Para um velho Amigo - Maria Luiza C. Malina



Para um velho Amigo
Maria Luiza C. Malina


Na infância surgem os primeiros amigos. Amigos que te acompanham, que se distanciam, amigos que nunca foram amigos, ou que pela caprichosa magia do destino um dia se encontrarão.

Tenho um velho e bom Amigo da infância, muitos ganhei, muitos emprestei, perdi e depois durante toda uma vida comprei. Comprei tantos que se tornaram objeto alucinado de desejo.

Desejo este de comprar, pelo prazer de comprar as lembranças escondidas numa caixa da infância, caixa  que se abre e exala seu cheiro precioso que provoca inveja as flores, remetendo o tempo que continua dentro de mim, convivendo num mundo de conflitos exteriores que te faz cada vez mais se apegar a este velho  Amigo confidente que aceita tudo sem qualquer discriminação.

Preciso de Você, porque gosto do ato de te tomar entre os dedos, de te apertar, muito te levei  boca, por um momento de indecisão, medo, distração, ou numa escrita nervosa ou apressada em que Você obedece, navegando pelas folhas em branco, com rabiscos incompreensíveis que te convida a continuar entre os nuances que a vida que te apresenta sem que Você se entristeça. Apenas Aceita.

Você se esgota de tanto se dar, mas lá estou eu te dando forcas para continuar ate que sua vida útil chegue ao fim. Caixinhas cheias de Você tão gasto, mas com seu cheiro de vida estão entre as minhas caixinhas especiais sem coragem de descartar ou colocar num quadro, Você já virou ate bandeja!

Hoje, com seu traje de madeira e alma de grafite, um lixo qualquer não é mais seu lugar.  Você se tornou um lápis-semente com identidade “Sprout”.

Na sua ponta, tão levada à boca, são encapsuladas sementes diversas, como alecrim, tomate, salsa, margarida. Apesar da existência de uma inteligência na sua ponta oposta Você não reconhece a diferença entre e água intencional ou acidental, mas não é sua culpa e sim dos inventores. Assim, Você esta mais uma vez ensinando que LAPIS não foi feito para morder.

Não quero aceitar lapiseiras, vou continuar com meu Amigo confidente, sem toca-lo com os meus lábios.



Curta História de Amor - Vera Lambiasi


Curta História de Amor
Vera Lambiasi


Todos os dias pegavam o ônibus para vir a São Paulo trabalhar.

Moravam no interior com seus pais, e, recém-formados, arrumaram seus empregos na capital.

Viação Capriolli, Rodovia Anhanguera.

Ela tomava em Campinas e, passando por Vinhedo, entrava o rapaz bonitão.
Seus olhos se cruzavam nos primeiros dias e cada um tomava o seu assento.

Começaram a se cumprimentar na manhã e acenar no adeus do final de tarde crepuscular.

Era uma adivinhação de cheiros e gostos, nada era dito ainda.
Uma paquera silenciosa animava os dois, já se preocupavam em como se vestir e se portar diante da conquista eminente.

Rapaz viril provocava sensações de arrepio na jovem de seios fartos.

Havia uma urgência de toques.

Numa gelada manhã ele adiantou-se a beijá-la no rosto para desejar bom dia.

                                                                                                          

Em Roma, faça como os romanos. - Vera Lambiasi


Em Roma, faça como os romanos.
Vera Lambiasi


Chegávamos a Roma e só avisávamos a família dois dias depois.
Instalávamo-nos em um hotel no centro, perto do metrô, e íamos às compras.

Minhas tias não se conformavam em querermos comprar calças Fiorucci e outras roupas de marca.

-          Vão pagar uma fortuna nessas porcarias!

Nas feiras também não queriam nos levar pois era tudo falsificado.
Trattorias eram sumariamente proibidas pelas zias cozinheiras.

Assim ficava difícil até de comer uma pizza!

Então ficávamos ocultas na cidade eterna por 48 horas.
A preocupação de mamãe era encontrá-las na rua, por acaso.
Seria uma ofensa irreparável.

