FILOSOFIA NA PRAÇA
Oswaldo
U. Lopes
A praça é um encanto, muitos a chamam
de Praça do Colégio, porque um dos seus contornos é quase que totalmente tomado
pelo muro do Colégio Rainha da Paz que fica logo ali.
Tem nome – Praça Comendador Manuel de
Melo Pimenta. O próprio nasceu na Freguesia do Luso, Bairrada, Portugal. Essa
região lusa é famosa pelos leitões e pelo vinho. Lá ele é figura de relevo, tem
até um pequeno museu com seus objetos e um pouco de sua história.
Nasceu
em 1893 e veio para o Brasil com 14 anos. Ajudava o tio na carpintaria e cursou
o Liceu de Artes e Ofícios. Fez fortuna e ajudou muito os pobres da Freguesia
do Luso, por isso foi agraciado pelo Estado Português com a Comenda da Ordem da
Benemerência em 1958. Na Freguesia há
também um Largo Comendador Melo Pimenta.
É
curioso que tenham dado seu nome a esta encantadora praça, hoje cercada de
inúmeros edifícios, de nobres e valiosos apartamentos. O bairro chama-se Vila
Jatai e orgulha-se muito do nome e das ruas em volta, das quais se destacam a
Realengo e Caminha Amorim de um lado, do outro a Elisa de Moraes Mendes que
muitos conhecem da Praça Panamericana e não a imaginam pequena e de mão única
lá para cima.
Porque
deram o nome de um Comendador português a uma linda praça, num pequeno bairro na
zona oeste de São Paulo, é um enigma. É verdade que por lá existem vários
descendentes dos nossos bravos colonizadores, vindos de diferentes partes da
pátria lusitana, muitos da Ilha da Madeira e dos Açores.
Costumo
por lá caminhar e fui descobrindo seus mistérios aos poucos. O que tem de gente
passeando com cachorros, é de assustar, pelo número, não pelo tamanho. São
todos cães de apartamento de porte reduzido e franzino, embora por vezes
ranhetas e latidores. Os donos são todos muito cuidadosos e andam com os
famosos saquinhos de plástico recolhendo os dejetos dos seus estimados pets.
Em
que outra praça você encontraria uma composteira (na realidade duas), com um
aviso de não jogar lixo ali, que ela se destina a ser usada no jardim.
Os
aparelhos destinados a ginastica estão em muito bom estado e todos funcionando,
há uma tabela de basquete e ainda um pequeno cercado, com elementos destinados
a diversão das crianças menores.
No
largo há vários escritos e letreiros em muito bom estado, é o que chamo de
Filosofia na Praça. Confesso que me encantam esses ditos simples que, no geral,
traduzem a sabedoria popular. De estalo lembro de dois locais famosos pelos ditos e que fazem
parte de nossa cultura.
-
Filosofia de Botequim
-
Filosofia de Para-choque de caminhão.
Agora
é possível adicionar mais um: Filosofia da Praça.
As
de Botequim, no geral dizem respeito ao FIADO, desde as mais simples, de
antigamente às rebuscadas de hoje:
-
Fiado só amanhã.
E as mais elaboradas:
-
Fiado só para maiores de 90 anos, acompanhados dos pais.
Parece
que esta precaução teve algum contratempo, pois já se encontra a variante:
-
Fiado só para maiores de 90 anos acompanhados dos avós!
Há
variações que exigem leitura cautelosa:
-
Fiado dia sim dia não. Hoje não.
Há
as que perderam um pouco seu objetivo:
-
Fiado é igual à barba, se não cortar só cresce.
Com
essa mania das barbas grandes e bem aparadas, perdeu um pouco sua eficiência e
dá lugar a discussões acaloradas sobre o fiado e o comprimento das barbas.
Para-choque
de caminhão é outra fonte inesgotável de sabedoria e filosofia popular. Quem
nunca viu?
-
Dirigido por mim, guiado por Deus.
-
Não sou o Dono do Mundo... Sou filho do Dono.
-
Mais vale chegar atrasado neste mundo do que adiantado no outro.
-
Uma vantagem dos sem-teto é nunca levar desaforo pra casa.
Como
dizia acima, a minha querida praça também é rica em filosofia e ditos saborosos
que fazem pensar:
-
O cigarro mata a todos, fumantes ou não.
-
Dê valor às pequenas coisas, como seu saldo bancário.
Quem
já foi jovem e teve três empregos e um Volkswagen sabe dar valor as pequenas
coisas.
-
Antes de ser um excelente profissional seja um bom ser humano.
Atingido
em cheio. A Residência médica acelera muito, pelo treinamento em exercício, o
conhecimento e a excelência profissional. O conhecimento chega antes do
compadecimento.
Isso
não envolve o desempenho profissional, atinge é a falta de compaixão, lá no início
da carreira médica. Bons profissionais, competentes cumpridores de seus
deveres, mas arrogantes.
“Si
la jeunesse savais, si la vieillese pouvait”.
Isso
vale para quase tudo na vida, não só a profissão médica. Temos filhos quando
somos jovens e fortes, mas não temos a sabedoria para educá-los. Quem nunca
ouviu que o primeiro filho (o mais velho) deveria ser de celofane para você
poder jogar fora e com ele as besteiras que você fez na educação que lhe deu.
Bem
já andei bastante pela praça, despeço-me do Comendador, dos amigos de quem nem
sei o nome, dos vários e engraçados cachorrinhos e das composteiras. Como diz o samba:
Até
amanhã, se Deus quiser, se não chover, eu volto para te ver... Oh! Linda Praça.
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