O PLANETA AZUL
Suzana
da Cunha Lima
Ele
saiu de seu “bunker”, 30 metros abaixo da superfície, e suspirou ao ver aquela
desolada região. Era um deserto de
pedra e ele não sobreviveria ali nem dez minutos, não fosse a roupa especial que usava.
Ainda
havia sol, esplendoroso e mortal, pois os humanos haviam destruído toda a
camada de ozônio e praticamente todas as florestas. Seus raios e o calor que irradiavam, sem a
necessária barreira, eram extremamente letais.
Os
remanescentes do Grande Cataclismo
moravam nas calotas polares, como animais, tentando se adaptar às
terríveis condições de frio excessivo e calor insuportável. Estavam fadados ao extermínio, pois a
natureza humana, a despeito das mutações, não fora feita para suportar por muito
tempo variação tão absurda do clima.
Mas,
ele pertencia à pequena e seleta comunidade do Povo do Meio. Foram prudentes e sensatos por
terem escutado a sabedoria dos Grandes Mestres, e haviam se preparado para a Grande Seca. Ao
acreditar nas previsões da
desertificação da terra, e sem poderes para sustá-la, buscaram logo caminhos alternativos, sem se
preocuparem com o escárnio dos outros que os chamavam de apocalípticos terroristas.
Desceram
às profundezas da terra. Aprenderam a fabricar água e oxigênio utilizando a
formidável energia do magma e descobriram como extrair proteínas e sais
minerais das rochas. E agora, havia pelo menos, o essencial para que pudessem
viver e procriar em seus lares profundos.
Mas,
nada se comparava à natureza estelar, ao
piscar intermitente das estrelas, ao cair e nascer do sol, e a estupenda visão
de uma enorme lua, cuja luz chegava pura e esplêndida à terra desprotegida. A
questão não era apenas sobreviver, isso já tinham conseguido. Não bastava para
seres que possuíam inteligência, a memória de como era a Terra antes do
aquecimento global. A falta de espaços abertos, a visão do céu que lhes
conferia a sensação de pertencimento ao universo, estava acarretando graves
sequelas psicológicas.
Diante
desta nova questão que se avizinhava, o Conselho dos Mestres designara Gael para
buscar soluções. E conferiram a ele o
dom da imortalidade, contido numa pequena pedra azulada, oriunda de um meteoro.
No
começo seu maior dilema era como começaria sua busca. A imortalidade não lhe
dera asas, nem poderes especiais.
Continuava a ser apenas um ser humano que agora não envelheceria nem morreria.
Gael
caminhou para um pequeno monte ali próximo, e se lembrou de que ficava perto do monte Ararat, lugar bíblico onde a arca de Noé tinha
aportado após o Grande Dilúvio. Lá
chegando, usou seus poderes mentais, para chamar por algum ET que estivesse no mesmo circuito telepático.
Tinha-se
aperfeiçoado neste exercício durante seus longos dias solitários, e era um dos
poucos que sabiam se valer da imensa capacidade do cérebro.
Logo
veio a resposta. Ali mesmo, sentiu a
presença da Energia, travestida na forma humana que quis saber a razão daquele
chamado.
Gael
perguntou se haveria alguma possibilidade de a Terra voltar a ser aquele
Planeta azul, cercado de mares e verde, onde tantos humanos haviam nascido e
morrido.
A
Energia lhe informou que naquele ponto onde estavam, naquela desolação imensa,
sem água e cada vez mais quente, a Terra não seria mais um planeta habitável
para seres humanos. Eles mesmos, que
viviam nas profundezas, iam acabar enlouquecendo e matando uns aos outros.
Só
haveria duas alternativas viáveis:
Gael
voltar no tempo, para impedir a insanidade dos povos, exortando-os a proteger a
natureza, florestas e mananciais, mares e fontes, ar e solo. Tinha dúvida se conseguiria isso. De qual autoridade se revestiria
para que acreditassem nele?
Ou,
tentar dali mesmo, com o que pudesse juntar de material e conhecimentos, sair
da Terra em busca de outro planeta, que tivesse condições mínimas para
sobrevivência da raça humana.
—
Nós podemos ajuda-lo nesta alternativa.
Conhecemos o universo e há, pelo menos, dois corpos celestes que oferecem
possibilidade de sobrevivência neles. No entanto, os humanos vão preferir o exílio, saindo para sempre de sua terra
natal, em busca de viver no desconhecido?