Passado nosso tempo particular, apresentávamo-nos à Famiglia Lemme! Autoritária, sim, mas transbordante de carinho.

Meu tio era dono de uma funerária, e viviam muito bem num confortável apartamento. Andavam de Mercedes, comiam com fartura só que a hora do banho...
Era uma aventura.
Quaravam a roupa na banheira e a ducha de telefone ficava dentro dela.
Para tomar um banhinho básico era preciso tirar toda a roupa ensaboada, transferir para alguns baldes, limpar a banheira, e aí sim entrar.
O esguicho tinha a mangueira muito curta, então só se lavava a cabeça sentada.
Imagine três mulheres brasileiras necessitadas de banhos todos os dias.

-  Ma que desperdício!

Reclamávamos:
-  Ai, mãe, não dava para continuar no hotel? Lá podíamos tomar ducha a vontade sem essa trabalheira!

E mamãe retrucava:
-  Nem pensar! Viemos à Itália para ficar com a família!                                                                                                       

CATANDO MOEDAS - Oswaldo Romano


CATANDO MOEDAS

Oswaldo Romano                                                        

        Passear na Europa é uma experiência deliciosa. Um desejo que nasce, e antes da viagem o vivemos intensamente. Compartilhamos com amigos, familiares, com agencias, com locadoras. Criamos na imaginação um filme e nos colocando como o artista principal,  vivenciamos todo instante, os dias que precedem a partida.

        Lá chegando, rodamos nosso fantasioso filme, sempre procurando encaixar a realidade. Entramos na Itália, descendo em Roma. Conto a visita que fizemos à Praça da Espanha e sua famosa Fontana Della Barcaccia. Estávamos na rua que fica em baixo, ao lado da scalinata. Subimos e ao vê-la, ficamos embriagados com tanta beleza. Confirmava a recomendação do meu amigo, um italiano que viveu em Roma. Ele a enaltecia a moda italiana, levantando as mãos pro céu dizia:“Una piazze piu belle, piu belle”

        Lembrando-nos da história, Roma tem centenas de fontes, a maior parte oriundas do primitivo abastecimento de aguas, obras primas dos Romanos, para transporta-las pelos seus incríveis aquedutos. Os princípios dessa engenharia ganharam dos Etruscos que no passado habitaram grande parte da península.

        Logo nos acercamos da fonte, apreciando toda sua arte e efeito. Imaginamos o estado do artista desiludido quando as aguas rasas não permitiram que sua barca flutuasse. Por fim esse resultado ficou melhor do que o esperado. Pouco interesse teria a torre de Piza, não estivesse tão caída.

        Barcaccia, esquadrinhando todos seus detalhes, apreciávamos as moedas luzindo nas águas da fonte, milhares de secretos pedidos foram feitos ali, sempre com apelos à Santi Trinità dei Monti a protetora dessa praça.

        A Cí, minha mulher, não deixaria passar essa oportunidade.
        Tirou da bolsa uma moeda, eu olhei era dólar, não precisava tanto... Enfim... Num gesto azafamado, cheia de vontade e pedidos, fez o arremesso. Na mesma mão segurava entre os dedos seu valioso óculos Viton. Ele foi junto! Foi cômico, mas lastimoso. E agora? Falei  já procurando o jeito de resgatá-lo.

— Fique aqui – disse - não saia. Vou ver o que consigo. Cuidado com as ciganas! Justificava a recomendação porque a praça estava infestada delas, ladras por profissão.

        Procurava alguém, mas quando dei por mim já estava numa rua secundaria, cheia de pequenas lojas vendendo suvenires, e havia também uma de material de limpeza. Vi muitas latas, baldes, vassouras e... Pronto! Um vassourão, cabo longo, vermelha, dessas de limpar teia de aranha no teto. Apressado, comprei a vassoura, eu estava bem vestido, o dono da loja não disse nada, mas virava a cabeça, parecia um papagaio me olhando. Sai da loja, a praça estava mais distante do que imaginava. Coloquei a vassoura no ombro, na vertical para não atingir os que vinham atrás.

