CADÊ O BRINQUEDO QUE ESTAVA AQUI - Oswaldo Romano



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CADÊ O BRINQUEDO QUE ESTAVA AQUI
Oswaldo Romano


Marco e Mila depois de quatro anos tiveram um filho que veio mudar completamente suas vidas, ainda se sentiam em lua de mel. Depois disso a conversa mudou, os hábitos mudaram, e os passeios secaram. Mas ao mesmo tempo tornaram-se caseiros.

À medida que Flavinho crescia foram recuperando a liberdade que os prendia em casa. 

Agora curtiam outra vivência, o pimpolho já com seis anos não dava aos pais uma hora de sossego.

Tentando amenizar o trabalho, Marco teve uma ideia que revelada à Mila, acharam de boa solução, pelo menos por algum tempo, comprariam um cachorrinho.

Foi o que fizeram. Criou-se um novo dia a dia na moradia.

O casal já vinha disputando quem dormiria com o Scoth depois que Flavinho adormecesse.

Ele, o Scoth, era o primeiro a acordar e com isso o menino também pulava e juntos começavam as estripulias.

Scoth adorava correr atrás dos brinquedos que o menino lançava, gosto comum no seu mundo. E como sempre, o devolvia para repetir a brincadeira.

Entre os brinquedos, um palhacinho de pano recheado de paina, não era jogado, recomendação da mãe que avisava do perigo de rasgar e esparramar o enchimento o que causava alergia.

Parecia que Scoth sabia daquela proibição, pois várias vezes tentou pegá-lo. Mas como tudo tem a primeira vez, aconteceu. Conseguiu abocanhar o palhacinho, desembestou não dando ouvidos aos gritos de Flavinho. Quanto mais gritos, já perseguido, mais corria.

Entrou pelos escombros da obra vizinha, Flavinho desistiu. Mas, cinco minutos depois o cão voltou balançando a língua, sentou e encarava vencedor a cara do seu dono.

— Scoth, onde está o Palhacinho?

Ele se deita, estica as duas pernas dianteiras, põe a cabeça entre elas e só balança o rabo.

Talvez esse fosse um segredo que Scoth não revelaria.


SARA A PERUA - Oswaldo U. Lopes



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SARA A PERUA
Oswaldo U. Lopes



         Sara fora rica, ou melhor, ainda era rica, o que não era mais, era jovem. A idade trouxe todas as adversidades que lhe são próprias: doenças, dificuldades motoras, ausência de visitantes, solidão. No caso de Sara não trouxera sabedoria que logo vai se ver, fez-lhe falta.

         Por companhia tinha Tiago, um gato preto que, como todo felino que se presa não tinha dono, era o dono.

         Sozinha via televisão, tendo Tiago a seu lado, sentada no largo sofá, quando a companhia tocou.

         Abriu a porta, era o guarda noturno do quarteirão:

- D. Sara, acho que vi um vulto no andar de cima de sua casa.

- Como, se está tudo escuro?

- Foi ali, no vitro que fica na escada.

- Bobagem!

Ela falou, achando que ele estivesse plantando para colher aumento. Voltou e sentou-se no sofá. Tiago deu um miado esquisito, soando algo estranho. Recebeu como premio, um gentil tapa na cabeça;

- Quieto.

Quieto ele ficou. Foi quando ela sentiu o fio de nylon apertando-lhe o pescoço. O que lhe faltou de sabedoria sobrou-lhe de espasmos enquanto agonizava.

A SEPARAÇÃO QUE ACONTECEU - Oswaldo U. Lopes






A SEPARAÇÃO QUE ACONTECEU
Oswaldo U. Lopes

  

         Uma linda história de amor que resulta em separação sempre foi o encanto dos trovadores medievais, dos primeiros escritores, dos autores teatrais e dos romancistas.

         Um final feliz para uma separação traumática, nos tempos atuais, já começa tropicando na ideia de separação. Se não for por causa mortis, como imaginar um apartamento, num tempo de internet, WhatsApp, Facebook, Skype e todas as formas de comunicação modernas.

