PANDEMIA - Mario Augusto Machado Pinto

 




PANDEMIA

Mario Augusto Machado Pinto

 

 

Ai, isso é que é. Às vezes acontecem coisas boas: hoje tem sido delas: ditos, palavras, conversa, risadinhas e gestos, carinho e carícia, o enrosco... Dormi. Acordei de par de colherinha. Gostei. Há quanto tempo! Deu vontade de cantar. Abri a janela e soltei aquela:

...“GOSTO QUE ME ENROSCO DE OUVIR DIZER....”, o que me lembrou do compromisso assumido (arre!!!): hoje, pelo meu amor devo fazer de conta que recomeço  ginasticar  andando oito quilômetros nem  que leve o dia inteiro ou que faça  a Mimoza mugir. É isso que pode dar depois de tudo e dizem que a mulher é a parte mais fraca. Pois sim! Elas têm a chave e o segredo do cofrinho e é aí que o

 ...”HOMEM COM SUA FORTALEZA DESCE DA NOBREZA E FAZ O QUE ELA QUER, turum, tururum, tun, tun!”.

É, faz e faz gostando, verdade; aceitem ou não, essa é a realidade.

Mas, afinal o que me leva chegar a tudo isso? O sorrateiro rei com reinado e com coroa, com rainha e castelo vermelho híbrido, não percebe? É a quarentena prometendo que fará visita rápida, fugidia qual enguia fresca. Pelo parecer médico é cordão elástico colado ao pescoço de cada um;  TV, livros, jornais e tanta coisa mais durante tanto tempo que a cachola, verdadeira roda gigante, fica girando de endoidar; a fala limitada à clemência do celfone é cerebrina ou fantasiosa brigando entre si pra ver quem ganha a tal

...TAUBA DO TIRO AO ÁLVARO...”.

 

Ovo fritado, fatias de pão torradas ao ponto, geleia de mirtilo, suco, café quentíssimo; tomados e comidos, vou andar os oito quilômetros.

 

O povaréu está o mesmo; bem, nem tanto, está um pouco mais magrinho; mais uma vez continua olhando torto minha invasão do areal com matinho e sujeira pra chegar à praia. Paro um pouco pra regular o respiro. Busco conhecidos: lá está o Mané esquentando o óleo pra fritar camarão, o Tatuzinho com seu “pau de sebo” pra criançada, o pipoqueiro (novo no pedaço; o cara é biruta: pipoca às dez da uma manhã nebulosa?), a “Kiboa” unindo os olhares rolando pros lados seu bumbum olímpico: ninguém assovia, há respeito se não já viu, né? Ouve o que não quer, tudo que as senhoras dizem que deixa vermelha a casca dos tomates; o cara da padaria jogando sinuca enquanto aguarda a freguesia; o Waltinho, coitado, “noiva” da garotada gozadora. Há outros que estão chegando. Basta. Não vou citar: não sou funcionário do IBGE.

 

Chegando à areia da praia, branca perolada, lanço meu duplo olhar: um, periscópico, até onde consigo ver; o outro, verdadeira roleta separa as moçoilas ansiando pela oportunidade de jogar a bolinha e obter o 7 preto. Porque o 7 preto? Não sou arco-íris, sempre arcado. Estou mudando. Vale? Não sei. Acho que poderá ser meu número de sorte.

 

Andando devagar percorrendo a areia úmida, compacta, dura, não perco detalhe. Levo bruta susto: alguém deu um tapinha no meu ombro direito: viro-me e dou de cara com o Sergei (ele corrigia a pronúncia pra Serguei até ouvir a estória do Sir Ney). Coincidência? Não sei, mas tinha tudo que ver uma coisa com a outra. A gente passou a respeitar e usa a pronuncia que ele quer. Acho que ele se sente importante na sua maluquice. Bem, não vamos exagerar, mas o cara é diferente e bota diferente nisso: começa que ninguém sabe ao certo do que ele vive ou, melhor, como paga suas despesas e as do casarão em que mora. Tá certo, dá umas palestras que trazem carros chiques e madames perfumadas e cantoria de fora. Diz que ensinava tecnociência; agora é biociência, sei lá o que isso possa ser, mas diz que tudo gira ao redor do corpo humano de outro jeito, maneira mais sofisticada. Pra mim é conversa mole pra ricaço encher o tempo. É bom esclarecer que já sumiu. Dado como morto por um ano reapareceu pra expulsar maloqueiros que ocupavam seu casarão.

 

Fuçador, meche com tudo, principalmente com coisas exóticas, bem diferentes. Por delicadeza pergunto o que está fazendo. Diz que escreve um dicionário de palavras com grafia igual, idiomas e significados diferentes; muitas vezes igual.

 

Como assim? Digo. Dá exemplos.

 

Grave (português), grave (sepultura em inglês);

cancelar - cancelar (pagar espanhol);

oásis, igual em port. e inglês;

ocular, original, organza (idem em Ingl).;

caro (port), caro (querido (ital.);

eleve (port) élève (aluno (Fr.):  

chatô (casa gíria favela port) chateaux (Fr.).

 

Olha, fica com este caderno: há milhares de palavras. Pode ficar, insisto; tenho cópia. Vai, fica. Deixa-me ir. Vou pesquisar mergulhando no mar. Óia, uma última coisa: Você sabia que o pescador quando sai pra pesca – a bem dizer – vai trabalhar? Pois é. Precisa dar valor. Agora, estou intrigado é com o que estão cantando. Pergunto: o quê?  Responde cantando:

 

......É DOCE MORRER NO MAR, NAS ONDAS VERDES DO MAR....

 

Pergunto: o quê lhe preocupa?

Responde: Como é que ele sabe?

 

Sergei nunca mais foi visto.



Um comentário:

  1. Que saudades dos seus escritos, Mario Augusto. Adoro o seu estilo. Tem a sua personalidade. Adorei. Abração Ledice

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