SEGREDOS DE FAMÍLIA - Carlos A. Cedano - CONTO DE FÉRIAS Nº 3



CONTO DE FÉRIAS Nº 3


SEGREDOS DE FAMÍLIA
Carlos A. Cedano

Dona Carmem olhou para o marido e disse:

        — Precisamos conversar com urgência sobre uma grave suspeita que não me dá sossego. Tenho certeza de que minha filha, sua enteada, está grávida!

        — E o que te faz pensar isso, mulher!

        — Uma mulher percebe logo. Enjoos, azia, desarranjos e só quer dormir, cansada o tempo todo! Preciso dizer mais?

        —Mas, quem é o pai? Perguntou com semblante de preocupação.

        — Não sei! E ela não vai falar. Ela disse que nem morta vai contar,  e nega a gravidez! Já insisti várias vezes, e cada vez se recusa com mais violência e agressividade!

        — A situação é grave, Carmem! Está em risco nossa posição social, minha promoção a Juiz do Tribunal Superior,  e expõe nossos filhos ao escárnio público. Ter uma filha grávida sem saber quem é o pai, isso é demais!

        — Que vamos fazer Francisco?

        — Primeiro consultar um médico da capital, desconhecido e que não receberá todas as informações sobre a Sarah.

Francisco levantou-se da poltrona e foi falar com a enteada. Tiveram uma conversa a sós por mais de uma hora. Ninguém soube o teor. Quando terminaram, Sarah parecia apavorada!

Duas semanas depois Dona Carmem, uma robusta mulher beirando aos quarenta, e sua filha Sarah, empreendiam viagem para a capital do estado para “visitar parentes que há tempos não viam”.

Nos dez dias que durou a ausência das duas mulheres o Juiz Francisco foi conduzido ao cargo de Juiz do Tribunal Regional. Nomeação esperada, mas não tão rapidamente! Isto reforçou a sua posição e acentuou o medo nas pessoas, pois tinha fama de ser extremamente rigoroso, e cruel!

Perto do Juizado havia o mercadinho de João Breno, um rapaz de 30 anos e recém-casado. Na sua loja vendia de tudo, e o Juiz Francisco passava frequentemente para comprar cigarros. Aos poucos foi surgindo certa aproximação entre eles.

Um dia o Juiz chamou João Breno ao seu gabinete. O motivo da reservada conversa ninguém ficou sabendo, salvo que durou quase a manhã inteira.

Quando a filha de Sarah nasceu, foi registrada como filha de João Breno. Tudo dentro da maior discrição. Repentinamente os negócios do João tiveram grande crescimento e modernização. A menina foi criada em dois lares, na casa do João, e na casa do juiz onde era requisitada constantemente “para visitar os padrinhos”.

Quando o Juiz Francisco morreu, os filhos já estavam graduados e trabalhavam na capital. As filhas  casaram com jovens da pequena cidade.

Dona Carmem e Sarah também foram morar na capital do Estado, levando a pequena Sonia Maria com elas. Sarah recuperara a filha, que via “seu pai” Breno durante as férias escolares. Guardava belas lembranças dele, adorava-o!

Muitos anos depois, em alegre almoço familiar de domingo, um dos primos de Sonia observou a semelhança que havia entre ela e seu pai:

        — Gente, vocês perceberam a cara de meu pai e a da prima Sonia Maria? São iguais, parecem gêmeos! Olhem! Vocês não acham?

Fez-se silêncio pesado e desconcertante. Ninguém reagiu. Ninguém ousou responder!  Os que não sabiam, perceberam! E os que fingiram durante todos os anos, pálidos, mordiam os lábios!

A mãe do garoto apressou-se e puxou-o pelo braço saindo rapidamente da sala de jantar. Atrás deles foi o marido. Aos poucos as visitas discretamente, foram “sumindo”. Restou apenas Dona Carmem, Sara e Sonia Maria. Foram três tragédias num só ato!

Sonia Maria, muda,  ficou como sonâmbula. Em estado catatônico foi para  o quarto, e dormiu muitas e muitas horas.

Dona Carmem ficou desnorteada, e dolorida ao descobrir algo  que tinha estado todo o tempo embaixo de seu nariz. Não resistiu à traição e ao pecado do falecido juiz,  e em poucas semanas faleceu de tristeza.

