ÓCIO - Sergio Dalla Vecchia

  



ÓCIO

Sergio Dalla Vecchia

 

Certo domingo acinzentado, vez ou outra soprava um vento frio que ratificava o final de outono.

Desfrutando um lapso de individualidade, lá estava eu acomodado na cadeira de praia, sem nenhum dos familiares fugidos dos vinte e dois graus Celsius.

As ondas assediadas pelo vento explodiam uma após outra bem à minha frente, separadas somente por uma pequena faixa de areia. Não eram grandes, mas suficientes para abraçarem minha ociosidade.

Empolgado pela coreografia das pessoas que desfilavam pela pequena faixa de praia, invoquei abracadabra e me transformei em uma câmera fotográfica.

Ajustei-me na posição automática de velocidade, diafragma, luz, etc.

O primeiro clic registrou a adolescência na forma de três biquínis coloridos andando descontraídos em risadinhas e trejeitos típicos.

O segundo disparo marcou um casal, ela aquecendo-se envolvida pelos próprios braços e ele com as mãos para trás, pensando já na segunda-feira.

O terceiro notou duas senhoras em prosa tão animada que não estavam nem aí com a temperatura, o assunto era quente.

O quarto se compadeceu da expressão desolada do vendedor de sorvetes, empurrando o carrinho pesado de mercadoria, que não seria vendida.

Continuei clicando as mais diversas impressões até que culminou com a passagem de um senhor alto e longilíneo. Desfilava em marcha batida, passos largos, braços soltos, olhar altivo e protegido com um belo chapéu panamá. Era o retrato do sucesso, resolvido e independente!

E, com o impacto da última imagem, terminei meus registros e voltei a ser eu mesmo.

Levantei-me, calcei as sandálias e parti para casa, marchando em passos largos, braços soltos, altivo e protegido pelo meu inseparável boné.

Assim, continuarei seguindo a marcha vitoriosa almejando a troca do meu querido boné por um panamá, era só o que me faltava!

 

Por aí. - Oswaldo U. Lopes

 



Por aí.

Oswaldo U. Lopes

 

         Regina estava fazendo o que mais gosta, guiando o carro, por aí, meio sem destino e ouvindo música popular brasileira antiga. Sem destino, ficava mais no inconsciente, gostava de guiar carro por aí, mesmo sabendo que ia para casa da filha. Música popular brasileira antiga era mais correta. Tinha dezenas de pendrives perfeitamente identificados que acoplava ao rádio do carro.

Um pequenino grão de areia.

Que era um pobre sonhador.

Olhou no céu, viu uma estrela.

Imaginou coisas de amor.

       Essa fazia parte do lote marcha rancho, como Bandeira Branca e tantas outras cuja história estava ligada ao Desfile das Grandes Sociedades. Tivera oportunidade de assistir a esse tipo de desfile no Rio de Janeiro, quando eles aconteciam na Av. Getúlio Vargas. Candelária numa ponta e o imponente Ministério da Guerra na outra.

       Parou de pensar por aí, ia acabar revelando a idade. Devia ser um cuidadoso ajuntamento dos dois x nos cromossomas, dava uma mistura ótima, muito bonita, mas que se recusava a entregar a idade até para a polícia. Quantas vezes dissera a idade, quando inquerida, na base dos trinta e poucos, sessenta e poucos e por aí ia.

 

Passaram anos, muitos anos.

Ela no céu, ele no mar.

Dizem que nunca o pobrezinho,

Pode com ela se encontrar.

 

Adorava essa música e conhecia os autores de cor e salteado:

Marino Pinto e Paulo Soledade.

Paulo era dado nos fichários e currículos como aviador. Ele de fato era, mas voara na PAN AIR, daí chamá-lo de comandante, no mínimo, era mais justo. Fazia parte de um grupo de boêmios que incluía Sergio Porto, o famoso Stanislaw Ponte Preta, dos FBAPA (Festival de Besteira que Assola o País), Carlos Niemeyer, Pignatari e outros que se auto chamavam “Clube dos Cafajestes”. Era difícil associar Cafajestes com Pequeno Grão de Areia, mas era como queriam ser conhecidos em Copacabana e adjacências.

Há pouco tempo descobrira que no Havaí, na universidade local, os caras calcularam quantos grãos de areia havia na terra. Esse interesse devia ser porque, em qualquer direção que você andasse, no Havaí, você encontrava areia. Bem, lá vai: haveria na terra 7,5 quintilhões de grãos de areia. Não dá nem para imaginar, isso é 7,5 × 10 ^18 zeros. E as estrelas, então, quem calculou foram os da Universidade de Cambridge e o número é ainda maior: 1 × 10 ^22 zeros.

Com tantos grãos de areia e tantas estrelas no mar, nossa história ganha outro contorno. Era difícil mesmo o grão de areia com a estrela se encontrar, mas a estrela-do-mar continua com sua origem misteriosa.

Se houve ou se não houve,

Alguma coisa entre eles dois

Ninguém soube até hoje explicar

Mas a verdade é que depois, muito depois

Apareceu a estrela-do-mar.