A pianista - Fernando Braga

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A pianista
Fernando Braga

       Tomaram um avião da TAM, desceram em Frankfurt, alugaram um carro e foram pela Autoban em direção norte, até Hannover. Chegaram ao magnífico hotel, Zé Osvaldo e sua esposa, que haviam sido convidados para o aniversário de um famoso professor, regente da Cátedra de Neurocirurgia nas duas importantes universidades, daquela progressista cidade. Este professor era Madgid Samii, um iraniano, que jovem, veio fazer medicina na Alemanha, aprendeu neurocirurgia em Mainz, tornando-se após anos, um consagrado especialista, mundialmente famoso. Viera inúmeras vezes como convidado para congressos no Brasil, tornando-se grande amigo de muitos brasileiros, dentre eles, Zé Osvaldo.

        Nesta ocasião, haveria uma grande festividade, pois o Prof. Samii completaria 65 anos. Na Alemanha, como em outros países da Europa, nesta idade, ocorre a aposentadoria compulsória. Foram convidados neurocirurgiões europeus, da Ásia, Américas e dentre eles cinco brasileiros, que trouxeram suas esposas. A maioria dos convidados ficaram hospedados neste mesmo hotel.

        A organização das festividades foi perfeita, tomando 6 dias da semana. Como não poderia deixar de ser, havia a parte científica pelas manhãs, onde a maioria dos neurocirurgiões apresentaram em 10 minutos de exposição, sua experiência pessoal, em um setor da neurocirurgia.  Terminadas as sessões científicas por volta das 13 horas, todos se reuniam no hall do hotel e saiam em ônibus especiais para os passeios programados, onde estava incluído o almoço. Como era julho, escurecia tarde, apenas às 11 horas, o que permitia maior tempo para diversão.

       No dia 19, o Príncipe de Hannover, casado com Caroline, filha do Príncipe Rainier de Mônaco com Gracie Kelly, ofereceu uma festa em seu castelo, para o Prof. Samii comemorar seu aniversário, com todos seus convidados. Os brasileiros presentes, em número de 10 foram transportados, morro acima, em uma van e ao descerem no pátio do castelo, estava sendo oferecido “aquele coquetel”. Foram recebidos por uma orquestra, todos os elementos vestidos com uma farda bordô, tocando a Aquarela do Brasil. Isto mostrou a todos a afeição que Samii tinha pelos brasileiros.

       Nunca tendo visto algo semelhante, os brasileiros aproveitaram para conhecer o bar do príncipe, onde três garçons, lá estavam para servirem, qualquer bebida solicitada. Comeram do bom e do melhor e tiveram a oportunidade de ouvir um conjunto americano, com um famoso cantor negro.

        Zé Osvaldo pensava, pensava, mas não conseguia preparar nenhuma das suas.

       Na última noite, Samii convidou a todos para um jantar em sua mansão, os mais de 150 convidados. Ao entrar no hall, destacava-se no chão da ampla sala de visitas, um magnífico tapete persa de 12X6 metros. Mahshid, mulher de Samii, era filha de um famoso general do Xá Reza Pahlevi, e dele, ela recebeu este tapete de presente. Ao construir sua casa, a sala de visitas foi feita para abrigar o tapete. Na mesma sala, chamava a atenção ainda, um piano de cauda, Yamaha negro. Nele, disseram, com certa frequência vinha tocar Von Karajan, regente da Orquestra Filarmônica de Berlin, que se tornara amigo de Samii, após este, tê-lo operado.

       Na festa, os brasileiros se juntaram em um grupo, dispostos a aproveitarem a boca livre, onde serviam vinhos franceses e uísque à vontade.

       Em dado momento, Samii subiu em um degrau mais alto, tocou uma sineta, pediu silêncio, agradecendo mais uma vez a presença de todos, muitos vindo de longe, apontando em direção ao grupo de brasileiros. Em continuação, disse estar presente um grande amigo seu, um iraniano, que era compositor e pianista, que fazia sucesso em Los Angeles. Ele iria mais tarde brindar a todos, tocando suas composições próprias.

       Nesta altura, Zé Osvaldo, já um tanto alegre, comentou com um seu amigo, cirurgião de Porto Alegre dizendo:

       — Minha mulher também é concertista!

      — Ah! Não me diga?

       A mulher de Zé Osvaldo, fazia dois meses que estava com aulas de piano e após este tempo já conseguia tocar, com dois dedinhos, a Asa Branca, do Luiz Gonzaga.

       Por volta das onze horas da noite, Samii tocou novamente a sineta, todos ficaram silenciosos, e ele, encaminhou-se lentamente pela sala, sobre seu tapete, vindo em nossa direção. Aproximou-se, pegou na mão da mulher de Zé Osvaldo e delicadamente caminhou com ela pelo tapete. Ela seguiu-o, pensando que estava sendo convidada para dar início ao jantar, servido na sala próxima. Ao passar pelo piano, ele abriu a cauda do mesmo, puxou a banqueta, pediu que ela se sentasse, dizendo:

       — Play! Please! Muito desconcertada ela replicou:

       — Sorry , but I don´t play. 

       — Please! We know you are a Concertist!

       — Me? No! I am sorry! My husband play!

       Samii vendo que ela não queria tocar, trouxe-a de volta, pegou Zé Osvaldo e conduziu-o ao piano. Ele não se acanhou. Sentou-se e tocou três músicas: No Rancho Fundo, Go e Stormy Weather, as únicas que conseguia tocar sem errar. Foi a consagração de Zé Osvaldo. Tocando para o mundo!

       Em seguida, veio o pianista amigo de Samii, que por meia hora arrasou, estraçalhou, com suas composições e sua execução.

       A mulher de Zé Osvaldo logo ficou sabendo que o responsável era seu marido, que após alguma bebida, havia inventado que ela era concertista. Dizia ela:

       — Coitado, ele queria se mostrar! E o pior, é que conseguiu!

       Ao despedirem-se, Samii, abraçou a esposa de Zé Osvaldo e em seu ouvido confabulou:

       — Tenho certeza de que algum dia ainda vou ver você tocar, magistralmente, piano!   Sei que você se inibiu!

       Ao chegarem de volta ao Brasil, a primeira coisa que a mulher de Zé Osvaldo fez foi dispensar a professora de piano e ainda: Não quis mais saber da Asa Branca!
       Esta do Zé Osvaldo, gozando a própria mulher, custou caro a ele!

        Mas, é outra história, que fica para uma próxima vez.



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