2050. A era do desespero. - Fernando Braga



2050. A era do desespero.
Fernando Braga

Estamos começando o ano de 2050, metade do século XXI. Nasci em 1985, tenho hoje 65. A sobrevida média do homem, que era de 80 anos em 2020, passou para 130,140.

Quero neste momento, fazer um relato da vida do ser humano em nosso planeta, da vida nas grandes cidades, uma vez que os antigos campos verdejantes, os campos com plantações de cereais, os campos com criações de bovinos, caprinos, das matas e florestas com sua fauna e flora, tornaram-se tão raras, que podemos dizer não existirem mais. Lembro-me do meu tempo de criança, adolescência, de adulto jovem, quando tudo era bonito em nosso planeta, cheio de vida, alegria, harmonia, musica, amor, tudo realmente, muito bom.

Tudo começou no início deste século, com o enorme progresso em todos os setores humanos. A medicina deu um pulo extraordinário após 2025, com o advento da Ressonância Magnética com 20 Teslas, o uso do estudo dos genomas, compulsório a todos os indivíduos, o regime balanceado, o uso de medicamentos melhores no combate às infecções e principalmente a descoberta de fatores que passaram a agir eficazmente sobre a chamada apoptose, ou morte celular programada  de nossos tecidos mais importantes(cérebro, fígado, rins, coração e outros)que proporcionou aos homens, desde a década de 2030,  viver tão bem mais. O combate à arteriosclerose, através de medicações e dietas alimentares compulsórias, a prevenção de doenças congênitas e do aparecimento de tumores corporais malignos e benignos, pelo controle genético através do estudo perfeito dos genomas, o melhor conhecimento das doenças psiquiátricas com suas lesões cerebrais, enfim o progresso em todos os setores médicos. As cirurgias ficaram restritas unicamente ao tratamento de traumas, cada vez mais frequentes devido ao grande aumento da criminalidade, agressividade, roubos, nas cidades de qualquer país do mundo.

Toda desgraça em nosso planeta, começou com a guerra nuclear de agosto de 2031, entre Israel e o Estado Islâmico, estado este que passou a dominar todos os estados árabes, incluindo a Turquia e o Afeganistão. Bombas nucleares caíram no Oriente médio, em países da Europa, da Ásia  e mesmo da América do Norte, subtraindo a metade da população terrestre, transformando em imprópria a  atmosfera em  todos os continentes, grande aumento da camada de ozônio, degelo nos polos, contaminação de rios, lagos e dos próprios oceanos, com desaparecimento quase completo das  matas e florestas. O degelo nos polos produziu um grande aumento do nível dos oceanos, com tsunamis e desaparecimento da maior parte das cidades litorâneas. O Rio de Janeiro, foi inundado, permanecendo apenas os bairros altos, as favelas nos morros. Os rios até 2025 eram limpos, águas claras, cheios de peixes, mas uma água escura, quase preta, tomou conta, com desaparecimento da fauna aquática. O mesmo quanto aos mares e oceanos, que ainda sofreram mais, com a precipitação de partículas radioativas vindas da atmosfera.

 Pelas notícias, a vida em países da Europa, da América, da Ásia encontra-se em estado deplorável, um pouco melhor no continente sul-americano, e no Brasil. Em nosso país, a vida rural praticamente desapareceu, uma vez que os campos transformaram-se em desertos pela grande ausência das chuvas, morte da vegetação e contaminação do ar. As colheitas existem somente em determinados pontos, que foram preservados, e que estão agora, isolados por cercas eletrificadas e fortemente protegidos pela guarda nacional.

