Caminhos e Descaminhos
Yara Mourão
Eu já era encantada com meu professor de literatura.
Mas quando ele mostrou as duas gravuras para nosso trabalho, falando baixo com sua voz aveludada e profunda, eu acabei por me apaixonar de vez…
“São duas estradas, dizia ele, que divergem na partida; escolher uma ou outra terá causado ao viajante toda a diferença, ainda que levem ao mesmo destino”.
As gravuras na parede me entravam pelos olhos e se abrigavam no meu peito. Eu contemplava a linha do trem cortando a mata na penumbra, enquanto me embalava nos sussurros que o professor entoava, à guisa de um vento que zunisse por entre as árvores do caminho.
Ele tinha os gestos de um patriarca, pausados e longos, que envolviam o olhar e o pensamento de todos, levando nossa imaginação a se perder por cenários imaginários.
Distraído e imprevisto, nos levava a admirar a correnteza do rio ao largo da linha do trem. Ele assinalava essa beleza dizendo: “A correnteza do rio é como o amante insensível que inverte o rumo das águas e chicoteia suas margens frágeis como se elas fossem suas tristes amadas…” E nessas metáforas inusitadas eu me perdia…
Pelo que conheço de instabilidades, achei melhor escolher a linha do trem. É mais sólida e previsível. Como um casamento. E sempre há uma parada no meio do caminho. Just in case. Porém, se eu fosse mais ousada, escolheria o rio, porque as águas, poderosas e ruidosas, têm a essência da paixão que corre sem que nada a segure.
Continuando, o professor dizia que na largura e profundidade dos rios as águas se moldavam ao leito e seguiam continuamente sem chance de retorno.
Ah! Os caminhos!
Seguiam-se os minutos, na parede, o trem não passava e o rio não fluía. E o meu trabalho não saía. Mas meu coração pulsava, meus olhos se perdiam pelo rosto, pelas mãos do professor, para sempre uma inspiração feliz e uma paixão adormecida pelos descaminhos de nossa vida literária…
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