados da biblioteca municipal.

Tanto estudo fez de Soraya professora primária. Normalista formada, mudou-se para a capital e instalou-se numa pensão para moças no Cambuci.

O serviço de casa, que já não era o seu forte, não mais fazia parte da sua vida. Até mesmo sua roupa era confiada a uma lavadeira.

Soraya dava aulas pela manhã no ensino público e dedicava as tardes aos alunos relapsos de escolas particulares, que não davam conta do recado nas lições de casa.

O mundo dos ricos fazia Soraya sonhar cada vez mais alto.

Nas aulas de reforço em mansões de Higienópolis, ansiava por uma vida de conforto e cultura.

Uma dessas famílias abastadas lhe ofereceu aulas de francês e piano, em companhia das meninas da casa. Era sempre a aluna mais dedicada, sua condição de ouvinte acabou em participação das mais ativas, surpreendendo tanto o pianista como Madame Lafayette, parisiense de origem.

Galgando etapas, Soraya ingressou na faculdade de pedagogia. Dar aulas no grupo escolar já a entediava. Queria mais. E formada foi dar aulas no científico de um renomado colégio particular. Os pais das crianças endinheiradas a enchiam de mimo.

Soraya mudou-se para um apartamento alugado no Largo do Arouche.

Suas férias eram nas fazendas dos barões do café, acompanhando seus alunos.

Quanto tempo havia se passado desde a infância necessitada. Seus pais faleceram precocemente, carcomidos por sol e terra. Um seguido pelo outro, no intervalo de um ano. As duas únicas vezes que Soraya retornou a Parapuã, enterrando seus mortos dignamente.

Muito estudo e trabalho levaram-na à França e Estados Unidos, mundos distintos que a encantavam, línguas opostas que já dominava.

Madura, ainda não encontrara o amor.

Em uma noite garoada, nas barracas de flores junto ao La Casserole, conheceu Monsieur Pierre. Estava perdido, procurando o restaurante do amigo Roger. Chegara a pouco de Saint-Tropez, tez bronzeada, os cabelos douravam seus olhos na escuridão. 

Foi tropeçar justo em Soraya, que lhe fez a indicação num francês perfeito.

Encantou-se de cara com a fluidez da jovem longilínea, de seios pontiagudos.

Convidou-a para jantar, mas ela declinou, dizendo que estava ali só para comprar flores para alguém especial.

Pierre não a queria perder de vista e lhe deu o cartão do Cadoro, onde estava hospedado. Intrigava-o para quem seriam as flores, o que fazia uma mulher tão linda sozinha naquela noite gelada.

Seguiu para o seu cassoulet com os amigos, mas seu coração ficou em Soraya.

Ela tomou o rumo de seu prédio, subiu as escadas, entrou em seu apartamento vazio e ornamentou o vaso murano com as petúnias compradas.

Recolhida em seu leito caprichado, ainda não entendia porque havia sugerido alguém especial ao charmoso desconhecido. Afugentara-o, insinuando um amante, namorado ou marido...

De que tinha medo, afinal, pensara toda a noite acesa.

Dia claro, de árdua labuta, fez Soraya distrair-se, e pensar apenas carinhosamente no encontro surpreendente.

Sabia onde encontrá-lo, mas a coragem escapava cada vez que agarrava o cartão nas miúdas mãos escorregadias.

Pierre nem sequer sabia o nome da mulher flor, mas não lhe saía da cabeça seu sotaque molinho de brasileira. Morena, olhos de ameixa, precisava vê-la.

Com a caída da noite, lhe veio a compulsão de voltar às barracas e procurar a moça. Os vendedores saberiam quem era ela, qual sua condição amorosa, se havia mesmo alguém tão especial em sua vida. Jamais vira uma mulher comprar flores a um amante ! E a  esperança tomou conta de sua alma.

Soraya, com as flores ainda frescas na sala, não via motivo para voltar às bancas. Só que uma vontade inexplicável tomou conta de suas pernas e já não podia parar.
Correu para a praça, arrumaria uma desculpa se, por acaso, o encontrasse.

Adubos! Sim, adubos! Matutava ela, todas as plantas precisam de adubos!

Adubos, adubos, adubos, repetia, para não esquecer, como quando sua mãe a mandava na venda comprar mantimentos.

Assim esbaforida, tendo adubos como um mantra, correu pelos jarros arquibancados.

Não menos nervoso, vinha o desesperado francês, a procura da amada.

O encontro foi de supetão na noite seca. Soraya esqueceu os adubos. Pierre se declarou, ignorando quem seria o tal do amante.

Nesta noite, entraram no restaurante. Jantaram até de madrugada, quando foram expulsos pelas cadeiras sendo colocadas em cima das mesas.

No apartamento de Soraya, petúnias aguardavam alguém especial.

Alguns meses depois, Madame Soraya Vernon mudava-se com seu marido Monsieur Pierre Vernon para um estúdio pertinho da Gare de Lyon, onde o chão tremia com a passagem do trem.

Ah ... Parapuã ...




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