        Fazia tempo que eu não era tão admirado! Como me olhavam!

        Chegando, minha mulher caiu numa contínua e alta gargalhada. Eu que vinha com o humor balançando, perdi a fúria, acompanhei-a. Bem, cessados os ânimos, olhei em volta ninguém olhava pra nada, só para nós dois!  Dei aquela risada amarela, ajeitei o boné e com aquele cabo comprido fui puxando óculos, as moedas vinham junto, escapavam de lado, eu a vassourava de novo, insistia. Dos presentes, que eram muitos, os que sabiam torciam pelo meu sucesso, os que chegaram depois,  pensavam: O que esse pazzo (louco) está fazendo? Rapina (rouba) as moedas?

        Finalmente, salvei o super óculos Viton. Uns... Puxaram palmas. Minha mulher perguntou:

— E agora, o que você vai fazer com essa vara?


        — Só olhei para ela.

NOIVOS TROCAM PRESENTES - Oswaldo Romano




NOIVOS TROCAM PRESENTES

Oswaldo Romano                                           

        Alcançou a meia idade conhecendo Ivete, uma morena linda que causava muita admiração. Sérgio vivia feliz cuidando-se para que nada lhe acontecesse, pois chegou ate aqui sem problemas. Muitos foram os momentos de apreensão passados no correr da sua vida e agora recebia tamanha felicidade.

        O maior orgulho da Ivete era seus longos cabelos. Admirado por muitos, Sérgio o via como responsável pela força dos seus inigualáveis atos. A bondade de Ivete era tão grande quanto à beleza dos seus cabelos. Suas qualidades sobrepunham-se aos desejos de Sérgio.

        Sérgio questionava-se porque foi merecedor do seu amor. Era cordato, honesto, mas seu ganho dava somente para os gastos do dia a dia. Esforçava-se para agrada-la, a levava aos cinemas, por vezes num jantar mais elegante oferecia um bom  vinho.

        Ivete compreendia perfeitamente sua situação uma vez que ela também estava numa situação de sustento. Igualavam-se. Via no Sérgio um excelente companheiro, confiável, Deus não lhe deu tanta beleza visível, mas seu interior era invejável.
        Orgulhoso usava o relógio da época ganho do pai, que consistia na chamada pataca de bolso. Dizia ser um Vacheron Constantin herdado pelo seu pai do seu avô, talentoso artesão relojoeiro. Tinha adoração e o máximo cuidado com essa sua rara joia. Faltava-lhe aquela indispensável corrente de ouro. Teria sido negociada anteriormente.

        Estava chegando seu dia do noivado.

         Queria presenteá-la com algo que marcasse a data. Pensou no valioso relógio. Valioso, mas masculino. Impróprio para ela. Procurou uma casa de joias, inicialmente foi recebido com reservas, mas,  ao apresentar o Vacheron a atendente chamou o gerente. Antes que duvidassem da sua origem, mostrou fotos do avô e do pai ao seu lado, exibindo a valiosa peça.

        Esclarecido o motivo, foi-lhe dito que tinham o que ele desejava: Uma tiara cravejada de alguns brilhantes.

        —  Sr. Sergio, agora identificamos como negociar. O Senhor Paga ou recebe a diferença. Como deseja?

        — Mostre o que o senhor tem, mais ou menos equivalente. Por favor... Eu não conheço, não duvido da sua honestidade, mas vai permitir que posteriormente eu peça avaliação.

        — Tudo bem. Confie em nós. Temos quarenta anos de mercado.
Satisfeito com a negociação, levou para casa aquela que seria o merecido presente para sua noiva.
        Chegou o grande dia. Foi recebido pela belíssima Ivete vestida de longo,  um lindo turbante cobria suas orelhas lhe dando ares de princesa. Sérgio não se conteve. Pediu que fechasse os olhos,  queria lhe surpreender com  merecido presente.
        Ivete emocionada apanhou sobre a mesa ao lado, uma caixinha envolta com uma linda fita azul e disse:

        — Primeiro eu.  Veja o que comprei para você.

