POESIA NUMA HORA DESSAS - Oswaldo U. Lopes

 



POESIA NUMA HORA DESSAS

Oswaldo U. Lopes

                                        Eu canto porque o instante existe

                                          E a minha vida está completa

                                          Não sou alegre nem sou triste

                                                       Sou poeta

                                       Cecilia Meireles (1939)

 

        A ideia do título não é minha, mas cabe muito bem nesta hora que tem toda cara de hora dessas.

        Se você perguntar a qualquer criança ou mesmo adulto no Brasil quais os maiores poetas brasileiros, irá ouvir, sem pestanejar:

Castro Alves, Alvarez de Azevedo, Gonçalves Dias, Vicente de Carvalho, Olavo Bilac, Casemiro de Abreu.

        Se tiver sorte ou se seu interlocutor, for do tipo

“li bastante” poderá ainda ouvir:

José de Alencar, Fagundes Varela, Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida (se seu interlocutor for paulista), Cecilia Meireles (morte aos machistas), Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade (haja pedras no caminho)

        Se for uma pessoa mais dedicada à leitura e ao conhecimento da literatura brasileira, dá para ouvir:

Basílio da Gama, Cruz e Sousa, Gregório de Matos, João Cabral de Melo Neto, João Guimarães Rosa (seus primeiros livros eram poemas), Raimundo Correia (haja pombas), Tomás Antônio Gonzaga (sucede Marilia bela), Solano Trindade (não é o único, mas um representante maior da poesia negra) e outros.

        Bem, perguntaram ao Manuel Bandeira qual o verso mais bonito da nossa literatura e ele sem hesitar sapecou:

 

“Tu pisavas os astros distraída”

        Autor, o poeta Orestes Barbosa que não está em lista nenhuma, porque fazia letras que eram depois musicadas. A música chama-se Chão de Estrelas e lá existem outros versos de fundir a alma:

 

“ Nossas roupas comuns dependuradas

Na corda, qual bandeiras agitadas

Pareciam estranho festival!

Festa dos nossos trapos coloridos

A mostrar que nos morros malvestidos

É sempre feriado nacional

 

        Dorival Caymmi também não consta da lista, escreveu muitas poesias, porém todas musicadas, a coleção de suas composições é um relicário de poemas:

 

“Nada como ser rosa na vida”

 

“A jangada saiu com Chico Ferreira e Bento

A Jangada voltou só.”

 

        Algumas de suas composições como a Gabriela, feita para novela, contém uma formação de soneto imperfeito, lá estão as estrofes: duas de quatro versos (quarteto) e as duas finais de três versos (tercetos). Faltaram os versos dodecassílabos (alexandrinos).

        Outro que não vão encontrar na famosa relação de poetas brasileiros é Luís Antônio, nome artístico de Antônio de Pádua Viera da Costa. São dele os memoráveis versos:

 

“Barracão de zinco,

Tradição do meu país,

Barracão de Zinco,

Pobretão infeliz.

 

Vai, Barracão

Pendurado no morro

E pedindo socorro

À cidade a teus pés.


        Quem se lembrou de Elizeth Cardoso e de Jacob do Bandolim, tem a minha idade, minha saudade também.

        Qual uma das características mais marcantes da poesia musicada? A presença da rima. São pouquíssimas as canções em que se encontram versos brancos.

        Isso remonta aos menestréis da Idade Média.  Cavaleiros andantes iam de vila em vila, com seus alaúdes, cantando e juntando o povo para escutá-los, muitas vezes no pátio das Igrejas ou mais frequentemente, no das tavernas. Pode-se dizer que deles e desses aglomerados com o povo, nasceram os teatros populares que pouco faziam das regras aristotélicas de unidade de tempo, lugar e de ação.

        O teatro inglês da época elisabetana, Shakespeare à frente, deriva desses menestréis e de sua atividade.

        A rima era usada porque isso facilitava a memorização para eles e para os assistentes, porque muito do seu soldo dependia do cantar dos populares que os ouviam e os acompanhavam.

        O verso chamado branco, no teatro inglês, era motivo de disputa e de divisor entre os letrados, universitários e os outros. Saber fazer um verso branco, caracterizado pela métrica rigorosa, mas sem rima, era a glória.

        O desafio dos poetas ficava por conta dos sonetos, estrutura famosa de catorze versos e com rimas regulares. Maravilhosa invenção italiana, como a Pizza, a Pasta e o Panetone. Criação cuja consolidação é atribuída e com razão a outro famoso P italiano, Petrarca.

        Todo poeta almeja escrever um ou vários sonetos. Não se considera um poeta completo se não o fizer.       Vinicius de Moraes, o poetinha, que se tornou conhecido pelos versos musicados, escreveu e publicou belos sonetos, na mais clássica forma.

 

“De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto”

 

“Eu possa me dizer do amor (que tive)

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure

 

        Este seria o quadro estrutural com os poetas músicos fora da pauta, não fosse a Academia Sueca entregar o prêmio Nobel de literatura a Bob Dylan. Músico norte-americano, famoso pelas suas músicas, cheias de rimas e de maravilhosos versos, ganhou o Nobel sem jamais ter escrito um livro (coletânea de cifras e letras, não contam), mas numerosas canções, ricas de versos e rimas:

“And how many years can some people exist

Before they’re allowed to be free

Yes, and how many times can a man turn his head

And pretend that he just doesn’t see

 

The answer, my friend, is blowin’ in the wind

The answer is blowin’ in the Wind”

        Dia virá em que perguntado sobre os poetas brasileiros mais conhecidos, o inquirido, além dos habituais, vai incluir: Noel Rosa, Cartola, Orestes Barbosa, Luís Antônio, Paulinho da Viola, Dorival Caymmi, Milton Nascimento, Chico Buarque, Gilberto Gil entre outros... Dia virá.



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