Sarah quase morreu de raiva. Gritava: Meu segredo! Ia levá-lo comigo para o túmulo! Acho que perdi minha filha pra sempre! Rosnava chorando.

Passado um tempo, quando já se sentia um pouco aliviada da dor, Sonia Maria viajou até a cidade de seu pai. Ele foi avisado, antecipadamente, por Sarah. Quando a jovem chegou Breno estava chorando, e lhe pediu perdão. Porém, ela queria saber toda a verdade, e queria ouvi-la da boca de quem até agora chamou de pai!

Ele contou o acordo feito com o Juiz. E que ele assumiu a paternidade, já que o Juiz não poderia fazê-lo. E, para isso, recebeu muito dinheiro. 

        — Então! Eu sou filha de meu avô com a enteada! É isso?

        — Sim! - Sussurrou Breno quase inaudível.

Sonia Maria, estupefata,  calou. Voltou para a capital no mesmo dia, e sem falar com mais ninguém, despareceu.

Nunca mais foi  encontrada!


O MISTERIOSO SENHOR RIOS - Carlos A Cedano - CONTO DE FÉRIAS Nº 2




CONTO DE FÉRIAS Nº 2


O MISTERIOSO SENHOR RIOS
Carlos A Cedano

Era um homem estranho. Não tinha contato com os vizinhos do prédio, não conversava com ninguém. No elevador não respondia os comprimentos, ninguém o tinha visto sorrir, ninguém lembrava o som de sua voz. A meu ver escondia alguma coisa.

Dias passavam, semanas e messes e sempre a mesma rotina: saia por volta das dez e meia da manhã com roupa esportiva, com uma mochila nas costas e sempre usando um boné. Voltava quase às duas horas da madrugada.

Nada de correspondência pessoal. Na sua ficha aparecia como sendo Raul Rios, nascido na Colômbia e tinha trinta anos. O restante de seus dados era desconhecido e morava há menos de um ano no prédio.

O imóvel tinha somente quatro andares, os moradores se conheciam, e os comentários e fofocas sobre Raul corriam soltos. Uma jovem senhora, recentemente divorciada, comentava:

         — Nunca o vi receber visitas, nem mesmo mulheres, isso é muito raro e ele é um gato! Concluiu ela com um profundo suspiro.

Outras moradoras cochicharam concordando.

         — Vejo que você já reparou em detalhes! Disse o síndico com certa ironia.
— Sim! Na semana passada cheguei tarde, no mesmo momento que ele entrava no prédio, trazia o boné na mão e pude perceber que além de alto era moreno com olhos esverdeados, retrucou a jovem senhora.
A senhora Ofélia, moradora do quarto andar comentou:

         — Talvez possamos saber mais sobre nosso misterioso vizinho se falarmos com sua faxineira, ela deve saber coisas que ignoramos!

Vai ser difícil, disse o velho zelador, sua faxineira vem somente uma vez por semana e nunca é a mesma. Elas, antes de virem pra cá, têm que passar pela administradora para retirar a chave do apartamento e têm instruções precisas para não falar coisa alguma do inquilino caso contrario, podem perder o emprego e elas são bem pagas!

Desculpem meus amigos, disse o síndico, dirigindo-se aos condôminos: Isto já esta ficando obsessivo! Sem motivos sérios ou válidos, vamos deixar as coisas como estão. O senhor Rios tem tido até agora um comportamento adequado além de ser muito discreto. Por favor, voltem para seus apartamentos e vamos esquecer esta historia.

Passaram-se duas semanas quando apareceram noticias alarmantes preocupando os moradores, e vizinhança. Com grandes letras os jornais anunciaram a descoberta de duas senhoras assassinadas  em suas residências. As vítimas moravam relativamente próximas do edifício..

Foi uma loucura geral. Os moradores, talvez por medo ou por culpa de desejos inconscientes, assinalavam a figura de  Raul Rios como suspeito. Cadê ele? Perguntavam  um para o outro. Ninguém sabia responder. O síndico convocou uma reunião geral para tomar medidas  em aumentar a segurança.

A reunião realizou-se no dia seguinte.  Os primeiros minutos da reunião foi um festival de manifestações histéricas. À duras penas o síndico, com a colaboração de outro condômino, conseguiu estabelecer ordem. Amainaram os choros desesperados, as acusações desenfreadas a Raul Rios e a indignação contra a passividade do síndico que já deveria ter tomado medidas de segurança! O misterioso colombiano  não compareceu, acentuando as desconfianças sobre sua pessoa.
O resultado da reunião foi: alterar o “segredo” das fechaduras, maior rigor ao anunciar e identificar as visitas e o pessoal de entregas e, substituir o zelador por um bem mais jovem e mais forte.

