QUEM É QUEM NESSE EMARANHADO DE SUJEIRA - Ledice Pereira



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QUEM É QUEM NESSE EMARANHADO DE SUJEIRA
Ledice Pereira

As marcas de sangue, sobre as pisoteadas folhas amarelecidas do outono, levaram a equipe de investigação à casa abandonada. O café ainda morno, a luz acesa do quarto e as cobertas emboladas sobre a cama indicavam que alguém acabara de evadir-se.

Enquanto uns examinavam cada milímetro daqueles cômodos, recolhendo amostras, inclusive de um cigarro que fumava sobre o cinzeiro, e observando as pegadas de barro, tamanho 42 ou 43 perto da porta da cozinha. Outros, armados, portando lanternas, aventuravam-se pelas matas que circundavam o local, em busca de alguém ou de mais provas que elucidassem o que ocorrera.

A central recebera um telefonema estranho. Alguém, gaguejando, pedia socorro indicando aquela localização. A ligação caiu antes que se identificasse.

Uma chuva forte despencou, obrigando a equipe a retornar à casa. Naquela época do ano escurecia muito cedo, dificultando o trabalho externo.

Dentro, os trabalhos continuavam. O fio do telefone havia sido cortado.

Na cozinha, uma faca pontuda jazia sob a pia, revelando marcas de sangue.

O local foi todo isolado. Alguns curiosos aproximaram-se, mas a chuva tratara de afastá-los.

Há quilômetros dali, na única livraria da cidade, aguardava-se a chegada da principal figura, Jonathan Tiberius, para sua noite de autógrafos. Seu livro revelava os podres dos políticos do lugar.
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Jonathan, homem negro e pobre, venceu as agruras da vida, conseguindo, a duras penas, estudar e se formar jornalista.
Por lutar contra a gagueira, que limitava seu trabalho, preferiu dedicar-se ao jornalismo escrito, tornando-se um profissional investigativo.

Nesse livro, ele detalhava as atividades de um grupo político que se beneficiava de vantagens ilícitas. Não citava nomes, mas os descrevia de tal forma que não deixava dúvidas quanto às identidades.
O conteúdo, não se sabe como, vazara alguns dias antes.
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Os convidados, em grupos, questionavam o atraso de Jonathan. Todos estavam curiosos sobre o teor do livro, cujo título “QUEM É QUEM NESSE EMARANHADO DE SUJEIRA” os intrigava.

As horas passavam rapidamente, e nada de Jonathan. O que teria acontecido?

A Livraria costumava cerrar as portas, pontualmente, às 22 h.

A noite de autógrafos foi cancelada.

Durante a madrugada, o Corpo de Bombeiros foi acionado para atender a um princípio de incêndio na Livraria. O dono, que residia ao lado, fora despertado por estranhos ruídos. Pela janela, pensou ter visto um clarão na vitrine. Julgou que tivesse deixado alguma luz acesa e dirigiu-se para apagá-la. Algo pegava fogo. Ligou para o número que tinha em letras garrafais perto de seu aparelho telefônico e usou do extintor para tentar conter as labaredas que se intensificavam. Alguns livros, entretanto, foram destruídos, outros chamuscados.
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Os bombeiros logo conseguiram conter o fogo. Um vidro quebrado denunciava que por ali fora introduzido o coquetel inflamável.  
A polícia local, unindo os fatos, passou a procurar pelo escritor, não descartando a possibilidade de homicídio.

A cidade e arredores foram revirados, enquanto os peritos analisavam as provas colhidas. As impressões digitais coincidiam com as de um detento preso por crime a mão armada.

Como poderia pertencer a um preso”─ perguntavam-se.

Na prisão, foram informados que andavam à cata do indivíduo, fugido há semanas.
Um dos presos abriu a boca, contando que viu quando o carcereiro recebeu uma grana alta para fazer vista grossa à escapada do sujeito. Foi no dia que o Prefeito visitou a penitenciária junto com uma comitiva.
                                                        
Diante dos fatos, a Delegacia de Homicídios tomou para si a investigação. O delegado e os investigadores dividiram-se  em grupos fazendo uma grande varredura na região.

Seguindo pistas, chegaram a um cemitério de veículos abandonado. Forte cheiro exalava de um dos carros. Ali, encontraram um corpo que atribuíram ao do jornalista, já em adiantado estado de decomposição.
                                                                      
Os legistas confirmaram a morte a facadas.

O assassino, ao ser capturado, não teve como negar o crime, denunciando os mandantes.

Foi determinada a prisão temporária do Prefeito e de toda sua comitiva, mas graças aos habeas corpus impetrados foram colocados em liberdade embora impedidos de se ausentar da cidade até o final das investigações.

O dono da Livraria, amigo particular e revisor dos escritos de Jonathan, fez questão de que os livros, que sobraram do incêndio, fossem distribuídos para moradores da cidade para que tomassem conhecimento das falcatruas que por ali aconteciam.

O caso levou os promotores a realizarem a Operação “AO PÉ DA LETRA” que, após dois anos de intensivas investigações, culminou com a prisão definitiva, não só do Prefeito, mas de vários de seus assessores, cujos bens foram confiscados. Apesar dos vários recursos impetrados pelos famosos advogados de defesa, todos amargaram anos de isolamento nas prisões de segurança máxima do Estado. Diante das provas contundentes, todos os habeas corpus foram negados.    

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