Vivo como sempre vivi, em São Paulo, uma capital que até 2030 tinha 18 milhões de habitantes e hoje não passa de cinco. Apesar dos progressos da medicina relatados acima, 13 milhões desapareceram devido à fome, doenças contagiosas, que não puderam se beneficiar com tratamento. A cidade hoje, é dividida em dois grandes grupos: os mais abastados, afortunados, ricos, vivendo em verdadeiras fortalezas, em áreas especiais da cidade, a maior parte na zona sul e oeste e os miseráveis, cerca de 3,5 milhões, vivendo precariamente nas ruas do centro da cidade e em bairros que tornaram-se extremamente pobres, perambulando pelas ruas, morando em casas e prédios abandonados, sem elevadores, sujos, convivendo com ratos, gatos e cães famintos. A sujeira faz parte do cenário, lixo revirado pelos cães, falta d água e de comida. Não existe emprego. Diariamente, carros fortificados, blindados, da prefeitura, com guardas fortemente armados percorrem estes bairros pobres para distribuir água e uma alimentação, constituída por bolinhos, que segundo o governo, são ricos em proteínas sintéticas e muito nutritivas. A briga é grande para adquirir alguns destes bolinhos! A criminalidade neste meio tornou-se tão comum, que a polícia não mais dá atendimento. Todos os dias caminhões mortuários percorrem as ruas para colher os cadáveres, muito deles já putrefatos, para serem queimados. Uma estranha neblina ocupa a cidade e o sol, raramente é visto. Mesmo sem sol, o calor é estafante e o cheiro é nauseabundo. O progresso da medicina, realmente, não atingiu a esta classe pobre e a grande maioria continua morrendo em idade jovem, em crimes e ainda, quando é seu desejo de se submeter à eutanásia, que se tornou moda. Existem grandes casas que aceitam os pretensos suicidas, os que desejam desaparecer desta vida, por não terem mais objetivos, nenhum prazer em continuar a lutar. Na realidade, o desejo do governo é que eles desapareçam da face da terra, pois não cooperam com nada, só trazem problemas e confusões. Algumas estatísticas falam que devem desaparecer em uns 10, no máximo, 15 anos.

Faço parte do outro grupo, daqueles que tem seu apartamento, pequeno, mas limpo onde vivo com minha mulher e filho de 35 anos. Estamos cercados por uma grande muralha, guardas por todos os cantos, o que nos dá garantia e graças a meu trabalho mal remunerado, consigo manter minha família e alimenta-la. Podemos tomar banho uma vez por semana e alimentar-nos uma vez por dia. A base alimentícia é regida principalmente por produtos sintéticos e bolinhos de proteínas, bem melhores do que os fornecidos gratuitamente aos pobres. Ocasionalmente podemos adquirir algumas verduras, um pedaço de carne, leite, que veem das chamadas fazendas governamentais. Todos são obrigados a usar um chip debaixo da pele, através do qual podemos ser controlados pelo governo, que monitora assim a nossa posição e nossos atos diários. Atualmente existe apenas um partido, o PT ou Partido Totalitário, representado por um raio dentro de uma pequena bola roxa e a polícia é contundente. Não existe mais eleições.

 Entre nós, existe uma convivência comunitária, algumas reuniões festivas onde algum vinho pode ser consumido, em pequenas quantidades e todos se sentem relativamente bem.

 Não existe nenhuma perspectiva de melhora, por enquanto. Minha mulher sempre me pergunta:

— Porque não vamos para o interior, para São Jose do Rio Preto, onde tínhamos um belo sítio, com 5 lagos cheios de peixe, vaquinhas no pasto, centenas de passarinhos na arvores, manga, jabuticaba, jaca, laranja, abacate!

— Porque esta cidade está em enorme decadência, está com apenas 10000 habitantes, todos famintos, sem comida, sem água e campos, que se modificaram em um deserto.

— Como você sabe disto?

— Conhece o Alfredo? ele veio de lá e conseguiu um apartamento aqui perto, com muito custo, investindo quase toda a sua fortuna, que não era pequena, comprando caro a autorização para penetrar em nossa área e para tomar posse de sua moradia. Converse com ele e veja se quer voltar para lá.

— Mulher, o melhor é ficarmos por aqui mesmo e bem quietinhos, senão a polícia do PT vai nos  pegar.

— Marido, me explica uma coisa. Qual a vantagem de vivermos tanto tempo? O bom mesmo era morrer com 80 anos como nossos pais, não é? O que adianta esta longevidade, se não vamos ter, dentro em pouco, condições de sobrevida. Nosso planeta está ficando igual a Marte! O bom mesmo era ouvir o canto dos pássaros, ouvir o som dos regatos de água límpida, passando pelos seixos, tomar banho de mar, cavalgar pelas colinas, as cachoeiras, enfim, pequenas coisas essenciais à vida.

— Mulher, a esperança é a última que morre! A descoberta já anunciada, de um planeta, como o nosso, cheio de água, oxigênio puro, sol, chuva e que está a apenas a trinta anos luz daqui é a grande chance de um dia podermos conseguir uma vaga nas astronaves, para irmos para lá e não se esqueça da grande vantagem, que viajando à velocidade da luz, não envelhecemos, o tempo praticamente para, deixa de existir. Vamos esperar para ver!



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