A coisa piorou quando três semanas depois houve uma terceira vítima morta do mesmo modo que as duas anteriores. A mídia explorou intensamente o fato e anunciou que, com certeza, se tratava de um “serial killer”!

A situação coincidiu com a comunicação, por parte da firma imobiliária, que o senhor Rios tinha deixado em definitivo o apartamento. No dia seguinte uma das faxineiras retirou os poucos pertences  que tinham ficado para trás.

Muita coincidência! Foi o comentário general. O síndico, sem mais dúvidas, desta vez contatou a policia.

O investigador Pedro Ferrer reuniu-se com os residentes. O síndico começou a falar, mas era constantemente interrompido pelos presentes ansiosos por agregar detalhes ao relato. O investigador Ferrer se encheu e fez valer sua autoridade e, curto e grosso, disse:

         — Ou vocês ficam em silencio ou quem interromper será “convidado” a retirar-se! Esta é a primeira e única advertência! Após o depoimento do síndico darei a palavra aos que a solicitem, estamos entendidos? Silêncio geral, nenhuma reclamação!

Ferrer fez entrar seu assistente, Joãozinho, que também era especialista em “retratos falados”. Após duas horas de trabalho os moradores chegaram a um consenso. O retrato era satisfatório.

         — Sim, é a cara do senhor Rios! Disse um senhor de media idade e os residentes concordaram.

O investigador Ferrer respirou fundo e disse:

         — Preciso ampliar as diligencias e peço licença para retirar-me, estarei ausente uns três dias e prometo trazer noticias pra vocês e foi saindo deixando os condôminos atônitos, e com mais dúvidas.

Com as mesmas características aconteceu um quarto assassinato. Desta vez na casa exatamente na frente  ao prédio. Os moradores viram a chegada da policia, escutaram a movimentação das viaturas e a presença das diferentes mídias.

Foi demais! Houve necessidade de chamar médicos e serviços de pronto socorro. A parafernália foi completa, pra ninguém botar defeito!

Dois dias depois, a pedido do investigador Ferrer foi convocada uma reunião urgente para as vinte horas.

Na hora exata apareceu o síndico junto com o investigador Ferrer e dois colegas. O síndico, sem mais delongas passou a palavra para o investigador que disse:

— Quando a maioria de vocês reconheceu o senhor Rios como o assassino no “retrato falado”, fomos à empresa administradora do imóvel para buscar mais informações. Após muita insistência nos disseram que ele era profissional do sexo e contratado por uma empresa paulista para produzir três filmes pornôs. Isso, acho, explica seu relativo isolamento e discrição, disse Ferrer.

Houve um comprido e sonoro oh! Por parte dos moradores.

O investigador continuou

         — Fomos para a empresa produtora e o gerente nos confirmou que, de fato, o senhor Rios tinha trabalhado pra ele, tinha concluído satisfatoriamente o contrato e tinha viajado para seu país três dias atrás.

         — Então ele conseguiu fugir! Gritou nervoso um senhor idoso.

O investigador Ferrer continuou:

         — Não nos precipitemos e mostrando uma foto de Raul Rios perguntou aos assistentes: é este o senhor Rios?

         — Sim! Foi a resposta unânime dos moradores.

— Ok! - Disse o investigador:

         — Comparando o retrato falado feito aqui com vocês com aqueles feitos na ocasião dos três crimes anteriores, verificamos que se tratava de pessoas diferentes! O senhor Rios foi descartado como suspeito. Ele já estava nos Estados Unidos onde mora, quando ocorreu o quarto crime.

Ontem à noite prendemos outro suspeito, comparamos as impressões digitais das diferentes cenas dos crimes, revistamos sua casa e conseguimos as provas necessárias. Com as evidências nas mãos ele confessou a autoria dos quatro assassinatos. Eu já tinha visto antes este sujeito.

Com a tensão e ansiedade aumentando alguém dos presentes gritou: Por favor, fale de uma vez, porra!


         — É o novo zelador deste prédio — disse o investigador mostrando os três retratos falados anteriores — sem dúvida nenhuma, é ele! Concluiu Ferrer.

