FOFOCA NÃO É CRIME! - Carlos Cedano


Resultado de imagem
FOFOCA NÃO É CRIME!
Carlos Cedano

Silene, com vinte e nove anos é a mais assídua colaboradora da igreja de sua pujante cidade, e sempre disposta a apoiar os pedidos do Padre Gustavo Varane. Não é bonita,  nas reuniões sociais acostumava a passar despercebida. Tem a aparência de uma mulher comum, mas guardava dentro dela uma intensa ambição de poder e está a procura de uma oportunidade para conquistá-lo!

Eis que essa oportunidade chega!

Um dia vai cedo para a igreja e escuta um barulho estranho, vai até a porta da sacristia que liga com a capela, se detém e fica em silêncio à espera, enxerga o Padre Gustavo e dona Matilde, abraçados, beijando-se intensamente e logo se despedem. Dona Matilde vai embora e o Padre Gustavo vai para a sacristia. Silene tinha se escondido fora da sacristia e logo volta dando a impressão que chegava nesse momento. Está chegando agora? Pergunta o padre Gustavo, sim, respondeu ela,  , trouxe flores para renovar as de nosso altar. Estava precisando, disse o padre, obrigado Silene.

Esta “descoberta” servirá para ela como ponto de partida! Seu plano visando ganhar poder, e na sua cabeça o fim justificaria os meios!

Um dia calculadamente escolhido, Silene pede para Ágata, outra colaboradora, levar até a sacristia um pacote, seja cuidadosa — disse Silene — não faca barulho é a casa de Deus. Sim, respondeu Ágata e foi embora a cumprir pedido.

Meia hora depois, na casa da Silene aparece Ágata branca e com o semblante perturbado. O que aconteceu? Perguntou Silene. Você nem imagina! Responde Ágata. Vi o Padre Gustavo numa situação vergonhosa e constrangedora com Dona Matilde e não acreditei! Disse ela quase chorando.  Bingo! Pensou Silene. Conversou com Ágata e a convenceu a não comentar com ninguém o que tinha visto, ninguém acreditaria nela, só você perderia! Vou falar com o Padre Gustavo num momento oportuno e sem citar teu nome. Obrigada. -respondeu Ágata, e foi embora. Seria a partir deste escândalo que divulgaria a primeira fofoca! E Silene saberia como fazê-lo.

 Dias depois:

Padre Gustavo, disse Silene.. O senhor precisa ser mais cuidadoso no seu comportamento, quinta feira passada pedi a Ágata para trazer um pacote e deixá-lo aqui na sacristia, o senhor o achou? Sim, respondeu o padre. Pois é, disse a colaboradora-mor, o senhor foi visto por ela numa situação escabrosa e indecente com a esposa do Doutor Meira. Silene relatou algumas das cenas vistas por Ágata e as incrementou com aquelas de sua “própria colheita”

Foi um balde de água fria e um pesadelo para o Padre Gustavo, não queria nem imaginar as consequências se alguém soubesse delas! Silene se aproveitou da fragilidade emocional na qual se encontrava o padre e obteve por um longo período informações que beiravam a violação do segredo de confissão, ela “anotava” tudo na sua cabeça e chegando a casa as escrevia no seu computador sem esquecer nada: dados precisos e riqueza de detalhes, sua excelente memória era motivo de orgulhoso! 

Em pouco tempo forma uma grande rede de informantes descobrindo, pari passu, que as fofocas quando bem geridas podiam render um bom dinheiro ou outras formas de generosidades: presentes ou trocas de favores. Foi desse modo que em poucos anos formou um belo patrimônio e conseguiu o poder que sempre almejou!

As pessoas lhe pediam informações confidenciais ou se aconselhavam com ela sabendo de seu nível de informação e de contatos que possuía e quando era preciso recorria a chantagens e ameaças nem sempre veladas.  Na mesma época, o Padre Gustavo desapareceu da cidade, ninguém sabia de seu paradeiro e até própria cúria ignorava seu destino. Com a falta de pistas a polícia arquivou o caso.


E assim Silene chegou aos seus cinquenta e oito anos no auge de seu poder e prestigio na cidade. Mas o mundo na sua marcha inexorável e nos seus paradoxos sempre consegue um jeito de mudar as coisas!

Um ano depois chega à cidade uma esteticista de trinta e cinco anos, muito sociável e pioneira em tratamentos modernos de beleza. Divorciada, viúva ou solteira? Ninguém sabia, mas muito bonita. Meses depois Virginia, inaugurou seu instituto de beleza onde atendia  a clientela com atenção e simpatia, com padrões de qualidade inéditos na cidade. As madames fizeram de seu instituto seu lugar preferido e lá as fofocas corriam soltas.