        — Sergio ao abri-la viu uma corrente de ouro para seu relógio. Ficou pasmado, sem fala, agora desnecessária, mas não demonstrando, trocaram  um longo abraço.

        — Ivete abrindo o estojo surpreendeu-se com aquela rica joia que prenderia seus invejáveis cabelos. Fixando os olhos em Sergio, escondendo mágoa, lentamente retirava o turbante.

        Sérgio mal se continha. Presenciava o sucesso, o  último momento da sua tão preocupada e difícil escolha.

        No rosto angelical de Ivete rolaram lágrimas, e tremula completou lentamente a retirada daquilo que lhe escondia  a cabeça.

        Repentino espanto, tomou conta do Sérgio:

        — NÃO! Meu Deus seus cabelos? Você cortou? Onde estão seus cabelos?
A mãe que a tudo assistia, disse:

        — Virou ouro. Está no grande amor de vocês.


Na conduta de ambos, não poderia haver um abraço tão emocionado como aquele que se seguiu.

QUIZZ CULTURAL - Que filme é este?


Quizz Cultural para o integrantes da Oficina de Textos e para sócios do Clube Alto dos Pinheiros:


I

QUE FILME É ESTE?

Você sabe de que filme são essas imagens?

Se sabe, diga-nos.  Mande sua resposta para o e-mail: oficinadetextosescreviver@gmail.com

Envie também um pequeno texto sobre esse filme, seu diretor e atores. Além disso, um pequeno currículo seu. 

Vamos divulgar o nome do primeiro que acertar.



 



O AMOR FALA MAIS ALTO - Oswaldo Romano



O AMOR FALA MAIS ALTO                                                  

Oswaldo Romano


Aconteceu numa excursão na Itália. Foram pessoas de várias cidades do Brasil. Deviam visitar a Costa Amalfitana, cidade de Amalfi e outras do contorno. Uma paixão pela beleza, pelas igrejas como a Duomo di Sant’Andrea do século nove, museus, grutas, um paraíso do mar Tirreno. Mar azul, vistas espetaculares. Ao redor vilarejos incríveis, muito luxo, glamour.

O grupo era formado por vinte e cinco pessoas. Pedro acompanhava a mãe viúva que apresentava sinais de perda da memória. Eram de São Paulo. Outra jovem entre poucas estava Andréa, da cidade de Bauru.

O encontro do primeiro olhar, esquivado mas repetido, aconteceu justamente na visita ao Duomo. Sinalizou o desejo de se conhecerem. Foi aquele olhar de quem não quer, mas quer no mínimo atender seu desejo de aproximação. Um olhar investigativo, louco para descobrir quem é quem. O pensamento dele voava o dela era pura imaginação. Nessa hora tudo que comentaram, foi a ligação dela com o nome da catedral.

Viajando juntos, viajava também o medo de se perguntarem, o natural medo da desilusão. Esse procedimento ficou muito estranho, justificado porque ambos tinham seus segredos. Cada dia, cada passeio, cada vez mais juntos. Mais juntos ficaram também viajando sentados no mesmo banco. O inevitável. Deram-se as mãos.

Pedro quis isolar mentalmente o delicado perfume que ela usava, julgando ser ele o motivo de tanta atração. Não, não era. Estava realmente fascinado.

Andréa se não cruzasse os dedos com Pedro, não sabia onde deixar as mãos. Quando o ônibus parou na Fonte dos Amores, foi  para Andréa o melhor momento. Ela o queria... Mas se conteve. Pedro vendo o cair das aguas disse:   

      — Queria ser aquela estatua.

     — Porquê? Andréa calou-se, nada mais disse.

      —  Porque você seria as águas rolando sobre meu corpo.
      — Nossa que lindo! Que gostoso!

Assim, mais dois, três dias, chegou o fim da excursão. Apareceram as primeiras lágrimas. Ao chegar no Aeroporto de Guarulhos o Pedro disse:

    — Está acabando. Precisamos nos entender.

    — Fale você primeiro.