DIFÍCIL DECISÃO - Oswaldo Romano - CONTO FÉRIAS Nº 3



CONTO DE FÉRIAS Nº 3



DIFÍCIL DECISÃO
Oswaldo Romano

        Descobri, através das fotografias e cartas que estão no sótão, que Francisco não é amigo da família, como meu pai sempre disse que era. Descobri que ele é o meu verdadeiro pai.

        Quando Theodoro o pai que conheço, chegou da sua costumeira volta pela fazenda, notou-me diferente. Questionou:

        — Que cara é essa filha? Esta com os olhos inchados, você chorou?

        — Tô bem pai. Um pouco preocupada com os exames. Estou com dificuldades na matemática.

        E você pai. Hoje, quem está lhe vendo diferente, sou eu. Não parece aquele pai que conheço.

Nesse momento Deise percebeu que não era a hora. Não devia mostrar qualquer diferença, e disfarçou:

        — O senhor andou muito pelas terras, pai? Está com o chapéu molhado, caído e manchado de barro! Suas polainas estão sujas!

        — É verdade filha, hoje foi mais difícil. Aquele touro que você gosta, o Posudo, pai da bezerra Tina que há tempos lhe dei, furou a cerca e escapou. Foi difícil encontra-lo. Estava no Valo Grande. Sempre que fica assanhado apronta alguma. Deve ter outras filhas, por lá.

Deise ouviu veladamente a conversa, mas quando citou outras filhas por lá,  seu pensamento pulou nas nuvens.

        Foram momentos de extremos cuidados. Um questionamento como havia pensado, mudaria sua vida. Estava abalada. Descontrolada, queria saber a verdade, mas ela viria distorcida, acobertada, certamente preparada.

        Recolheu-se no quarto, sentou-se à mesa de estudos. Às tontas, pensativa, vê entre as fotos expostas uma de sua mãe cuja moldura do porta retratos é de metal artístico estampado com a figura de Nossa Senhora. Está com os braços abertos envolvendo todo quadro.

        Olha atentamente para a foto, e pensa: poderia ser minha essa foto. Preciso muito dessa proteção. Nossa Senhora que me dê forças para entender esta situação.

        Percebendo mudanças no trato com a filha, dias depois, a mãe entra em seu quarto, senta-se na sua cama e diz:

        — Impossível não perceber que você esconde algo.

        — É verdade mãe. Só estava imaginando como iniciar uma conversa com a senhora. É sobre o papai. Senti que como mãe a senhora já tenha percebido minha angústia desde quando descobri coisas lá no sótão. Mãe, como à senhora vai me explicar isso...

        — Não precisa falar mais nada... Escute como se estivesse ouvindo um conto. Não interrompa. Depois conversaremos a vontade. Interrupções agora vão me levar ao choro e me desorientar. Está bem?

        — Sim, está bem...

        — Faz muito tempo...

        Uma noite, num baile de formatura dançava com o Francisco e também com o Théo. Eram muito amigos. Não sei com quem dancei mais. Eram ótimos. Enquanto rodava com meu par, olhava também para o Théo que estava na mesa. Ele não tirava os olhos de mim, aguardando sua vez.

        Éramos jovens, cheios de esperanças, fazíamos mil projetos de vida. Os dois me mereciam. Mas eu tinha que escolher um. Francisco se antecipando, convidou-me para um cinema. Éramos inseparáveis. Às vezes o Théo se fazia acompanhar de uma eventual namorada, mas nunca firmou.

        Em resumo fiquei noiva do seu pai, o Francisco. Nosso amor era profundo. Seu pai, cadete da Aeronáutica, tinha Brevê Internacional. Veio a guerra. Ele foi chamado. Sentimos a separação, mas também era orgulho de todos sua convocação. Iria defender a pátria. Pilotar aviões de caça P.47D Thunderbolt que tanto queria. No início trocamos muitas cartas, até que elas foram arrefecendo-se.  

        Quando partiu, eu estava no início da gravidez. Tinha o consolo do Théo, sempre com muito respeito. Respeito que veladamente mostrava amor.

Acabou a guerra, os Pracinhas voltaram ficando na Itália mais de mil mortos. Ninguém dava informações seguras sobre meu noivo. Queriam coloca-lo na lista dos Soldados Desaparecidos. Eu resisti até o ultimo momento.

Ele pilotava um caça e suas missões eram distantes e perigosas.

