TUMULTOS DE ADOLESCENTE - Mario Tibiriçá


 
                     

  
TUMULTOS DE ADOLESCENTE
Mario Tibiriçá

A Europa  e mundo, conflagrados  pela segunda guerra mundial, nos pegou em plena adolescência, aos 13 anos, em 1944, e é claro  que interferiu de alguma maneira em nossa formação. Tudo se  referia a guerra, assim como jornais, escola, racionamento de gasolina, brincadeiras etc . As amizades com estrangeiros, especialmente alemães, italianos e japoneses eram controladas e mal vistas.

Embora jovens, acompanhávamos diariamente pelos jornais , os mapas do desenvolvimento da guerra, especialmente após o dia ¨D¨  6 de junho de 44 quando os aliados invadiram a  Europa  conflagrada. Mas tudo isso não impedia nossas brincadeiras, nossas festinhas inocentes, nosso futebol de botão e de campo, nossas bicicletas, nossas bolinhas de gude, pião, gibis, álbuns de figurinhas e interesse inicial  e especial  pelas meninas, sendo que estas não tomavam   o menor conhecimento do nosso ardoroso  interesse.

Os treinamentos de  blackout, com apagar das luzes da casa, por vezes tumultuavam nossos planos, mas para nós a novidade era divertida, pois  sempre  fazíamos planos para assustar vizinhos e amigos durante os tais blecautes, fingindo morcegos.

Lembro-me especialmente, que  junto com os amigos Biriba, Nerço e  Demar , nos vestíamos de  fantasmas e no blecaute quando tudo estava apagado,  aparecer de surpresa  na casa de nosso amigo  Chancudo, ( tinha esse apelido por não tirar as chancas, hoje  chamadas de chuteiras), e pregarmos um grande susto, inclusive em toda a família dele. Riamos a valer.

Ao lado  destas brincadeiras e jogos, tínhamos a escola que nos tomava praticamente o dia todo, eis que havia muita lição de casa.  No  colégio surgia um outro grupo, fazendo  artes e criando problemas. Meus comandados, Chico, os irmãos Gutierrez, mexicanos terríveis e eu, fazíamos  tudo para perturbar a ordem e bagunçar a     Congregação  dos Irmãos Maristas, Ordem religiosa  fundada  há  mais de 150 anos pelo padre Chanpagnhat, e que dirigia o Colégio Nossa Senhora do Carmo. O tempo todo tais meninos, quais monstros extra- terrestres, no imaginário de cada um,   tinha objetivo principal  de desmoralizar os Irmãos Maristas.

Lembro-me até, quando os irmãos Gutierrez, cujo pai possuía cavalos de corrida no jóquei, levaram purgante de cavalos ao colégio. Tivemos ( eu tive ) a brilhante ideia de colocar o purgante na comida dos religiosos. O  resultado foi fantástico, oito dias sem aula. Três Irmãos Maristas hospitalizados, dez dias de suspensão para mim, sabido chefe da quadrilha, ameaçado de expulsão do colégio e vergonha máxima para minha família.

Eu realmente fui um aluno relapso, encrenqueiro, brigão e sem quaisquer  resquícios de responsabilidade. Apesar das repreensões em casa, surras e castigos só fui reconhecer a educação, a conciliação e a responsabilidade muito mais tarde.
As férias eram  passadas no  sítio de minha querida avó materna, uma senhora  notável pela cultura e sabedoria, que muito  ajudou-me com   problemas que eu enfrentava. Vovó ensinou-me no seu sítio,  o respeito aos bichos, a criar galinhas, a montar a cavalo, a cuidar de cães, coelhos, arvores e frutos.

Ensinou-me, sobretudo o respeito às coisas da vida.  Lembro-me  sempre com carinho quando nos apanhou, os primos e eu, em gloriosa e coletiva masturbação dentro do  bambuzal. Foram brandas repreensões e enormes noções de responsabilidade, inclusive quanto ao que fazíamos, foi uma mulher inesquecível.

Minha indisciplina contumaz era proveniente  de eu ter deixado claro aos meus  pais, especialmente meu pai, que jamais estudaria com aquela  congregação, cheia de anacronismos, sem didática e sem estrutura para ensinar.

Foram dias negros  de repetente  indisciplinado, mas que valeram de ensinamento e tenacidade para construir uma vida melhor. Cabe dizer que após o primeiro ano de ginásio, jamais fui reprovado em qualquer outro curso.

                     

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