O encontro do vírus com a bactéria.
Fernando Braga
14-04-2019 Dia nacional do
neurocirurgião
Ele era um cabra forte, com físico
avantajado, considerado bonitão no ambiente em que vivia. Já tinha namorado a
grande maioria das bactérias, desde as menos, até as mais resistentes ao grande
inimigo, o antibiótico.
Um dia, ele se encontrou com uma
superbactéria e assim que a viu sentiu como que uma flecha atravessando seu peito.
Ao olhá-la, potente, mas feminina, corpo hexagonal, logo pensou fazer de sua
vida, uma vida paralela à dela. Tendo tido muitas experiências anteriores,
aproximou-se feito uma marola suave que apenas cobre os pés na areia, e foi perguntando
o seu nome. E ela lançando um olhar melindroso, respondeu que se chamava Klebsiella
Pneumoniae Carbapenemase, mas que podia chama-la de KPC.
Ele inflou o peito mostrando
satisfação e orgulho, com voz imposta, se apresentou como o Mr. Herpes Zoster,
cujo apelido era “cobreiro”, descendente da família do vírus da varicela,
também causador da catapora. Ela pondo a mão no coração, pasmada, referiu que
já o conhecia de nome, de sua fama, pois ele tinha tido caso com a maioria de
suas perigosas amigas, a Salmonella, a Shiguella, a Escherichia coli e até com sua
prima a Klebsiella , com a qual brigou por causa da Pseudomona Aeruginosa,
aquela desalmada e outras mais, todas conhecidas como bactérias
super-resistentes.
Ele convidou-a para um passeio e
trocarem ideias e assim ocorreu, notando que ela havia se interessado também
por ele. Após se sentarem em um banco, ela perguntou o que ele fazia. Respondeu
que tinha a vida calma, permanecia em latência até que alguém mais velho, ou
aquele que tivesse uma queda imunológica como os portadores de hipertensão,
diabetis, câncer, Aids e principalmente os transplantados, aparecessem em sua
frente, e aí os atacava. Enfatizou que gostava
mais de entrar nos nervos do tórax dos humanos, nos intercostais produzindo
dor, coceira, febre e depois o que mais o deliciava era formar vesículas ao longo
destes nervos, de um lado apenas e, que os humanos chamavam de cobreiro. Daí o
meu apelido. Demoro uma semana ou duas em atividade e daí parto para outras,
mas estas minhas vítimas vão continuar sofrendo por muito tempo após minhas
vesículas terem secado, deixando uma marca. Aí sobrevêm uma dor atroz, com
sensação de queimação, inchaço, que piora quando qualquer coisa toca a região
lesada, até um simples toque, mesmo um sopro. Causa um sofrimento diuturno e
não é qualquer remédio que vai aliviar ou curar, nem mesmo as cirurgias de
denervação local.
Eu sou foda, minha amiga! E outra
coisa, não quero que me confunda com meu primo o herpes simples que é um sacana,
malandro e fica sempre de prontidão para se desenvolver, causando aftas, e feridinhas
nos lábios, na boca e partes genitais, e fica esperando que as pessoas se
beijem, ou façam sexo, para agir.
Gozado que outro dia, encontrei com
um amigo, cujo apelido é “pé de atleta” ou frieira. Adora ele formar micose nos
pés, coceira intensa entre os dedos, com descamação e rachaduras. Aparece
naqueles caras que usam tênis, calçam-no sem enxugar bem os pés e costumam não
usar chinelos em banheiros públicos, clubes. Me contou que estes indivíduos
adoram passar o indicador entre os dedos dos pés para coçar e depois cheirá-lo.
Por que será? Eu também não soube responder.
Olha, muitas vezes ataco também o
nervo do rosto causando nevralgia do trigêmeo, terrível e também o nervo do
ouvido levando à surdez e em casos raros, até produzo uma encefalite. Meu primo,
o que dá o herpes labial, mais do que eu, pode dar uma meningite e encefalite. Cruz
credo para os humanos!
A mim, estes nojentos antibióticos,
seus inimigos nunca me atingiram.
Bem, já falei muito de mim, fale
agora de você, que parece garota muito importante! Confesso que “Não te guento”!
Bem, não me julgue jactanciosa, mas
eu simplesmente sou a bactéria mais super resistente da atualidade, nenhuma se equipara
a mim. Me descobriram nos USA apenas em 2000, logo, sou ainda uma mocinha.
Venho de uma geração de bactérias que sofreram muitas mutações genéticas para
adquirirem resistência ao nosso grande inimigo, o antibiótico, que começou a
ser usado em 1940, durante a guerra. Veja bem, muitos e muitos antibióticos
surgiram para nos matar, mas agora a mim, não fazem muito mal, pois resisto a
todos. Causo pneumonias, infecções nos tratos urinários, infecções sanguíneas,
em feridas cirúrgicas posso produzir uma
infecção generalizada. Levo a maioria à morte.
Os debilitados fisicamente e as
crianças são os meus preferidos. Vivo sempre em hospitais e detesto a higiene usada
em muitos deles. Agora deram de lavar as mãos, passarem aquele gel com álcool,
que muito me irrita. Mas, não consigo viver fora dos hospitais. Quando me acham
presente em exame de laboratório, procuram isolar a minha vítima, tolhendo-me
os passos.
Sinceramente, quero ver logo o que se
chama de “o apocalipse dos antibióticos¨. Demorou muito anos para que meus
ascendentes fossem criando resistência a eles, principalmente graças àqueles
que viviam tomando antibióticos desnecessariamente ou fazendo tratamentos
incompletos. Graças a isto, hoje aqui estou eu, inteirinha. Espero viver muito,
mantendo esta resistência!
Ouvi dizer que em 2050, só mais 30
anos, vamos matar uma pessoa a cada 3 minutos no mundo! A Salmonella e a Shigella,
minhas amigas, que você namorou, têm matado cerca de cento e sessenta mil pessoas todos os anos, através de alimentos
contaminados.
O diabo é que também ouvi, que agora
estão usando uma nova versão da Vancomicina, do qual sempre tive muito medo. E
ainda, que estão quase no ponto de usarem a chamada bactéria canibal, com o
nome muito estranho de Bdellovibrio bacterriovorus , um antibiótico vivo, capaz
de nos destruir, principalmente minhas amiguinhas Salmonellas e as Shiguellas. Este sacana
canibal tem uma movimentação muito rápida, se infiltra dentro das bactérias e
depois de se alimentar, se replicam e explodem em seu interior. Os testes de
laboratório têm mostrado que no caso das Shiguellas, 99,9% delas, desaparecem
pela ação destes miseráveis canibais!
Bem meu amigo, já conversamos e
perdemos muito tempo! Vai dar algum programinha ou não? Eu também não te
guento!
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