         Um rompimento familiar, ou diferenças étnicas e religiosas podem separar os indivíduos, não sua comunicação.

         O caso de José Luís e Ana Clara era diferente. Nada de questionamento familiar, nem cultural, nem étnico. Profissional, menos ainda, ambos eram médicos felizes e realizados.

Haviam se conhecido numa festa de dia dos namorados, no baile do Centro Acadêmico e marchavam gloriosamente para o que seria um casamento feliz e bem realizado.

         E o porém, como entrou na história?

         Diferença de gêneros:

- Ana Clara era mulher, pés no chão, cabeça erguida, mas não nas nuvens. Sonho: uma boa casa, filhos e sucesso profissional.

- José Luís era o rapaz socialista dos dezoito, estava longe do assentamento dos sessenta. Aderiu aos médicos sem fronteiras e foi parar na Nigéria.

         Separaram-se fisicamente, mas continuavam se vendo e falando através dos mecanismos que a moderna tecnologia fornece. A coisa ia assim, ela firme, ele balançando, achando que já fizera bastante pelos sem fronteira, quando se instalou o silêncio.

         Ele sumiu. Ela descobriu que realmente o que sentia era amor e amor sincero, profundo. Mergulhou no trabalho, destacou-se, cresceu.  Só de noite, sozinha se dava ao luxo de chorar.

         Passou-se quase um ano e nada... No de repente aquela foto, José Luís, magro, mal se aguentando nas pernas. Tivera ebola numa aldeia remota e deserta e estava vivo por milagre.

         Milagre chama milagre, ela embarcou para lá e voltou com ele de maca. Recuperou-se e casaram.

         Ele menos socialista, ela o rochedo de sempre, não fazia cama na varanda nem esquecia o cobertor.



Meu amigo e seu cão. - Fernando Braga




Meu amigo e seu cão.                    
Fernando Braga  


Quando morava em uma casa em bairro tranquilo, desde que assaltantes nela entraram há uns 10 anos, adquiri um belo, forte e respeitável cão, doado por um grande amigo. Era um filhote de Rottweiller, que criei com muito carinho, todos os cuidados indispensáveis, necessários para sua boa saúde. Cresceu tornando um animal enorme de 75 quilos, que me escolheu para ser o elemento da casa a quem considerava seu dono, seu amigo. Nunca tive receio dele em relação às crianças que frequentemente estavam em casa. Foi aí que compreendi que realmente, o cão, bem alimentado, é o melhor amigo do homem. Foi atropelado quando partiu em direção a um gato que viu do outro lado da calçada e morreu na hora. Enorme desgosto.

Uns dois anos após, entreguei minha casa para um dos filhos e mudamos para um apartamento em local tranquilo, seguro, onde minha esposa teria menos trabalho.

Neste condomínio, acostumei-me a caminhar diariamente uma boa distância e depois nadar na piscina coberta e climatizada. Foi aí que conheci um de meus vizinhos, mais jovem, muito simpático, um conhecido e respeitado, ex-técnico de futebol. Agora rico, desistira daquele sofrimento diário e infernal, que o futebol lhe causava todos os fins de semana.

Passamos a nos encontrar pela manhã, quando descíamos para caminhar nas dependências do condomínio e em um pequeno parque próximo. Pouco tempo depois, convidou-me para um aperitivo em seu apto, ao qual logo retribui. A amizade de nossas famílias cresceu. Quando o visitava, fiquei conhecendo Diana, uma cadela Labrador Retriever, negra, que era dócil, amiga e não despertava qualquer receio em lhe alisar a cabeça. Muito diferente de meu cão, ao qual ninguém ousava chegar perto, embora confiável.

O labrador vivia dentro de seu apto, com sua casinha no setor da lavanderia, mas não saia do local em que as pessoas estavam, na sala de visitas ou de estar, assistindo TV.  Quando conversava com meu amigo, Diana não saia de seu lado, deitada junto a seus pés.

