O golfista disfarçado - Ises de Almeida Abrahamsohn.

 




O golfista disfarçado

Ises de Almeida Abrahamsohn.

 

Eu costumava frequentar o clube inglês durante os primeiros anos após minha chegada em São Paulo. Na década de 1950, não existiam muitos sócios e meu amigo Douglas MacMurphy conseguiu uma carteira de sócio temporário. O clube tinha além de um excelente bar, uma razoável piscina e um campo de bowls. Eu conheci o jogo lá. É semelhante ao boccia italiano e parecido com a nossa malha, mas jogado com bolas que os jogadores ficam polindo antes de lançar. Em Pirituba o clube tinha também um campo de golfe muito procurado aos sábados e domingos.

No centro da cidade o bar do clube era muito frequentado. Decorado pomposamente como clube londrino atraía a maioria dos sócios nos finais de tarde. Tal qual os seletos clubes do país natal, o bar servia para conversas sobre negócios, política, ouvir fofocas, e para combinar as partidas de golfe do fim de semana. Foi lá que conheci Mr. Todd. Era um personagem curioso. Muito falante, ao contrário dos seus compatriotas, sempre tinha algum episódio a encaixar na conversa sobre o tempo que tinha vivido na Índia, alegadamente como funcionário graduado do governo. Tinha uma habilidade especial de imitar o sotaque hindu o que provocava gargalhadas entre os ouvintes. Pessoalmente creio que ele tinha sido um funcionário burocrático de médio escalão que tentava se passar por mais importante. Seu comportamento e maneiras eram suspeitosamente bons demais. Vestia-se como seus conterrâneos londrinos da época pré-guerra. Mas o seu assunto preferido era golfe. Conhecia os jogadores da época, analisava os torneios e discorria sobre os melhores campos para o esporte. Aliás, elogiava os campos disponíveis em Bombaim doa quais tinha sido assíduo frequentador. Não deixava de mencionar as próprias pontuações obtidas nos torneios da colônia. Porém, e este era um fato importante, nenhum dos golfistas do clube havia visto Mr. Todd jogando ou em campo. Alguns dos frequentadores já o haviam convidado para partidas, mas ele oferecia alguma desculpa pouco convincente. Isso não impedia Mr. Todd de continuar relatando seus feitos e excelentes handicaps.

Com o tempo meu amigo Douglas e os colegas golfistas começaram a se irritar com as constantes exibições verbais do expert golfista. Combinaram um jogo no sábado seguinte ao qual Mr.Todd não poderia se esquivar. Eu não sei exatamente os detalhes, ou com que os rapazes o ameaçaram, porém ele foi obrigado a comparecer ao campo de Pirituba.

E ele compareceu. Uma figura. Veio vestido como um golfista inglês se vestiria no início do século XX. Calças jodphur xadrez, meia três quartos , paletó e gravata tudo encimado por uma cartola alta preta reluzente. Os golfistas rindo disfarçadamente o conduziram ao campo e ao tee. Coitado... Tive pena do sujeito. Apesar de todo o discurso de conhecedor, nem segurar o taco corretamente ele conseguia. Vexame total. Balbuciou alguma desculpa e saiu correndo passando pela portaria para nunca mais aparecer no clube. Nunca mais se viu ou ouviu dele. Simplesmente sumiu.

Tempos depois eu voltei a encontrar meu amigo Douglas em Londres e entre uma cerveja e outra ele se lembrou do folclórico Mr. Todd. Contou-me que por acaso tinha encontrado o mentiroso em Londres. Inicialmente este fingiu não o reconhecer, mas ao ser convidado para o pub mais próximo contou-lhe uma mirabolante história sobre ter sido um agente do MI5 infiltrado lá no clube de  São Paulo para identificar agentes comunistas. Que grande mentiroso!

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