        Aconteceu... Assim contou: Seu avião foi abatido, ele ejetou, mas caiu numa floresta, ficou sem documentos e sem sentido, vagando pela mata. Ele não se descobriu quem era. Suas roupas e pertences foram roubadas pelos nativos. Foi recolhido em um hospital aonde só tinham mortos-vivos, e lá ficou inconsciente por dois anos.

Eu tinha você e quando comprovado o desaparecimento do Francisco, eu e o Théo que lhe acompanhou desde o primeiro dia, nos unimos e ele assumiu em definitivo a paternidade.

        Claro, quando Francisco reapareceu vivo, depois de tanto tempo, compreendeu perfeitamente o acontecido. Desejou-nos boa sorte. Reatamos aquela velha amizade e sob juramento devíamos guardar  esse segredo a sete chaves.

         Agora devemos desatar esse nó. Judicialmente, nos debruçamos sobre o assunto e para seu bem, o melhor é deixar como está.


        Você minha querida filha, é quem vai dar a última palavra. Mas, por favor, pense, pense bem, não tome decisões precipitadas. O Théo como pai, você conhece bem. O Francisco te aceita como pai, ou como padrinho. Você decide.

A FORÇA DO AMOR! - Carlos A. Cedano - CONTO DE FÉRIAS Nº 1


CONTO DE FÉRIAS Nº 1


A FORÇA DO AMOR!
Carlos A. Cedano



Nós já tínhamos nos visto antes, e foram muitas vezes. Durante um tempo foi uma entendimento sem palavras, só olhares e sorrisos sutis. Aos poucos a gente foi se “conhecendo”: mesma pipoca doce, mesmos horários e filmes, e cada vez mais próximos nas filas das bilheterias. Foi um flerte bonito, sem presa, gostoso!

E aconteceu o que ambos queríamos: sentar juntos! Antes de começar o filme, ele virou-se para mim e disse:

        — Conheço algumas coisas sobre você, mas gostaria saber teu nome.

        — Silvia. E o seu? Respondi.

        — Armando! Gostaria tomar um café com você quando sairmos, você topa? Continuou ele.

        — Sim. - respondi no momento que o filme se iniciava.

Durante uma hora e meia houve olhares furtivos e movimentos frequentes que denunciavam nossas recíprocas emoções a flor da pele. Eu não conseguia concentrar-me no filme, estava muito ansiosa!

Caminhamos até um café, que já conhecia, e onde o tinha visto pela primeira vez. Falamos de nossos gostos e preferências. O clima da conversa foi sem presa e sem monopólios da palavra! Pegou minha mão, e gostei muito!.

Nas semanas seguintes, tivemos teatro, restaurantes e conversamos sobre projetos de vida, famílias e até de hobbies e esportes praticados.

        —Silvia -  disse-me - gostaria te levar a dançar em um lugar muito legal! O Que acha?

        — Acho que você demorou um pouco! - respondi com um sorriso e um olhar malicioso. Começava a descobrir em mim coisas que desconhecia. Ousadia, por exemplo!

Armando escolheu um lugar que parecia feito só pra nos dois. Dançamos o tempo todo e de tudo! Sentia-me feliz e sedutora. Na primeira música romântica que tocaram dançamos “olhos nos olhos”, e depois de rosto colado. Estávamos totalmente apaixonados!

Saímos cedo da danceteria.

        — Vou te levar ao meu apartamento,  você ainda não o conhece. Vai gostar. -  disse ele ao mesmo tempo em que eu debruçava  a cabeça  em seu ombro, e seguimos.

Beijaram-se demorada e intensamente. E sem tons de cinza, foram passando do azul sereno para, pouco a pouco, atingir o vermelho da paixão! Quando o amor atingiu seu ápice o casal foi envolvido por um intenso silencio e tranquilidade. O mundo lá fora não existia!

Nos dias que se seguiram, Silvia atraia a atenção dos colegas de trabalho,  pelo rosto de felicidade, e  sorriso que iluminava o ambiente. Maria, sua melhor amiga e confidente, já adivinhava.

Um ano depois, eles estavam casados.

Passaram-se alguns anos, o casal viajava constantemente. Armando para atender seus clientes como advogado especialista em contratos internacionais,  e Silvia para participar de eventos e seminários. Estavam bem de vida, e quando possível, faziam  viagens juntos. Mas, era uma vida tensa, sufocante. 