Logo percebi, que como eu, tinha devoção a cão, a quem considerava gente!

Certa noite, tomando vinho, me deu uma aula, falando da raça de sua cadela, sua origem, chegada ao nosso país, a raça mais popular depois de 1991. Falou de sua educação, inteligência, da necessidade em fazer exercícios diários, caminhar, correr, brincar. Diariamente alguém tinha que dar uma volta com ela, em geral a empregada, mas nos fins de semana, era ele.

Aos poucos também me acostumei e, quando ia visitá-lo, ficava passando a mão na cabeça e no corpo de Diana, com aquele pelo sedoso.

Ha um mês, recebi a visita do casal, cujo intuito era solicitar-nos um grande favor. Ia para a Europa onde ficariam duas semanas e o cão, evidentemente, não os acompanharia. Sua empregada, que morava bem longe, viria diariamente para manter o apto limpo e arejado, mas, principalmente, para cuidar da cachorra, dando-lhe água, ração bem medida e ainda dar  uma volta com ela, pelo parque próximo. Contudo, para ela, seria muito difícil vir nos fins de semana, pois tinha muitos afazeres em sua casa, com sua família.

Assim, ele me solicitou, caso possível, se nos dois fins de semanas, eu poderia tomar conta do cão, descendo a seu apto, colocando a água e comida e depois levando-o a passear, pelo menos uma vez ao dia, cerca de uma hora. Evidentemente, eu que estou aposentado, me dispus a executar estas funções, tratando daquele cão, com o qual também me afeiçoara. Fomos até seu lar e lá me mostrou o local da ração, a vasilha d´água, a correia para conduzi-la, a escova para passar em seu pelo, a bola para brincar com ela. Deu-me uma cópia da chave seu apto e informou à direção do condomínio de seu afastamento e a autorização para que eu entrasse livremente em seu nosocômio.

Tudo ocorreu normalmente na primeira semana, trouxe o cão para ficar um pouco em nossa casa, escovei seu pelo, e depois sai para a volta, onde exercitei-o ao máximo, que eu podia.

Na segunda semana, a última, pois eles chegariam na segunda feira cedo, resolvi colocar o cão em meu carro e com minha mulher fomos andar em um parque, com muitas árvores, pista para andar e correr, rodeado por casas bonitas, que costumávamos frequentar quando ainda morávamos em nossa casa no Alto dos Pinheiros. Saímos a andar, cão em uma correia, mas depois resolvemos soltá-lo para que pudesse brincar à vontade. Ficamos com o olho nele.

Em dado momento, sentados em um banco, conversando, vimos um carro saindo de uma casa em frente, quando pelo portão ainda aberto, saiu em correria um enorme Pitbull amarelo, que dirigiu-se diretamente para a nossa cadela. Com enorme ferocidade pulou em seu pescoço, junto à sua goela, derrubando-a ao chão. Eu que sempre carrego um bastão   quando ando e saí em direção aos cães, comecei a gritar e fortemente bater no corpo do Pitbull, mas sem resultado. O desgraçado, não soltava as presas da porção anterior do pescoço de Diana, jogando sua cabeça para um lado e para outro.

Algumas pessoas, bem temerosas, vieram me ajudar, puxando o rabo do Pitbull, mas ele não largava. Foi aí que o dono do cão, que presenciara de longe o quadro, percebeu que era seu cachorro que havia escapado para a rua, enquanto mantinha o portão aberto. Grudando a coleira do mesmo, gritando seu nome, conseguiu soltá-lo, colocar a focinheira e conduzi-lo de volta à sua casa. Veio depois dar satisfações e se dispor a levar Diana, bem machucada, imediatamente, a um pequeno hospital veterinário.  Fomos em um carro único, Diana com a cabeça em meu colo, desacordada.  Chegando logo ao hospital, fomos imediatamente atendidos por uma veterinária, que ao examinar Diana, logo nos falou:

- Está morta!