Virginia notou que seu negócio era o ponto de convergência de todas as fofocas da cidade. Virginia escutava com paciência e, quando perguntada, respondia com prudência a qualquer indagação! Sua simpatia e suas opiniões objetivas e sensatas abriram-lhe, pouco a pouco, acesso a muitos convites e eventos que lhe permitiram ampliar seus contatos no mundo social!

Tempo depois e já com dois anos de residência na cidade, Virginia se encontra pela primeira vez com Silene num contato breve, mas não escapou pra ela constatar as deferências das quais gozava Silene. Foi nesse momento que a esteticista se propôs indagar mais sobre ela.

Iniciou seus contatos, sempre com discrição, e se surpreendeu ao verificar que Silene não era unanimidade na cidade: ao lado de pessoas que a elogiavam, não eram poucas aquelas que faziam serias restrições a sua pessoa pela sua falta de ética nos negócios, suas fofocas interesseiras, uma característica que também lhe atribuíam era a crueldade que usava para punir a seus inimigos, era impiedosa e carregava nas suas costas a suspeita de ter alguma responsabilidade pelo desaparecimento do Padre Gustavo!

Perto do fim do ano começaram a chegar por correio postal mensagens para muitos residentes da cidade, o conteúdo de todos era praticamente a mesmo: Esta mensagem está sendo enviada para cinquenta e duas pessoas da cidade que em algum momento foram vítimas de chantagens e extorsão por parte de Silene. A mensagem não tinha assinatura, mas para cada destinatário eram descritos minuciosamente detalhes do tipo de crueldade infligido por Silene; isto dava veracidade às mensagens recebidas e colocava medo naqueles que tinham o rabo preso com Dona Silene. Os envelopes e as mensagens eram impressas e sem nenhuma digital e tinham sido enviadas de diferentes lugares do país!

É uma chantagem! Não! Pior que isso, é uma falsa denúncia para perturbar nossa cidade, diziam uns. Quem enviou essas cartas com certeza não tem prova nenhuma! Disseram outros!  O resultado final foi um rebuliço que invadiu a cidade. Muitos se olhavam com desconfiança e as suspeitas se generalizaram e o centro principal de todos os comentários passou a ser a figura Silene.

A angústia dos denunciados aumentou quando chegou para a cidade o jornalista investigativo Marcos Resende muito conhecido no país pela qualidade de seu trabalho para desvendar casos criminosos. Foi ele que conseguiu a declaração do Padre Gustavo e a registrou em cartório e cedeu cópia para a Polícia Federal. O relatório completo tinha mais de cento e vinte páginas e detalhava a situação de cada denunciado acompanhado de numerosos documentos comprometedores. Mas vocês sabem, os criminosos são “cara de pau” e mesmo perante evidências sólidas sempre negam ou não sabem de nada!

As grandes perguntas eram: Cadê o Padre Gustavo? Ele está morto ou vivo? Ninguém sabia responder. A própria
 Silene, agora perdendo o controle de suas emoções, afirmava ser uma armação da imprensa, que todo era conjeturas e a partir de documentos forjados, cadê o cadáver? Insistia ela.

Quando a Policia Federal declarou réus aos cinquenta e dois denunciados o primeiro testemunho foi de uma pessoa inesperada: Ágata! Ela não só descreveu a forma como foi morto o Padre Gustavo logo de seu retorno da Capital onde fez a denúncia, mas também indicou com precisão o lugar onde foi enterrado: no imenso jardim da casa de
 Silene cinco anos antes!

Era justamente nos momentos do interrogatório de Ágata que a Policia Federal estava concluindo a exumação do cadáver do padre, retirava computador e documentos da casa de
 Silene. Provas abundantes e para todos os gostos e fins.

Os heróis anônimos desta ação foram Dona Virginia e o jornalista investigativo Marcos Resende! Quando Dona Virginia testemunhou se apresentou como Virginia Varane Resende, sobrinha do padre assassinado e esposa do jornalista Marcos. Tinham trabalhado silenciosamente e sem levantar suspeita no esclarecimento nesse crime que abalou a cidade!

Na fase condenatória a Juíza do Processo acabou sua sustentação de
Sentença dizendo: Muito se fala que fofoca não é crime, fofoca é crime sim! Vejam o resultado deste processo que se iniciou justamente com uma fofoca!

Nenhum comentário:

Postar um comentário