O EMPREGADO - Antonia Marchesin Gonçalves


                       


O EMPREGADO
Antonia Marchesin Gonçalves


                Alguns anos após a minha chegada ao Brasil, consegui abrir a minha empresa de empreiteira trabalhando na construção e reformas de casas. Muitos dos meus empregados eram brasileiros, mas também italianos que chegavam aqui sem emprego eu os ajudava até se estabelecerem e trazerem suas famílias.

                Certo dia, ao chegar cedo à empresa, já havia vários homens na fila para as entrevistas, e qual não foi a minha surpresa, ao ver um conterrâneo na fila, entrei no escritório e pela janela fui olhar, para confirmar minha suspeita sobre essa determinada pessoa. Realmente era ele, envelhecido, cabeça baixa, muito diferente da soberba do jovem que conheci, apesar disso o reconheci. Era meu vizinho, crescemos juntos, estudávamos na mesma escola, isso bem antes da ascensão do fascismo do Mussolini. Jovens e amigos, mas a diferenças políticas nos distanciou.

                Ele se tornou um verdadeiro fanático, enquanto eu era totalmente contra. Assisti às discussões e brigas horríveis e sempre ele era o protagonista delas. De adolescente alegre, tornou-se um homem prepotente e autoritário, com um olhar de lobo feroz. Com o seu grupo de fanáticos tentavam convencer aos outros, nem que fosse a força. Um exemplo que mais me impressionava eram as invasões às casas dos adversários, munidos de óleo de rícino, torturando os moradores jogando o óleo goela abaixo, pichando também as casas, outra forma de intimidar.

                Após o início da guerra não o vi mais, e em 1949 vim para o Brasil e quando retornava à minha cidade, ninguém sabia notícias dele. Ao olhá-lo agora na fila da minha empresa não vejo mais aquele olhar, nem a prepotência e sim uma pessoa derrotada pela guerra. Ao chegar a sua vez na entrevista não me reconheceu de imediato, precisei de um tempo para que se lembrasse de mim e surpreendentemente começou a chorar, arrependido do ocorrido naquela época.

                Tornou-se o meu melhor empregado, de confiança total, vestindo a camisa da empresa como se fosse dele até morrer.
               

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