- Meu Deus! Que fatalidade! Disse eu. O cachorro não é meu e inventei de vir passear com ele aqui! O dono do outro cão, desesperado, não tinha o que dizer, mas várias vezes repetia baixinho:

- Vou ter que sacrificar este desgraçado, talvez eu mesmo o faça, chegando em casa.

Ficou sabendo que o cão morto, não era meu, mas de meu vizinho, de quem ele também, muito ouvira falar!  Apenas ele completou:

- Vou te dar meu telefone para entregar a ele, para me procurar.

Passei aquele dia como se tivesse desabado o mundo sobre mim! Eu queria sumir! Mas pensei: É a vida!! C´est la vie!

No dia seguinte, nervosamente, na chegada do vizinho, cabisbaixo, comuniquei o fato a eles.  A empregada, que foi quem mostrou-se desesperada, mas devem ter pensado: Aquele FDP!

-Afinal, entre nós! Meus queridos, era um cão!

 A amizade continuou a mesma, mas guardar em meu peito a terrível sensação de que fui o culpado, é muito para a meu pobre coração, de um velho aposentado!




MAU AGOURO - Sérgio Dalla Vecchia


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MAU AGOURO
Sérgio Dalla Vecchia


Mercedes era uma socialite, moradora em mansão na Cidade Jardim.

Tinha uma vida notívaga, e ao sair sempre cumprimentava o guarda noturno, que lhe retribuía com um aceno de mão.

De volta, pela madrugada, repetia o gesto, enquanto ele vigiava a entrada da garagem.

Certa noite, quando saia, reparou que o guarda tinha um gato preto enroscando-se em suas pernas.

Soltou um grito !

— Que é isso seu João, um gato preto?

O pobre guarda assustou-se com a exclamação da dona Mercedes, que sempre gentilmente o cumprimentava, e respondeu:

— É só um simples gato preto, que acolhi para me fazer companhia.

Indignada ela retrucou:

— Não é só isso não, ele traz azar se o avistarmos quando saímos de casa. Eu sou muito supersticiosa, não quero mais ver esse gato por aqui. Resolva urgentemente. – Ordenou a socialite.

Já de volta pela madrugada, deparou-se com a mesma cena da ida.

Exaltada bradou:

—Eu não mandei o senhor resolver o problema com gato preto?

—Sim, eu entendi perfeitamente dona Mercedes, a senhora falou que ele dava azar quando avistado na saída da casa, mas agora a senhora está chegando, então não dará mais azar nenhum!

—Para amanhã, já consegui um gato amarelo para a senhora ver quando sair. Agora na volta, me desculpe, fica Tião mesmo!

Um olhar para o Primeiro Mundo - Suzana da Cunha Lima



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Um olhar para o Primeiro Mundo
Suzana da Cunha Lima



Estava eu, na varanda de minha cabine, vendo o navio seguir tranquilo num mar salpicado de pontinhos luminosos enviados pelo sol que nos acompanha desde sempre. E a avaliar nossa viagem por algumas das nações mais desenvolvidas do mundo.

Chegamos em Amsterdam no último dia no qual o Keukenhof Gardens estaria aberto, em Lisse. (só abre ao público oito semanas por ano) É considerado o maior jardim de flores do mundo e certamente, o mais bonito. Sete milhões de bulbos, dos quais quatro milhões e meio só de tulipas, a flor nacional. É de se perder o fôlego ver aqueles tapetes multicoloridos de incrível beleza, usando as cores das flores para formar belos desenhos. Amsterdam é uma cidade fervilhante, cheia de novidades tecnológicas, acolhedora, bonita, com seus canais maravilhosos, que deslizam por construções encantadoras e muito bem conservadas.

A Holanda, em si, é um fenômeno da natureza, na sua luta contra a invasão das águas do mar. Isso não a acovarda nem diminui o ímpeto de seu progresso. País liberal e acolhedor em todas suas formas, oferece lindas paisagens e lugarejos antigos e bem conservados,  moinhos, fábricas de tamanco, queijos, diamantes, entre outros, e Madurodam, a cidade miniatura. Riquíssima cultura espalhada em cidades importantes no cenário mundial como Roterdã, Haia e Delft e inúmeros museus. E berço de Rembrandt, Vermeer e Van Gogh e outros mestres, para se dizer o mínimo.

