CATACREDO
Silvia Helena
de Ávila Ballarati
Estava
Joaquina lá, deitada na rede, lendo um envolvente romance de época. Livro
melhor não haveria para ser lido numa casa de veraneio aos pés do Cerro Otto em
Bariloche. Quando a rede parava, ela dava um leve empurrão com o pé na parede e
voltava a balançar, lentamente, ao ritmo suave do tempo esquecido. Ficava a
observar o céu azulejado pelos tons do outono, enquanto curtia o momento
precioso que dera para si.
De repente
veio um som miúdo. Joaquina, levantou-se para averiguar. Sentiu um aperto na
barriga ao ver uma bolinha de pingue pongue cair pela escada. ‘De onde veio?’’ Perguntava-se incrédula!
Ninguém, além dela, estava na casa naquele fim de semana. Com certeza fora deixada pelos netos,
cabecinhas de vento, na última temporada de férias.
Voltou para a
rede, embarcou à toda no romance. Depois de um bom tempo, sentiu pesar o
silêncio do cair do dia. Resolveu ler dentro de casa. Marcou onde tinha parado
com a orelha do livro e se levantou.
Lembrou-se de quando comprou a casa que decidiu mudar quase tudo.
Durante a reforma, os vizinhos disseram que era mal assombrada. Nunca dera importância pra esse tipo de
bobagens, mas agora, sem bem porquê, lembrava-se disso. Seria olho gordo? Riu
de si mesma e entrou.
Instalada no
coração de seu quarto, na maravilhosa cama recheada de edredons, voltou à
leitura. Mergulhada na história, demorou a perceber o som da TV que ligara
sozinha. Apressada, pulou da cama para
pegar o suposto intruso com a boca na botija.
Ninguém, só uma notícia barulhenta sobre a Índia. Inauguração de um terminal de trem onde
pobres coitados se aglomeravam, formando um
formigueiro humano na estação.
Interessada pela notícia, Joaquina
parou para assistir a TV apoiada nas costas da cadeira e ali ficou.
Nisso, bateu
forte a porta da cozinha, a do banheiro, da sala, todas ao mesmo tempo. Novo
susto. Ao tomar pé da situação, viu que esquecera as janelas abertas, ventava
muito e já estava escurecendo. Percorreu
a casa toda, sempre fora corajosa, como dizia seu pai, uma mulher de alma valente.
Mas nesse dia estava apreensiva, começou a ficar com medo, admitiu pra si mesma. Mas o seu lado racional falou mais alto.
Tomou uma
decisão mágica. Voltou pro quarto, sentou-se no pé da cama e disse olhando pro
teto, alto e bom som. ‘’Olha, seja lá
quem for que tiver morado aqui! Volte, entre, fique à vontade nesta casa, ela é
sua ainda, pode andar por onde quiser! Vou voltar a ler, tá?’’
E trancou-se a
sete chaves, cerrou os dentes e com o coração aos pulos esperou. Aos poucos o
vento cortante foi cessando, as portas se aquietaram, guardou as bolinhas na
gaveta e fez o sinal da cruz. Pelo menos não estou mais sozinha, concluiu.
Vinha, você está se revelando aos poucos uma grande escritora. Muiiiiiittttooo bom! Parabéns!!!
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