ARAUJO X MARUJO - Sérgio Dalla Vecchia




ARAUJO X MARUJO
Sérgio Dalla Vecchia


Serginho era um menino que gostava de montar e desmontar qualquer coisa, mas a preferência era montar aeromodelos.

Todo Natal, ganhava um kit com peças de planador para construir. O primeiro foi muito simples, apenas corpo, asas, estabilizador horizontal e leme, peças já estampadas em madeira balsa. Bastava recortá-las e colá-las. O passo seguinte era a decolagem. Lançava o aviãozinho com força para o ar. Ele dava uma ou duas voltas e não resistindo mais a gravidade, aterrissava.

Cada ano o kit era maior. Já era composto de varetas de madeira balsa, papel de seda japonês, cola, primer e dope. Esses dois últimos eram produtos para esticar e endurecer o papel de seda.

A montagem era acompanhada de planta com os detalhes construtivos. Demorava dias até que o modelo ficasse pronto. Chegava o grande dia, e lá ia Serginho empolgado carregando seu avião, para soltá-lo em lugar apropriado que seu pai o levasse.

A preferência era locais gramados, sem árvores, postes e outros obstáculos que pudessem colidir com o frágil aeromodelo. Tarefa difícil, pois sempre, o planador no seu suave voo, acidentalmente encontrava um desses obstáculos. De repente; SPLASH & CRASH. Ia direto para a Cucuia. As vezes pegava um vento ascendente e ia parar nos Cafundó do Judas. Era uma mão de obra danada para resgatá-lo.

Assim Serginho brincava, montando e consertando os aviões avariados. Tornou-se expert em paciência e aeromodelos.

Seu sonho era adquirir o kit de um planador top, denominado Cirrus. Economizou muito, até que conseguiu.

Não cabia em si de felicidade, quando abriu a grande caixa.

Varetas, corpo maciço de madeira balsa, nervuras, papel, pavio, chumbinhos, elástico e vários outros materiais. Realmente era montagem para um entendido.
Serginho já era um meninão.

Animado, foi passar as férias de julho na casa dos avós no interior.

Lá arranjou uma mesa e logo iniciou a montagem.

Curtia cada etapa, asas com dois metros de envergadura, o corpo esguio e maciço lixado com primor, o estabilizador horizontal, o leme, o papel esticado com duas mãos de dope, enfim era um cansativo deleite para o menino construtor.

O avião era tão sofisticado, que possuía na cauda, um pavio a ser aceso na decolagem, caso o planador pegasse uma corrente de ar quente e não quisesse descer, o pavio consumido soltava um elástico do estabilizador que faria descer. Possuía também, um compartimento no bico, onde se colocava chumbinho para equilíbrio.

Assim, após consumir a primeira semana de férias exclusivamente para a construção, aplicando conhecimentos técnicos, paciência e muito capricho, a obra de arte ficou pronta.

O planador ficou lindo, imponente nas cores azul e branco.

Serginho empolgadíssimo, escolheu o campo de aviação da cidade para soltá-lo. O campo era praticamente abandonado, portanto muito propicio para o voo inaugural.

O avô fez questão de levá-lo, reconhecendo seu árduo trabalho. Ele também, estava curioso para ver a performance do avião.

Chegou o grande momento do lançamento. O avô segurou o Cirrus com o bico ligeiramente levantado, enquanto Serginho segurando uma linha grossa engatada na fuselagem correu contra o vento até que o planador estive voando e a linha se desprendesse.

Os dois boquiabertos acompanhavam o voo suave do Cirrus naquele céu azul de pouco vento. Ele plainou por um tempo até que aterrissou sem problemas, finalizando o batismo com sucesso.

Mais confiante, Serginho aumentou o comprimento da linha para dez metros e foi para o segundo voo.

Embora o vento tivesse aumentado, como mostrava a biruta do aeroporto, Serginho não se intimidou e disparou puxando o Cirrus das mãos do avô, até que atingiu  dez metros de altura.

Iniciou o planeio uniforme, mas logo começou a sentir a força do vento, fazendo-o balançar. Fez a primeira volta, a segunda e nada de descer, pelo contrário ganhava altitude.

Serginho e avô, juntos ansiosos aguardavam a aterrissagem que não acontecia. Trocavam olhares preocupantes.

Assim após várias voltas lá no alto, de repente uma rajada de vento o desequilibrou, em seguida, outra o empurrou com toda força para baixo. As asas não aguentaram a pressão e se deslocaram, fazendo o imponente Cirrus desgovernar-se e cair em parafuso.

Serginho desesperado acompanhou a queda livre sem piscar, até que sua obra de arte se espatifou no chão, enquanto o avô desesperado com as duas mãos na nuca gritou:

Chiii.., foi para o Beleléu!

A decepção foi enorme. Serginho indignado, partiu com muita raiva para o local da queda. Olhou chorando para os restos mortais do seu Cirrus, enquanto lembrava do empenho e trabalho dedicados para nada. Surtou! Pisoteou-os até não sobrar mais nada.

Após essa desilusão Serginho nunca mais montou um planador.

Mudou para nautimodelismo, pelo menos barco não voa, só afunda.



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