Depois embarcamos rumo a Escandinávia. E já nos deparamos, em cada porto, com uma nova paisagem, uma nova linguagem, novos tipos humanos e uma cultura diferenciada. A natureza deslumbrante de Bergen, Flaam e Hellesyt/Geiranger, alguns dos maiores fiordes da Noruega, que logo na chegada nos concedeu 15 graus com sol e ao subir uma montanha de mais de mil metros, uma nevasca silenciosa que cobriu tudo de branco em minutos.  Foi sensacional!!!

Noutro dia rumamos para conhecer os canais de Estocolmo com suas margens lindíssimas, e a cidade de Copenhague, que sempre nos recorda a infância na figura da Pequena Sereia. Grande surpresa ao visitarmos a linda e personalíssima Tallin, na Estônia e, por fim, em frente ao mar Báltico, São Petersburgo, a cidade mais bela da Rússia, com enormes e majestosas construções às margens do rio Neva.

Qual o denominador comum destes países tão diversos com tão alta qualidade de vida?  Eles atravessaram guerras cruentas, invasão de terras, fome, destruição. O clima gélido não os favorece, e os contínuos ataques desde tempos antigos, obrigou-os a estar sempre alerta, na conquista e preservação da liberdade que, para eles, chegou embrulhada em  sangue e lágrimas.

No entanto, preservam com orgulho seu passado, como os alicerces deste presente de extraordinário bem-estar que hoje vivenciam, mas sempre atentos a um futuro que garanta que as riquezas adquiridas e o bem-estar social sejam distribuídos com equidade e justiça.

A Escandinávia foi uma grata surpresa. E no final da viagem paramos em Berlim, lembrando que ela foi quase totalmente destruída na Segunda Guerra Mundial. Hoje é uma bela cidade,  com seus parques verdes, sua calçadas amplas e avenidas muito largas, e sua excelente cerveja, bares e juventude que gosta de se divertir. Há museus por todo lado e para todo gosto. O parque de Tiergarten é maior em área do que Mônaco, o rio Spree oferece  belíssimos passeios de barco, nos brindando com suas margens bem cuidadas, e todo o verde possível neste final de primavera.

Muitos falam que a alta taxa de suicídio nos países nórdicos se deve a terem tudo nas mãos, não há mais por que lutar. Melhor a bagunça aqui do Brasil, com seu calor humano e o sol dos trópicos. Que engano... Desde quando organização, limpeza e honestidade conduzem à depressão e infelicidade? Por que nosso rio Pinheiros e Tietê e a baia de Guanabara precisam ser poluídos, depósito de tudo quanto é tipo de lixo e dejetos, em vez de terem suas margens bem cuidadas e suas águas límpidas? Por que há gente ao relento, crianças na rua, educação e saúde das piores do mundo, já que nunca atravessamos guerra alguma, na magnitude que a Europa sofreu?

O Brasil tem recursos quase infinitos, natureza exuberante, povo cordial e criativo.  Somos uma nação linda, de coração quente, solidária e amorosa. Temos tudo para ser um grande país. O que nos falta?

Primeira noite na casa nova - Maria Verônica Azevedo


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Primeira noite na casa nova
Maria Verônica Azevedo


        Ela tinha mudado recentemente para aquela rua. A mudança ocorreu com certo estresse. A grande quantidade de objetos delicados colecionados por Doralice deixou o ritmo da arrumação um verdadeiro tormento para os profissionais da empresa de mudança. O vizinho observava da janela. À noite, sentado na varanda, pegou de conversa com Josué, o guarda-noturno, que sempre passava por ali e parava para um dedinho de prosa.

        Conversa vai, conversa vem, o vizinho foi contando detalhes dos movimentos da mudança de Doralice. É claro que o relato era repleto de ironia e alguns exageros.

