A cantada
Ises de Almeida Abrahamsohn
Naquela manhã eu descia a rua em direção à avenida principal. Foi quando
vi o Renato vindo em minha direção. Andando a passos largos e, como sempre, de
jeans, camiseta e tênis. Renato é um vizinho que se mudou para a casa ao lado
há uns quinze dias. É um rapaz, alto, atlético, cabelos escuros, olhos claros e
dono de um sorriso cativante. Tudo isso para dizer que o cara é bonito mesmo.
Trabalha bem perto como instrutor de educação física. Já tínhamos conversado no
sábado da mudança dele e, por acaso, voltamos a nos encontrar ontem.
Renato se aproximou sorridente, me abraçou e assim, sem mais nem menos,
me tascou um beijo na boca. Fiquei simplesmente estupefata sem atender aquele
avanço. Aliás, até que foi bom, mas naquele momento o sentimento foi de susto e
indignação. Que atrevido! Conversamos
apenas aquela primeira vez e ontem por meia hora, se tanto, num café perto do
meu trabalho.
Renato percebeu a minha confusa e recuou.
̶ Cecília, o que foi? Achei que estava afim!
Ontem no café, não se lembra?
̶ Não lembro o que, Renato? Que papo é esse?
Tomamos café, conversamos banalidades. Eu estava lá com o Sandro, meu colega do
escritório, quando você passou na calçada e eu , por cortesia, o convidei para o
café.
Meu vizinho olhou-me com ar incrédulo. Se estivesse fingindo devia ser
um excelente ator. Parecia não entender o que eu falava.
̶ Você não lembra do que fez?
̶ Fiz o que? Diga então!
̶ Logo que me sentei à mesa e durante todo o
tempo que estive lá senti o seu pezinho, subindo e descendo devagar pela minha
perna. Se isso não é uma cantada, então o que é? Eu ia esticar a mão por baixo
da mesa, mas não dava pra alcançar seu joelho!
Comecei a rir e não parava mais enquanto meu belo vizinho ficava cada
vez mais irritado. Limpando as lágrimas, esclareci:
̶ A cantada que você levou e o “sapatinho” eram
do Sandro que não ia perder essa oportunidade. Ele depois ficou me perguntando
sobre você, quem é, o que faz, muito interessado! O Sandro deve ter muita prática
na manobra, para você confundir o sapato 41 dele com o meu 37 de bico fino.
Renato também começou a rir. Gosto de homens que têm senso de humor.
Somos agora bons amigos além de vizinhos. Quem sabe no futuro não vai rolar algo? O beijo foi um bom aperitivo!
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