  — Eu namoro uma moça também de São Paulo, há quatro anos. O tempo mostrou ser muito exigente. Já imagino sua chatice no futuro.

   — Foi bom você falar com sinceridade. Eu também estou perto do noivado em Bauru, mas não estou convencida, motivo da minha viagem. É uma pessoa muito folgada, irresponsável.

Ouve um prolongado silêncio. Reiniciando, conjeturaram em suspense, um forte abraço mostrava possível despedida, quando Pedro virando-se para a mãe disse:

      — Mãe... Mãe. Quer vir conosco para Boituva?

     — Filho... Boituva é lugar perigoso. Vejo nos jornais. Em Capadócia cai balão, em Boituva são os paraquedistas que desabam. Que pretende fazer em Boituva?

     — Exatamente o que pretendo fazer, caiu de paraquedas, mãe.   Foi a solução, a felicidade, mãe!

    — A senhora quer participar de um casamento!


   — Ora se quero! Sua mãe é esquecida, mas vê o que é justo. Que ótimo filho!

... E vem o sol de João - M aria Luiza de C. Malina

 

... E vem o sol de João
M.luiza de C. Malina

O silêncio mágico da floresta que o acompanhava se distanciava a cada batida de seu coração, dando lugar ao ruído de brinquedos que mal conhecia.

O jogo na tela deixava seu pensamento pousado no ar. Nada se parecia à alegre peteca livre a pular de mão em mão com os movimentos de dançarinos falantes e sorridentes.


No entanto, seu coração pedia para rir. Estava entrando num mundo onde os dedos se movimentam com a rapidez de uma flecha fazendo o pensamento jogar. O balançar do corpo do novo amigo seria a dança das petecas. Queria experimentar todo o novo momento dessa amizade onde ninguém tem um nome e onde os livros não têm mais a aparência de livros.

Zé do Mate - Suzana da Cunha Lima



ZÉ DO MATE
Suzana da Cunha Lima

Zé do Mate era conhecido em toda orla Ipanema/ Leblon.  Sorriso pespegado num rosto curtido pelo sol, de nordestino sobrevivente, já marcara seu território entre o Arpoador e o morro Dois Irmãos, gritando seu grito de guerra, com um sotaque que denunciava suas origens: Mate! Olha o mate!

Para quem viera de um sertão muito feio e ressecado,  sem água e sem esperança, o que ele enxergava ali, no seu pedaço de trabalho, era o paraíso.

O mar se derramando na areia fina, a beleza inacreditável do mulherio e o conforto da brisa dourada que teimava em voar com seu chapéu de palha.

O ombro já se tinha moldado ao depósito de mate, que ele mantinha reluzente, enquanto carregava, de outro lado, os copos de plástico e os saquinhos do biscoito Globo.

Era a cara do Rio de Janeiro, e seu reino era aquela praia e nela,  o Rei.  Já lidara com muito garoto atrevido, com muitos ratos de areia e  ladrãozinho pé de chinelo, até mesmo de dois ou três arrastões , e já vira briga feia de mulher bonita com homem ciumento.

E belas mulheres era o que não faltava naquela orla abençoada por Deus e bonita por natureza.

O ponto final de seu ônibus, para voltar para casa, ficava no Jardim de Alá, que separa simbolicamente Ipanema do Leblon, através do canal que vem da Lagoa para a praia. É um lugar bucólico, com muitas crianças brincando e muitas babás fofocando e falando da vida das madames.

Estava ali um dia, tranquilamente,  a saborear um cachorro quente que comprava sempre do Mané português, companheiro seu e vizinho no bairro do Grajaú, quando seu ouvido captou uma conversa entre babás, que o interessou.
- Cida, tu sabe aquele escritor famoso que mora no Baixo Leblon? – perguntou Nice para a outra, que embalava um menino pequeno.

 - Um meio careca, que de vez em quando caminha aí pelo calçadão? Responde Nice.

- Esse mesmo,  tá sempre de sandália havaiana e bermuda. E faz ponto no Bar do Chiquinho, no final do dia.