        Josué andava sempre acompanhado de seu gato, que nem sempre era percebido pela vizinhança, tão preto e discreto ele era, andando em ziguezague entre as pernas do rapaz.

        Vez por outra, se ouvia um miado quando o bichano divisava algum rato. Aí então ele se distanciava de seu companheiro de vigília. E só se acalmava depois de estraçalhar sua presa.

        Naquela noite, o rato que ele viu correu na direção da casa da vizinha.

        Devido ao forte calor, a esnobe senhora deixara a janela da sala aberta.

        Não deu outra... Foi por ali que o rato se meteu.

        Ao gato preto não restou alternativa senão alcançar a janela e pular dentro da sala da mulher.  

        A perseguição durou algum tempo, enquanto se ouvia uma confusão de sons de coisas quebrando e Doralice gritando por socorro.

        Do lado de fora, Josué tocava a campainha com insistência oferecendo socorro.

        Em vão.

        Algum tempo depois a porta da frente foi escancarada. O gato surgiu triunfante com o rato desfalecido entre os dentes.

        E Doralice sentou-se na soleira da porta aos prantos.

        A sala mais parecia um monte de escombros.
       


MOMENTOS DA VIDA - Sérgio Dalla Vecchia



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MOMENTOS DA VIDA
Sérgio Dalla Vecchia





Cássia era uma moça estudiosa, gostava de idiomas. O sonho era morar no exterior.

Aplicada, formou-se em arquitetura em renomada Faculdade na cidade de São Paulo.

O escritório de Arquitetura, onde já era estagiária, reconhecendo seus méritos a efetivou como arquiteta.

O momento era de pura felicidade. Já namorava há algum tempo um engenheiro mecânico. Esforçado, tinha montado loja de acessórios  para automóveis. Os negócios iam de vento em popa e mais algum tempo ele pediria Cássia em casamento, esse era o plano.

O namoro ia bem, as famílias já se conheciam e ambas não tinham restrições com o relacionamento.

Lucas, o engenheiro, apreciava velejar nos fins de semana na represa  Guarapiranga, tinha sempre Cássia como tripulante nos ventos fortes e namorada nas calmarias.

Tinham muita empatia, a menos da ambição de Cássia versus pé no chão de Lucas. Por vezes já haviam debatido essa divergência.

Assim, após algum tempo, ela foi surpreendida no Escritório, com uma notícia para lá de boa. Eles resolveram abrir uma filial em Nova York, e o dono a convidou para acompanhá-lo, para ajudar a compor uma equipe, sendo ela a coordenadora.

A notícia caiu como uma bomba! Espalhou planos, ideais, metas, conceito de vida, até que os fragmentos assentassem nos vários senões da vida em sociedade.

Ela irradiava alegria, conseguiu realizar seu grande sonho, ao mesmo tempo ansiosa em lidar com o caos emocional gerado.

—Como convencerei a família, meus pais acredito que apoiarão, mas Lucas, pelo que conheço, não irá aprovar!- Pensava Cassia.

—Será que ele irá comigo, mas o seu negócio, como ficaria?- Dificilmente poderia abandoná-lo, Remoía.

Assim, a poeira baixou e após muita conversa, acertaram o seguinte; ela iria e ele a visitaria em noventa dias e daí teriam nova conversa.

O dia da partida chegou!

Já no aeroporto de Guarulhos, Cássia eufórica, não via a hora  de embarcar.

Lucas, com olhar triste, acompanhava os movimentos, na esperança de uma desistência ou ao menos uma despedida hollywoodiana. Nada especial, abraços e beijos nos pais e o mesmo para o desconsolado namorado. Virou-se rumo ao embarque.

Enfim Nova York!

Cassia logo instalou-se em um pequeno apartamento, previamente locado pelo Escritório em Manhattan.

A nova Filial era próxima e logo criou-se a rotina de ida e vinda, fazendo o percurso a pé. Logo aprendeu com as americanas, que antes de tudo vem o conforto, calçar tênis para a caminhada e o salto alto na mochila, para desfilar no escritório.

