De trens e Trilhos
Ises de Almeida Abrahamsohn
Adoro
viajar de trem. Podem ser os trens-bala, devorando paisagens a 300 km/hora, com
nossos olhos captando imagens fugidias como num filme acelerado. São os
campeões, orgulhosos de seus nomes próprios: Shinkansen, TGV, Eurostar,
Railjet. Lembram enormes torpedos deslizando sobre trilhos.
Porém,
não me incomodo e até prefiro viajar naqueles mais lentos, regionais, de
paradas frequentes. Como turista, me permitem observar os campos, os animais
nas pastagens e as pessoas que entram ou saem nas estações. São os frequentados
pelas famílias que repartem as merendas de sanduíches econômicos trazidos de
casa e as garrafas térmicas.
Enfim,
tenho atração nostálgica por esses trens anônimos que me permitem a ilusão de
um tempo a se desenrolar mais vagaroso antes de chegar ao destino.
Estava
sentada à janela do comboio Porto-Lisboa. Não era o mais rápido, quatro horas,
mas não me importava. Queria aproveitar ao máximo o final das férias antes do
longo voo de volta ao meu país. Na tarde ensolarada de maio, me encantavam os
quintais das casas ao longo da via férrea com suas pequenas hortas e
aglomerados de flores: rosas de todos os tons, dálias, margaridas e jasmins
avançando pelas paredes e telhados. De quando em quando, um túnel sob árvores
dava vez a campos de cereais ainda a crescer.
Faltava
ainda cerca de uma hora até a estação de Santa Apolónia. Ouviu-se o trem
subitamente desacelerar com rangidos de freios e parar. Ao lado, um campo verde
a perder de vista. Os passageiros se agitavam. As pessoas perguntavam umas às
outras a causa da parada; outras, mais preocupadas com o possível atraso,
reclamavam da falta de informação. E ainda outras, habituadas ao trajeto,
filosoficamente informavam que avarias no sistema elétrico não eram raras
naquela linha. Passados uns vinte minutos, ainda não tínhamos nenhuma
informação. Ouviam-se conversas aos celulares avisando do atraso na chegada.
Até que um passageiro, mais irritado, resolveu sair do trem para investigar o
problema técnico informado. O funcionário tentou barrar-lhe a saída, o que
apenas serviu para dois jovens também descerem para os trilhos. Após uns
minutos, um dos jovens, visivelmente perturbado e pálido, anunciou:
— Foi um
suicídio. Estão a esperar a perícia para remover o corpo.
E ali ficamos a esperar, ouvindo as notícias fragmentadas que um ou outro que
descia aos trilhos trazia.
— Era jovem. Um rapaz, segundo informou o policial,
não lhe vi o rosto. Não aguentaria.
— Parece que este trecho é o preferido
dos suicidas — disse outro.
— Parte das pernas e um braço ficaram presos nas rodas traseiras. A perícia tem que
recolher todos os fragmentos, informou outro, logo rechaçado com várias
exclamações do tipo: “Cale-se, homem, não precisamos desses detalhes
escabrosos.”
E ali ficamos cerca de três horas até os carros de polícia e ambulâncias se
afastarem e o trem retomar o percurso.
Ainda gosto muito de viajar de trem. Agora, quando
olho os trilhos correndo ao lado, lembro do jovem suicida. Que grau de
desespero o levou a esse gesto? É a mesma pergunta que se faz ao saber sobre um
suicídio, não importam as circunstâncias.
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