GATO NA OLARIA - Oswaldo U. Lopes



GATO NA OLARIA
Oswaldo U. Lopes

        ― Hiroito, você conhece a capital da cerâmica?

        A voz do delegado Fabrício ao telefone era inconfundível, a mais das vezes significava um caso complicado num lugar distante e aborrecente.

        ― Não senhor, não conheço.

        ― E Santa Gertrudes, município que é chamado “capital da cerâmica”?

        ― Também não conheço.

        ― Porra Hiroito, o que você conhece em matéria de cerâmica?

        ― Porto Ferreira, delegado.

        ― Porto Ferreira é coisa pequena, louças e objetos. Estou falando de coisas grandes, pisos, revestimentos etc. Dos municípios de Santa Gertrudes, Ipeuna, Charqueada, Iracemápolis, Limeira, Araras e Rio Claro que compõe o coração da cerâmica no Estado de São Paulo quais você conhece?

        ― Rio Claro e Araras, de passagem.

        ― Santa ignorância dos nascidos na capital. Em que bairro você nasceu Hiroito?

        ― Em Santana, delegado.

Eta conversa sem fim, pensou Hiroito. Ele quer falar de crime, porque não fala logo. Tá de bom humor hoje, mas sei que vai sobrar pra mim.

        - Ótimo, você toma o ônibus para Rio Claro que tem mais horário, que eu peço para o Evilásio, investigador da delegacia de Santa Gertrudes te apanhar lá. Mataram um cara numa olaria e eles estão meio que totalmente perdidos. Vai com Deus e vê se faz um serviço decente.

        Sem muito que fazer e sem ter, no momento um livro que o apaixonasse, Hiroito se divertiu fazendo sudoku durante a curta viagem. Ele sabia que originalmente o jogo não era japonês, mas foi no Japão que ele cresceu e se tornou uma paixão, talvez devido à dificuldade de fazer palavras cruzadas com o alfabeto japonês.

        Nem percebeu a viagem e chegou a Rio Claro onde foi recepcionado pelo Evilásio portando uma placa simples - Sr. Hiroito. Para sua surpresa Evilásio era discreto e não tinha a empáfia habitual dos investigadores do interior quando em confronto com os sabichões da capital.

        História comum, Seu Antônio Madeira era dono de duas olarias em Santa Gertrudes. Embora o município fosse famoso pelas cerâmicas, também tinha olarias e carvoarias. Afinal do mesmo barro se faz lajeados finos e tijolos banais. Também havia carvoarias e não era para produzir finos carvões para churrasco. Muitas cerâmicas e olarias eram tocadas a carvão o que barateava o custo do processo.

        Bem, Seu Antônio, português endinheirado fora encontrado em seu escritório, dentro da olaria, estrangulado com o fio do mouse que suprema ironia fora pendurado atrás de seu ouvido, numa alegoria à piada da padaria moderna em o português em vez de lápis tem um mouse atrás da orelha.

        O crime ocorrera fazia já há uma semana, de modo que embora a cena do crime estivesse preservada, o corpo já fora até enterrado. No relatório da necropsia o obvio, morte por estrangulamento causado por um fio fino que dera uma volta no pescoço da vitima. Cicatriz antiga de apendicectomia e só. O português era dono de uma saúde que lhe propiciaria vida longa não fosse o mouse.

        Hiroito percorreu detalhadamente o escritório do Seu Antônio que era simplesmente um quadrado fechado nos fundos da olaria. Como o pequeno recinto era revestido de vidros, de dentro do escritório era possível observar cuidadosamente a olaria seus fornos e os tijolos prontos amontoados. O cofre atrás da mesa estava aberto e Evilásio informou que ele fora encontrado assim e que dentro havia uma razoável quantia em dinheiro, R$17.500,00 que foram anexados ao inquérito.

        Como o assassinato só fora notado na manhã seguinte, não foi por falta de tempo que o criminoso, no caso de roubo, “esquecera” a grana.

        Seu Antônio como muitos outros comerciantes operava mesmo era com dinheiro vivo. Tinha conta em banco meio que para constar. Pagava e recebia a maior parte das vezes em espécie.

        Aquilo cheirava a acerto de contas envolvendo honra, meio primitiva é verdade, mas não menos séria. Alguém fizera questão de levar somente o que era seu e deixando isso bastante claro. Não era crível que o cofre estivesse aberto e nada fora levado. Acerto de contas na bruta e sem apelação.

        Hiroito abaixou-se e recolheu atrás da cadeira do Seu Antônio um pó preto fino que nem chamava muito a atenção já que a limpeza no tal escritório não era praticada amiúde.  

        Ele perguntou a Evilásio se havia alguma carvoaria perto e foi informado de que sim Seu Albertino, pernambucano de Petrolina, tinha uma e fazia negócios frequentes com a olaria. Corria entre os empregados que o Albertino se queixava frequentemente de que Seu Antônio vira e mexe não pagava o combinado. Ele vivia dizendo que o combinado não era roubado e que Seu Antônio o estava explorando.

        Hiroito sugeriu que o Evilásio fosse atrás do Albertino e questionasse se ele fora a olaria para discutir algum pagamento. Era provável que Antônio estivesse com o cofre aberto como era costume no fim da tarde. Não desconfiara de nada, pois conhecia Albertino de longa data.

        Na certa, continuou seu raciocínio, avaliara mal o pavio curto do pernambucano que num repente pegara o fio do mouse e o enforcara retirando do cofre o que achava de direito. O mouse atrás da orelha fora só um arremate da raiva.

        Saindo da olaria percebeu, num dos pilares um gato preto e branco, bem nutrido que dormia a sono solto.

―Esse nunca levou tijolada.

        Evilásio riu porque também conhecia o ditado de que:

“Gato que levou tijolada não dorme em olaria.”

        Dito isso se recolheu ao quarto do hotel, ali em Santa Gertrudes mesmo, e se pôs a jogar mais um pouco de sudoku.

        Foi chamado duas horas depois por um Evilásio visivelmente embaraçado e confessando seu espanto pela precisão com que Hiroito acertara os mínimos detalhes. Albertino, como acontece com esses espíritos muito agressivos, confessara tudo e confirmara até os detalhes que o detetive da capital havia suposto, pondo fim ao mistério. Retirara apenas R$12.000,00 que era o quanto, segundo suas contas, lhe era devido.

        Agradecido Evilásio ofereceu a Hiroito um carro para levá-lo a São Paulo, uma carona até Rio Claro ou até mesmo um ônibus com paradas que saísse de Santa Gertrudes.

        Hiroito estudou as hipóteses e preferiu um ônibus na manhã seguinte, direto de Rio Claro para a capital do estado. Teria pelo menos uma noite sossegada para terminar o seu sudoku sem ser amolado pelo delegado Fabricio e seus casos “difíceis”.
       

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