- Bem, que tem ele? Tá bem gasto já, não é? Que é, tá de olho nele?

- Deus me livre, pode ser famoso e cheio de dinheiro, mas de velho eu quero é distância.

- Bom, outro dia ele esteve lá na casa onde trabalho.

- E o que ele foi fazer lá?  – quis saber Nice, enquanto acomodava a criança, que já dormia, no carrinho..

- São amigos, minha patroa escreve também, é famosa. - esclareceu Cida, que conversava de olho nas correrias do menino que cuidava – e falaram de sua patroa.

- De dona Rosinha? Mas ela não escreve nada, só faz cuidar de sua beleza e aguentar as crises do marido,  um cão de guarda, ciumento que só – informou Nice, o olhar vagando pela praça, até que se deteve no Zé do Mate, sentado num banco próximo.

Nesse instante, os olhos de ambos se cruzaram e  parecia que havia uma corda elétrica entre os dois olhares, um espanto que queimava. Nice abaixou os olhos, cutucou Cida e falou baixinho:

- Cida, lembra Zé das Quengas, lá de nossa terra? Que sumiu tem mais de dez anos, te deixando com um filho na barriga?

Cida  retrucou, já exaltada - Não esqueço nunca aquele safado, sem vergonha, filho do chifrudo. Você sabe bem, Nice, tive até que fazer a vida, antes de vir para cá, pra dar leite para o menino.  Mas por que essa conversa agora?

- Porque ele está bem ali, naquele banco. Olha para lá, vê se não é ele. - Disse Nice, enquanto balançava o carrinho para seu bebê não despertar.

Cida olhou e levou um susto - Nossa, é ele mesmo. Ai, que me sinto mal. Nice, vai lá pegar o Carlinhos para que eu possa tomar satisfação com aquele miserável. Ah, hoje ele não me escapa.  – e foi-se levantando, com a fúria estampada no rosto.

Nice foi buscar o menino, tentando acalmar a amiga: Calma, Cida, faz tempo isso..

- Que calma nem meia calma, Nice. Segura bem aí o Carlinhos. Ah, hoje ele vai ouvir o novo e o velho... – Ela  levantou-se em direção ao Zé do Mate, mas começou a ver tudo escuro e caiu ali mesmo, desmaiou.

- Acuda aqui – gritou Nice para o Mané português, que estava bem próximo com sua carrocinha. - A moça desmaiou, pede auxilio pelo celular.

Quem ouviu primeiro o pedido de socorro foi o Zé do Mate, que observava a tempos, as duas babás.  E tratou de sair dali bem rapidinho, enquanto matutava na pequenez do mundo.

Mas como,  com tanto lugar para ir e morar, aquela rapariga foi me encontrar logo aqui no Rio de Janeiro?



ATITUDE INFELIZ - Oswaldo Romano



ATITUDE INFELIZ                                                                 
Oswaldo Romano  
                                        
            Uma aluna prestes a se formar, havia se encantado com o estudante alcunhado de Mococa, figura tida galanteadora no seio da classe. O pai da aluna na eterna proteção dos filhos, apurou que Mococa desde a infância aprontava situações que complicavam sua própria família.

            Com toda experiência ganha no correr do tempo, seus pais tentavam convencer Luci, que rompesse esse namoro, pois ele lhe traria sérios aborrecimentos no futuro, terminando por destruir sua vida.
            — Filha - dizia o pai - dei-lhe tudo que pediu, desde o  berço até nossos dias. Agora sou eu quem pede. Corresponda nos dando um genro digno, correto, querido por nós como queremos você.
            — Pai eu estou evitando sair com ele, nem o convidei para a quermesse.

            Mococa numa festa anterior foi expulso por mau comportamento no recinto. A direção do Colégio, depois de várias reprimendas, o suspendeu por tempo indeterminado, certos de que procuraria outra casa de ensino.

            Mas o infeliz, todos os dias, no horário da saída dos alunos, lá estava  apaixonado cheio de ciúmes de Luci que por ele não curtia mais afeição. Ela vinha flertando com Carvalhinho, um assentado colega. Assentado mas escondia imprevistos admirados por todos.

