UM AUDI A5 PRETO - Jeremias Moreira


UM AUDI A5 PRETO
Jeremias Moreira


No intervalo entre duas corridas de Formula 1, que cobria para a revista Sports & Velocidade  - o Gran Premio de España, ocorrido no domingo, no Circuito da Catalunha, e o Grand Prix de Mônaco, daqui a duas semanas - Vera Lúcia aproveitou para visitar a Espanha, país de intensa luminosidade. Pretendia conhecer a cultura, a culinária e, porque não os espanhóis, já que vivia num mar de calmaria há mais de seis meses.

Uma foto do Palácio Alcázer de Segóvia, que vira num folheto turístico, a encantara. O local ficava a noventa quilômetros a noroeste de Madri. Começaria por aí! 

Alugou um Seat Cordoba e ao sair do Hotel notou um Audi A5 preto, com vidros escuros que ocultava quem estava dentro. Sem motivo especial achou o carro tétrico.

Sob um sol pulcro e cheia de expectativas saiu de Madri pela Auto Pista 6, colocou um cd de Marisa Monte e tratou de apreciar a paisagem.

Numa passada de olhos pelo retrovisor notou atrás de si, mantendo alguma distância, um Audi A5 igual ao que vira no Hotel. Intrigada diminuiu a marcha e deixou que o carro a ultrapassasse.

Sossegou, devia ser coincidência!

Chegou ao pequeno e agradável Hotel Don Felipe, na Calle Daiz, por volta do almoço. Deixou a bagagem e foi almoçar no pitoresco Meson San Pedro Abanto, que ficava em local aprazível. Escolheu sentar-se na varanda. Por alguma razão não estava tranquila.

Depois do almoço visitaria a Casa Museo Antonio Machado, que ficava próximo, e em seguida o Palácio.

Quando saiu do restaurante em direção ao estacionamento viu algo que a perturbou: Um Audi A5, preto, com os vidros escuros, estacionado na outra extremidade. Agora era coincidência demais, e a apreensão aumentou.

Avaliou os motivos que alguém teria para segui-la. O fato de ser mulher e viajar só? Pouco provável no mundo de hoje!

Lembrou-se da série de artigos críticos que andava escrevendo contra a FIA. Os pilotos reivindicavam medidas de segurança e a FIA se recusava a atendê-los. Seria isso motivo para assustá-la? Também implausível. Concluiu ser exagero tal ideia. Devia estar lendo muito livro policial. Certamente não passava de coincidência. Enquanto dirigia quis muito acreditar nisso, mas sentia-se incomodada.

Cancelou a visita ao Museo, resolveu ir direto ao Palácio.
Percorreu um labirinto de ruelas estreitas, subiu a encosta da Calle Del Socorro, entrou na Ronda de Don Juan II e finalmente chegou à Plaza de La Reina Victoria Eugênia, em frente ao Palácio, onde estacionou. Durante todo percurso esteve inquieta. Acompanhada de uma sensação estranha.

Toda disposição e expectativa com que deixou Madri haviam desaparecido.

Desceu do carro, olhou para ambos os lados e, sem muita convicção, deliberou que estava tudo bem.

Retesou a musculatura, deu uma sacudidela no corpo, espantou os maus presságios e decidiu não deixar pensamentos bobos atrapalharem sua turnê.

Olhou para o Palácio e logo sentiu o efeito da imponência secular da fortificação. Pegou o tablet e pôs-se a fotografar.  Atravessou a ponte levadiça sobre o fosso e entrou no Palácio. Foi informada na recepção de que era proibido fotografar. Teve que guardar o equipamento na bolsa.
Havia um grupo de turistas japoneses que fariam uma visita guiada. Ela aderiu ao grupo. Começaram pela Sala Del Trono, depois Sala de La Galera, Sala de Las Piñas e Cámera Regia, onde demoraram mais.

Durante todo o trajeto ela não conseguiu se livrar da sensação de estar sendo observada.

Com exceção do grupo havia poucos visitantes. Em dado momento deixou de ouvir o que o guia dizia e se pôs vigilante. Examinou um a um, não achou ninguém suspeito ou que demonstrasse se importar com ela.

Notou câmeras de segurança em todos os ambientes. Isso a tranquilizou.

Não conseguia atinar quem a pudesse seguir, nem por quê. Porém, por mais que tentasse não conseguia se concentrar.
O grupo saiu para outra sala e ela permaneceu.

Dominada por uma angustia que a sufocava, pensou ouvir passos. Imobilizou-se, ouvidos apurados, coração querendo explodir. Súbito os passos cessaram. Sufocada, carecendo de ar, precipitou-se em direção à Torre de Don Juan II. Chegou esbaforida.

Aliviou-se com a luz e a brisa fresca que encontrou na Torre.

Respirou fundo e se aproximou da murada. Apreciou a paisagem. Localizou seu carro lá em baixo... Então, viu algo que a congelou. Estacionado atrás do seu Seat, estava um Audi A5, preto, com os vidros escuros. Seu instinto não falha nunca! Desde sempre pressentiu que seu perseguidor se encontrava dentro no Castelo!

Ouviu passos atrás de si. Olhou e viu um homem, ruivo, estatura mediana, vestido de terno, que caminhava apressado em sua direção.

Toda agonia represada, desde que deixara o Hotel em Madri, explodiu num acesso de fúria e, surpreendentemente, Vera Lucia investiu contra o homem como um animal acuado e, usando a bolsa como arma, deu-lhe uma pancada no rosto.  O tablet, dentro da bolsa, atingiu o queixo do homem. Ele fora totalmente pego de surpresa e sentiu o golpe. Cambaleou e caiu.

Com o homem fora de combate Vera Lucia saiu imediatamente da Torre gritando por socorro.

Sua ação fora observada pelo monitor, na sala de segurança. Em minutos ela viu-se cercada por diversos agentes.

Desde que entrara no Palácio, seu comportamento alterado chamou a atenção dos seguranças. Ela foi monitorada o tempo todo. Quando se dirigiu para a Torre de Don Juan II e se aproximou da murada temeram que ela saltasse. O homem que ela nocauteou era um agente que fora prestar-lhe assistência.

Ignoraram seu comentário de que fora, o dia todo, perseguida por um Audi A5, preto e a encaminharam à Jefatura de La Policia.

Concederam-lhe a prerrogativa de uma ligação. Ela ligou para a redação da revista, no Brasil, que providenciou um advogado na Espanha.

Vera Lucia estava detida por agredir um agente da Lei.

O advogado argumentou sobre seu estado de estresse devido à caçada que lhe exerceu o Audi. “O ato de agressão foi um gesto de defesa, pois no momento ela deduziu que o agente fosse seu perseguidor.”

Horas depois chegaram as fitas de segurança de todos os locais onde Vera Lucia estivera e que afirmava ter visto o carro sinistro.

Rodaram as fitas. Em nenhuma delas apareceu o Audi A5, preto!



Um comentário:

  1. Virei personagem! Sinto-me muito honrada. Bacana à beça, Jerê, obrigada

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