É NATAL
Oswaldo Romano
Os anos vividos na favela fez de Joel
um homem lutador. Família pobre, trajes remendados, mas limpos. Aceitava
qualquer trabalho. Nos fins de semana ia para a cidade. Sua mochila era a caixa
de engraxate!
Com sua voz grossa, disfarçava,
procurava deixar para trás as agruras cotidianas. Com sua mulher Tereza, doméstica, tinha uma filha de oito anos portadora
de uma deficiência que a prendia numa cadeira de rodas.
Na cidade, Joel observava pessoas finas, arrumadas, trabalhando nas lojas,
vibrando com a decoração do Natal. Reservava-se. Olhava, olhava, sentia-se menor.
Longe de se igualar. Quer queira, quer não, pensava na mulher lavando,
passando, limpando casas, também com pouca chance de melhorar essa vida. E a filha
Maria José, numa velha cadeira de rodas que ganhara!
Na casa o dia passava como tanto outros.
— Mamãe, por que não temos a arvore de
Natal? — indagou Maria José com sua voz prejudicada.
— Calma filha! Vamos ter. Sei onde
arrumar.
Ao anoitecer a
mãe foi no terreno próximo cortou um galho da mamona e em casa revestia os
frutos com papeis coloridos.
— Tá bonito mãe. Quero ajudar. (Falou gaguejando, distorcendo as palavras)
— Outro dia filha, hoje você não pode.
— Quando mãe. Quando vou sair daqui? (Só a mãe entendia)
Joel na cidade
defendia-se, como podia.
Pércio, gerente do grande shopping da praça,
aparece para engraxar os sapatos, hábito semanal. Sua conversa com Joel sempre o
agradou.
Precisava de
alguém para fazer o papel do Papai Noel.
— Você é desocupado? Perguntou.
— Sô doutor, não fiz nada não.
—
Joel. Quer ganhar melhor este mês?
— Quem
não quer dotor...
— É o
seguinte: Preciso de mais um Papai Noel no magazine. Então, pensei em você.
— Sou magro dotor.
— Isso nós resolveremos.
Ele não
acreditava! Caiu em suas mãos a estrela cadente que tanto pedira a Deus. Valeu
ser votivo. Sua casa o levava a crença.
Vestiram-no, deram-lhe um trono.
Crianças bonitas, perfumadas, sob olhar
meigo das mães, desfilavam junto ao seu sólio. Beijavam-lhe as mãos calçadas de
lindas luvas brancas. Pediam presentes. Com poucas palavras ele dava esperança a
todas. Sempre bradando o que lhe ensinaram: Ho, Ho, Ho... Ho, ho, ho, ho...
Aproximou-se uma mãe empurrando sua criança
numa cadeira de rodas. Afoita, a pequena
criatura estica os bracinhos querendo o colo
do Papai Noel. Ele olha para a mãe, ela consente. Joel fica estatizado. Seu
pensamento oscila, transporta-o para sua casa. Vai e volta, vai e volta. Alisa os
cabelos ruivos da menina, e inseguro pergunta:
— Você quer ganhar um bonito presente, né?
Qual é seu nome?
A resposta foi um resmungo. A mãe é
quem responde:
— Maria.
— Maria, não é José?... Gosto muito
desse nome...
Joel olha para
a mãe, esta se aproxima, toma-lhe a criança e fala:
— Dê tchau. Dê tchau ao Papai Noel. Fale:
Fique com Deus Papai Noel.
Joel absorto acompanhou
sua retirada. Outra criança que se aproximou, chamava-o:
— Papai Noel? Papai Noel? Papai Noel. —
Ele não responde... A menina fala para si olhando dos lados, movendo a cabeça
pra lá e pra cá: — Ele é velhinho, está surdo! Chama novamente elevando a voz:
- Papai Noel...
Joel sai do estado de morbidez.
— Oi filha? - sua voz está embargada. Peça o que você quiser. O
Papai Noel vai te ajudar.
Joel tira o
lenço do bolso, e enxuga lágrimas que não pode conter.
—
Papai Noel? Você está chorando? – Admirada anuncia: — O Papai Noel está chorando, gente! Fica
transtornada, e indecisa volta a olha-lo.
—
Sabe filha, estou alegre com vocês. A alegria também faz chorar.
Chegando em casa, chorou, chorou bem mais, ouvindo
a filha com a voz perfeita:
—
Pai! Papai! Mãe, mamãe, o papai chegou. Esta perfumado!
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