            Nesta nova festa, Mococa foi avisado para não aparecer, pois seria pessoa não grata, seria cortado. O mesmo tinha acontecido na festa anterior, mas driblando a segurança, pulou o muro dos fundos.
            Desta vez o Carvalhinho, membro da Comissão de Formatura, estava preparado para impedi-lo. O namoro de Luci já havia terminado. Mococa agora, na sua paixão desprezada aflorou uma vingança. Caso não conseguisse a reaproximação, entraria na festa pulando novamente o muro.

            Carvalhinho já previa alguma encrenca. Entre os cuidados,  prevaleceu  vigiar o muro em primeiro lugar. Seu feitio de poucas palavras ordenou ao servente, fechar as descargas sanitárias. Mais tarde, gratificando o servente, fez juntar aquela coisa toda e antes do início da quermesse aplicou sobre o muro uma bela camada daquele dejeto nojento.

            Mococa e mais dois amigos já calibrados, desprezando consequências, no impulso pularam de novo o respeitável muro. Caíram no pátio do recreio.  Foi a maior decepção. Mãos, camisas, calças, tudo lambuzado. Possessos, tomados de fúria alcoólica, mesmo sujos foram para o centro da festa, apertando mãos, esparramando aquele grude nos cumprimentos. O revide durou pouco.

            A viatura da polícia estava a postos. Foram levados pelos policiais até a rua, mas dada aquela sujeira, requisitaram um camburão para o transporte.


            Mococa, tarde para muitos, sumiu do bairro. Sua história ficou para comentários sarcásticos, sempre lembrados nas memórias do colégio.


Vendedor ambulante - Maria Luiza C. Malina

Vendedor ambulante
Maria Luiza C. Malina

Final de sexta feira totalmente atarefada. Lembrei que precisava entregar no Consulado Brasileiro os documentos para a renovação do passaporte e ainda tinha que pagar a mísera taxa. Banco fechado. Último dia. Tudo bem, brasileiro versus brasileiro, vamos que vamos que dá certo.

Aquela correria de troca de trens, as horas sumiram e se transformaram em terríveis segundos.

O suor da esperança não combinava com minha aparência, e de repente um cheiro que faz o estômago de qualquer mortal olhar para traz, para comprar.  Fui mais forte em meu querer e olhei de relance para o tabuleiro com coxinhas, empadinhas... Dei uma de super homem e num segundo fatal lá estava eu em frente a uma estonteante loira, entregando meus preciosos documentos. Ela até perdoou a falta de recibo de taxa na condição de que fosse efetuado via computador, mas não perdoou a falta de envelope.

Lá fui eu escada abaixo procurando um lugar para comprar o tal envelope, pois receberia meu passaporte pelo correio.

Novamente o cheiro de saudade tomou conta de mim e resolvi perguntar para a tal pessoa dos salgadinhos onde comprar o tal envelope:

- Aqui mesmo comigo! 3 euros!
- Ahnn! Quanto? 3 euros?
- Sim 3 euros, e sei que na volta, você vai passar aqui e vai comprar uma coxinha.
- OK. OK. Depressa!
Lá fui eu escada acima, de alma lavada,  levando o tal envelope com cheiro de fritura. Deu tudo certinho como 2 +2 é igual a quatro.

Realmente comprei os salgadinhos e perguntei:

- Como faço para encontrar a senhora de novo?
- É só perguntar pelo meu nome.
- Mas qual seu nome?
- Maria,  Presidente da Associação de Brasileiros de Hamburg. E, aliás, já vou te convidar a conhecer o nosso grupo, pois haverá uma festa de junho e teremos as comidas típicas de festas juninas brasileiras.

Quase cai das pernas, a respiração ficou dependurada, pois julgava que fosse apenas uma brasileira desempregada, fracassada tentando algum dindin como ambulante. 


Bem vindo ao Novo Mundo! Esqueci o nome da loira estonteante, será que meu amigo Alzheimer chegou antes de mim?