Assim o tempo foi passando, ela formou uma boa equipe, o dono voltava cada vez mais frequente para o Brasil, deixando-a no comando da Filial.

Seu inglês tornou-se fluente e o espanhol ia pelo mesmo caminho, devido a quantidade de hispânicos. 

O namoro estava morno por dela, as novidades e aprendizados da nova vida, a ajudavam a não pensar muito nele.

Conheceu alguns rapazes, participou de alguns happy hours e assim vivia. Estava feliz, tudo deu certo.

Lucas por sua vez, fazia a rotina da loja, trabalhava bastante, mas era em casa que se lembrava dela. Por noites seguidas, não conseguiu apagar a sua imagem. Sofreu bastante.

Enfim, passaram-se os noventa dias e ele embarcou para Nova York, conforme o combinado.

Lá chegando, foi muito bem recebido com beijos e abraços. Estava alegre, pode sentir novamente o corpo da namorada junto ao seu.

Foram para o apartamento e lá se instalou. A permanência era de apenas três dias, pois a loja no Brasil não fluía sem sua presença. Ele era o faz tudo.

Aproveitaram para passear nos pontos turísticos, estátua da Liberdade, Central Park, Broadway, restaurantes e tantas outras atrações da metrópole.

Estavam se divertindo bastante, até que em um momento mais calmo, resolveram conversar sobre o futuro.

Cássia estava bem e queria continuar em Nova York e pediu para Lucas vender a loja e montar um novo negócio perto dela. Não queria de forma alguma abrir mão do seu  sonho.

Ele, por sua vez lutou muito para abrir a loja e por seu temperamento pé no chão, não queria arriscar em uma desconhecida empreitada. Queria mesmo é que ela voltasse com ele para o Brasil.

Enfim, empasse!

Discutiram, na tentativa de mudarem um ao outro. Nada, tudo em vão.

Eles já não eram os mesmos. Sentiam isso!

A solução em comum, foi acabar com o namoro.

Lucas voltou para o Brasil e já no próximo fim de semana foi velejar na companhia de Érica, uma alemãzinha que substituiu Cassia como tripulante, e daquele momento em diante, também como namorada nas calmarias.

Cássia, depois da separação, continuou investindo na carreira e  também nos  happy hours, saboreando seu drink predileto Cosmopolitan, acompanhada sempre de um querido amigo executivo.

— C’est la vie! – Exclamaria ela, se estivesse em Paris.



 [UdW1]A quantidade de hispânicos que se relacionavam com o escritório.

QUEIJINHO. - Mario Augusto Machado Pinto




QUEIJINHO.
Mario Augusto Machado Pinto

Felix, Fê para os íntimos, é menino agitado por natureza. Seus pais dizem que tem bicho carpinteiro no corpo. Faz tudo rapidamente, não importa se bem feito; o importante é fazer. Como ele mesmo diz o negócio é ficar livre da “coisa”. Chega a se engasgar devido à sofreguidão com que come, pois quase não mastiga os alimentos, engole-os; não namora, diz que é muito chato, cheio de demorados lengalengas.

Não é que um dia conheceu a Brígida e como não podia deixar de ser, apaixonou-se num estalo. Vivia sempre junto dela, tanto que seus amigos e colegas gozadores diziam que ele era o “chiclete do amor do queijinho Brie”, gostoso, tão comestível quanto.

Namoravam há muito tempo quando aconteceu a desgraça: o pai de Fê foi transferido para o Pará. O “Adeus” foi à Deus mesmo: dramático, com lamúrias, choro, soluços, fotos, promessas mil, beijos de gastar os lábios. Para não se esquecer ganhou da Brie a blusinha que ele “conhecia” muito bem.

Passaram-se os anos, as cartas minguaram, a saudade foi embora sabe-se lá para onde confirmando o “Longe dos olhos, longe do coração”, mas Fê sempre manteve a esperança de reencontrar a Brie. Dizia que era o seu destino, e, de fato, reencontrou-a no casamento do neto de um seu amigo. Ela era a madrinha da noiva.
Foi uma alegria só, gritos de Brie e Fê ecoando pela igreja que por sinal era dedicada a Santo Antonio. As lágrimas eram tantas que os convidados diziam que logo mais à noite haveria uma enchente enorme no sitio do pai da noiva.