Gael
respondeu que não sabia, mas precisava tentar primeiro reverter o tremendo
desastre que colocara a Terra naquela posição de total inviabilidade. Se não conseguisse convencê-los, voltaria, e
iria conversar outra vez com seus irmãos da comunidade. A Energia lhe forneceu poderes
especiais, além de asas nos pés. De que adiantava não morrer, se ficasse para
sempre dentro de uma masmorra? Agradeceu, e mentalmente se transportou para 50
anos antes da Grande Seca. O que viu, foi desolador:
Fábricas
poluindo o céu, motosserras destroçando as florestas, mercúrio envenenando os
rios, detritos de toda espécie arrasando toda vida marinha.
Resolveu
não perder tempo! Foi direto ao Capitólio falar com o Presidente dos Estados Unidos.
Só foi recebido porque balas e granadas não o mataram, e nem conseguiram interromper
sua marcha. Assim, conseguiu chegar ao Poder máximo da Terra debaixo do medo e
desconfiança.
Era um Presidente simpático, que o recebeu
muito bem, embora tivesse ordenado ao Serviço Secreto que investigasse o que
havia por detrás daquele homem invencível, agora, à sua frente.
Gael
contou-lhe da Grande Seca e da Grande Catástrofe. De como estavam sobrevivendo agora
e da possibilidade real da terra e seus habitantes se acabarem para
sempre. Era um futuro negro, porém muito
distante ainda na cabeça deles.
—
Quem vier depois de mim, vai arranjar algum jeito para impedir este Apocalipse
- respondeu-lhe o poderoso homem, ironicamente.
— Se
a natureza não for protegida agora mesmo, nada do que fizerem vai dar resultado. Vocês chegaram ao ponto de não retorno. É
agora ou nunca! Encare sua responsabilidade!
Mas,
nada adiantou. Não o prenderam porque não conseguiram. A Energia o havia tornado mesmo
invencível. Desanimado, já querendo
voltar para sua época e enfrentar o que fosse, diante de seus mestres, Gael
percebeu que um homem, na multidão que se formou na frente da Casa Branca,
todos ávidos em ver o Homem do espaço, como o chamavam, se adiantou para ele.
—
Podes dar alguma prova se o que dizes é verdade? – perguntou ele.
—
Eu sou uma prova, rapaz. Sou um dos
sobreviventes da Grande Seca e vivo num buraco no solo de mais de 30 metros de
profundidade Só posso olhar o céu por dez minutos e usando uma roupa especial. Não há verde onde moro, nem água potável, nem
rios, mares ou lagoas ou qualquer espécie de bicho. É isso que desejam para seus filhos?
—
Dá uma pequena prova para o povo aqui conseguir acreditar e pressionar os
dirigentes para que tomem providências.
Então
Gael retirou sua roupa toda, desnudando-se diante do público.
E
eles viram um homem pequeno, de pernas finas, braços curtos, com grande cabeça
onde não havia um fio de cabelo sequer, o rosto todo enrugado como se tivesse mais
de cem anos. Quase um monstro. Foi uma gritaria geral, de consternação e
surpresa.
Ai
Gael tornou a se vestir, lentamente e proferiu suas últimas palavras, antes de
voltar para seu tempo.
-
E eu tenho 30 anos e sou considerado até bonito, sabem? Não há substituto para a água e o ar,
enquanto formos seres humanos. E se
houver mutação, com certeza vamos virar lagartos ou desaparecer para
sempre. Eu sou o futuro que não deve
acontecer. Acreditem pelo amor de Deus!
E desapareceu diante de todo mundo,
embasbacando-os.
Foi uma revolução. Invadiram a Casa Branca e
todas as sedes de poder, do Oriente ao Ocidente. Pela primeira vez tinham visto o que aconteceria com eles, se nada fosse
feito para proteger a terra da insensatez humana.
O progresso foi lento, mas aconteceu. Não deu para salvar toda a Mata Atlântica,
mas a Amazônia ficou de pé. Foi duro acabar com os motosserras, com os
exploradores da madeira, e com os poluidores do ar e do mar.
Foi
uma luta incessante, com muitas reuniões das altas cúpulas para que a emissão
de gás carbono cessasse, que se buscassem outras fontes de energia limpa, e aos poucos, a camada de ozônio se
restabeleceu.
Quase
50 anos depois do aparecimento de Gael, a Terra passou a ser, outra vez, o
Planeta azul, a lua voltou ao poder dos namorados. E era possível tomar água de
qualquer córrego e aspirar ar incrivelmente limpo.
Foi
por este tempo que Gael acordou, abriu a janela de sua casa e sentiu a leveza
da brisa perpassando por seu rosto, diante do céu mais azul que um dia poderia imaginar.
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