Na volta de uma viagem longa, Armando chegou a casa, sabendo que não encontraria a esposa, que somente chegaria em três dias. Armando aproveitou para refletir e avaliar a vida que estavam levando. Um dia-a-dia exigente de compromissos profissionais que tinham tomado conta de suas vidas.

Silvia chegou cansada e com pouca energia, beijou Armando, pediu licença e foi tomar um banho demorado. Ao voltar deitou, e em pouco tempo estava dormindo.

No dia seguinte era sábado, ele acordou cedo, porém esperou que ela acordasse. Ela despertou olhando para Armando e sorriu dizendo:

        — Bom dia meu amor, como foi sua viagem?

        — Minha querida,  há messes sinto dificuldade para viajar a trabalho. Não gosto ficar longe de você, e nem sempre tenho certeza de que vou encontra-la na volta. Nossas viagens têm sido uma sucessão de desencontros e ausências. Até nossas férias têm sido condicionadas por questões de negócios urgentes e imprevistos! Você acha que podemos continuar a viver assim? – sondou ele.

        — Que bom que você me diz isso, sinto o mesmo que você,  e acho que nenhum esforço profissional, mesmo que bem sucedido, pode justificar a destruição de nosso carinho, de nossa relação! E a gente se ama tanto, né meu amor! - Disse Silvia explodindo num choro longo tempo contido.

Após alguns dias, decidiram sair de férias, a rigor, as primeiras desde o casamento. Salvo Maria, ninguém teve noticias deles durante um mês.
                                                          
Na volta o casal foi se desfazendo discretamente de propriedades, transferindo seus negócios,  e optaram por uma vida mais simples. Onde? Só Maria sabe e guarda bem o segredo! Porém, de tempo em tempo algumas noticias chegam. Eles já têm um casal de filhos, Silvia trabalha com artesanato,  e Armando é  professor e orientador de adolescentes.

Uma noite quando Silvia saia do banheiro envolta numa enorme toalha, enquanto caminhava pelo quarto  lembrando do passado,  deixou cair a toalha mostrando  a nudez de seu belo corpo, e se aconchegou nos braços do marido. Essa noite eles se amaram como se fosse a primeira vez: sem falsos pudores, sem medos e sem restrições!


PÉHUM - Mario Augusto Machado Pinto - CONTO DE FÉRIAS 4



PÉHUM.
Mario Augusto Machado Pinto

Na minha família todo aniversariante tem três certezas: festa em família, bolo com velas e pelo menos um presente.

Era dia do meu: completava dez anos e mais uma vez pensava positivo sobre o que queria de presente dos meus pais. Quase espremia meus miolos de tanta força mental que fazia sempre que me lembrava. Que seja desta vez! Que seja!

Hora de cortar o bolo, cantar o “Parabéns pra você”, servir e agradecer as pessoas por terem vindo, beijar vovó e vovô, olhar meus pais com ar interrogativo, aguardar a surpresa. Que seja desta vez! Que seja!

Meus pais me chamaram pra perto deles e me deram um embrulho pesadinho.

- Não balança. Só abre!

Pousei o embrulho na mesa, rasguei o papel que o envolvia e fiquei olhando a caixa com um furo: Chegou!  Chegou! É ele! Pensava quase que extasiado.

O pessoal gritava Abre! Abre! Olhei meus pais, sinalizaram que sim e abri: lá estava ele, o meu tão pedido, sonhado e querido cachorrinho. Meus dedos tremiam ao tocá-lo.  Cabia em minhas duas mãos em concha de tão pequeno, era mesmo muito pequenininho.

- É todo seu, um Labrador. A começar d´agora é sua total responsabilidade relativa a ele, em tudo. Lembre-se disso. Vamos, escolha um nome.

Esse era o preço a pagar pelo presente. Peguei o bichinho, levantei-o acima da minha cabeça. Era muito fofo, de pelos cor de mel, macios e enquanto pensava num nome examinava seu corpo.

- Vejam a estrela no pé! Um...

Foi impossível dizer mais alguma coisa.  É Péhum. É Péhum.

- O que?

-O nome dele! É Péhum, Péhum! -  gritavam.

E assim ficou sendo.

Passou a ser meu companheiro constante de brincadeiras, de risos e de quando eu chorava ele gania baixinho ao meu lado esfregando a cabeça no meu corpo. Quando eu ria, pulava e lambia minhas mãos.