Preciso dizer que Padre João celebrou o casamento deles alguns dias depois?



O panda que foi para o beleléu - Ises A. Abrahamsohn






O panda que foi para o beleléu
Ises A. Abrahamsohn


Mãe! Onde está o Gino?

 Foi a primeira coisa que a mãe ouviu de Laura quando chegou do trabalho. A menina estava perturbada. Nem deu o costumeiro beijo.  No momento seguinte já puxava a mãe pela mão com um apelo choroso:

Mãe! Você guardou ele em algum lugar?  Ele não está na minha cama,  nem na cômoda e nem na caixa de brinquedos. Como vou poder dormir sem ele? O Roberto disse que eu já tenho oito anos e  que você ia jogar ele fora. Mas eu não acredito. Você não ia  fazer isso, né mãe ?

A mãe ponderou a gravidade do caso. 

Claro que não, Laura. O Roberto só falou isso para te chatear. Nós vamos procurar o Gino juntas.  Daqui a pouco.  Você já procurou no seu quarto? Procurou bem, bem mesmo?

Gino era um urso panda de pelúcia que Laura abraçava toda noite ao dormir. Apesar de muito sujo ainda era o preferido entre a bicharada que povoava o quarto da menina.
A mãe subiu a escada do sobrado até seu quarto para trocar de roupa. Estava cansada. A vontade era se deitar e descansar, mas Laura não deu trégua. Ficou rodeando e perguntando a cada minuto quando iriam começar a procurar o bicho.

Ouviram a porta da frente sendo aberta. Era Roberto que chegava da escola. Após um beijo rápido a mãe perguntou ao garoto sobre o bicho de estimação da irmã. O adolescente riu:

Sei lá, mãe. Sumiu!  Deve estar no beleléu. A Laura  ficou me enchendo a manhã toda por causa daquele trapo feioso e sujo. Que nojo! Vai ver que a Dona Alzira jogou ele fora. Como eu vou saber? Por que ela não pega o coelho ou o urso marrom pra dormir?

A garota começou a chorar.

Tá vendo mãe? Olha  como ele é ruim. E o Gino não é um trapo sujo. Mãe, que lugar é o beleléu? Ele já falou hoje isso. Disse que é muito longe, de onde ninguém volta. E se o Gino não voltar?

A mãe suspirou.... Veio-lhe à memória o bichinho de sua infância. Era um cachorro macio e orelhudo com o qual conversava antes de dormir. O que aconteceu com ele? Não se lembrava mais.  E junto com a lembrança veio a  empatia com a aflição da filha.
Querida... Beleléu é apenas uma palavra para a gente dizer que é um lugar longe que a gente não sabe onde fica. Nós vamos achar o Gino.

E vistoriaram toda a casa.  Sala, armários, todos os cômodos e até o quarto do Roberto, acusado de esconder o urso. O menino, injuriado, emburrou.

Ainda sobrava a lata de lixo na área externa. Por sorte estava quase vazia e lá também não estava o Gino.  Foi quando a mãe teve aquele lampejo que só as mães que procuram coisas têm. O lixo estava vazio porque Alzira tinha vindo trabalhar naquela manhã. A mãe olhou para cima. Tinha chovido, e Alzira pendurara a roupa na área coberta. E.... lá estava o Gino pendurado pelas duas orelhas no varal escondido por lençóis e camisas.

Laura pulava de contente. O panda tinha recuperado o  branco do pelo depois da vigorosa esfregação  da Alzira. Ainda úmido, o urso foi carinhosamente abraçado e depois secado com secador de cabelo.

Na hora do beijo de boa noite, Laura esticou o urso para a mãe beijar.

Agora que ele está limpinho você também pode beijar ele, mãe, você merece!