Se eu ralhava ele se afastava. Depois vinha devagarzinho pra bem perto abanando o rabo e me olhava como dizendo tudo bem? Era impossível. Quem resistiria? Eu? Não. E saiamos a correr.

Sempre juntos, era inevitável acabar dormindo na minha cama. O interessante é que colocava sua cabeça junto aos meus pés descalços, dava umas duas lambidas e pegava no sono. Esse aconchego evoluiu para mordidinhas no dedão do meu pé direito.  Era desagradável por que além de molhar a meia ficava perturbando meu sono. Ademais, porque tinha que fazer isso? Era muito chato.

Dormindo descoberto, não adiantavam os chutes que eu dava: largava do pé, voltava a mordiscar; eu chutava, largava do pé, voltava. Não era possível continuar. Dando tratos à bola, lembrei dias depois das meias de fenda única que os japoneses usam com as chinelas. Numa das meias fiz a tal fenda, estiquei o tecido e costurei. Ficou uma aberração, mas funcionou. Péhum passou a mordiscar o dedão de pano e eu a dormir melhor. Costurei várias meias.

Estudamos juntos. Ele me acompanhava ao colégio. Era perto de casa. Dava para ir a pé. Os funcionários da portaria cuidavam dele até a hora do fim das aulas. Quando fiz cursinho foi difícil, mas minha mãe ajudou tomando conta. O problema surgiu quando fui aprovado no vestibular para Filosofia na PUC de Campinas. Como ia ser?

Meu avô solucionou:

- Você vai morar no sitio. Tem tudo lá, inclusive empregados, você sabe. Vai de carro pra PUC. É perto. Não tem erro. Se quiser tem o Josué, motorista do caminhão. É só não filosofar quando guiar. Pronto! E nós vamos te visitar nos fins de semana. Avisa quando não, malandrinho!
Quando meu avô mandava ninguém era louco de dar palpite contrário.

Assim fizemos. Péhum ia meio espremido, acomodado no porta-malas da peruinha. Foi adotado pela família de um jardineiro do campus de modo que eu ficava sossegado. Por causa dele ganhei o apelido “Pdois”.

Morava no sítio. Os dias, os anos passavam, eu estudava, dava aulas, ele se divertia e me acompanhava até junto das namoradas que aceitava. Pras outras, latia. A idade o estava tornando egoísta me obrigando a chamar sua atenção. Obedecia sem convicção e logo a seguir repetia o que considerava certo.

Outro dia, dormitando no terraço, vi quando perdeu o equilíbrio, rolou e caiu ao descer os últimos degraus da escada que fiz para ele subir e se acomodar no deque colocado na forquilha da “nossa figueira”. Chamei por ele, mas não veio. Afastou-se. Estava mancando. Só veio quando ficou melhor, mas mesmo assim mancava um pouco. Olhei pra ele durante algum tempo, acarinhei sua cabeça e vi seu focinho. Com espanto notei o que nunca havia reparado: estava com a pelagem toda branca e me dei conta da idade que tinha: quinze anos! Quinze anos de amizade verdadeira, desinteressada, só de bem-querer. Pra ele eu era tudo de uma vida toda.

Ontem, enquanto dormitava na cadeira de balanço do terraço, Péhum chegou perto dos meus pés e devagarinho puxou minha calça. Eu não queria sair para andar; delicadamente insistiu até que me levantei e perguntei o que queria. Olhou pra mim e lentamente andou à minha frente em direção à figueira. Ali, deitou-se mordendo o pano da minha calça. Sentei-me ao seu lado. Colocou sua cabeça junto ao meu pé direito e mordia o tênis. Queria mordiscar o dedão. Não tem jeito. Que seja. Tirei o tênis, espichei a meia, coloquei o pé perto do focinho e ele começou a mordiscar, suave e lentamente até dormir tendo sua cabeça apoiada às minhas pernas.

Dormiu e eu perdi o melhor amigo da minha vida. 

Recordando...Nossa turma EscreViver!


Nesses três anos de muita alegria e criatividade, alguns momentos foram fotografados para que nós não conseguíssemos esquecer como são divertidos e prazerosos nossos encontros na Oficina EscreViver.

Os aniversários, os cafezinhos, os doces, as risadas, o convívio, e é claro,os contos que escrevemos, tudo simboliza nossa alegria.