A MULHER
ILHADA, ESCRAVA DAS NOTÍCIAS.
Oswaldo
Romano
Julho de 1932. Todo paulista, homens e
mulheres estavam revoltados com as pretensões do governo Vargas, golpista de
1930, mostrando truculência ao resto do Brasil.
Oriundo lá dos recantos do sul,
avançava para o centro e norte, numa ferrenha vontade de calar e sustentar o
domínio da nação já conquistada.
Seus guerreiros estavam dominados pelas
mentiras, próprias das ditaduras que garantem suas forças pelas vias de
comunicações, prometendo um futuro de sonhos, resultando na chamada lavagem cerebral.
Já havia nomeado interventores, e as eleições
livres ficariam desde já prejudicadas. Informado que encontraria resistência
nos ideais dos paulistas que queriam nova Constituinte e o direito de respirar
liberdades, preveniu-se reforçando seu exercito local.
Os senhores do café, fazendeiros
Paulistas reagindo, encabeçaram forte oposição contando com os esclarecidos
universitários. Em uma das manifestações no Largo São Francisco, os soldados de
Getúlio abriram fogo, morrendo os estudantes Martins, Miragaia, Dráuzio e
Camargo, deixando outros feridos de morte.
A população revoltada deu inicio, a
Revolução Constitucionalista. Para a arregimentação não precisaram apelos. Os
Paulistas compareceram em massa, e sem preparo de guerra, ofereciam suas velhas
espingardas de caça para a luta.
E
daqui nasceu a história de Vitório.
O Vitório, era um homem quase sempre
omisso em casa, dava pouca atenção à sua mulher Fátima. Tomado de brios viu a
grande oportunidade de demonstrar sua valentia. Sob a égide das marchas
militares, sentiu no arrepio da pele o desejo de compartilhar.
Apresentou-se, disse não ter armas em
casa, deram-lhe uma boca larga, parecia um trabuco. Nunca havia pego em arma,
achou essa interessante, apropriada para a luta.
Passaram-se meses, Fátima não recebia
qualquer notícia. Acendeu velas, invocava sua Santa. Não imaginava que sentiria
tanta falta. Postava-se na janela, ouvindo seu rádio, o retumbar dos tambores.
Sentia-se orgulhosa. Notícias alentadoras, promoviam vitórias.
Fátima aos poucos foi sentindo-se
isolada. Já não saia de casa. Preferia o isolamento, pensando com saudades do
seu Vitório. Assistia passar velhos conduzindo suas carroças levando
mantimentos. Crianças em grupo portavam bandeirinhas listradas e cantavam:
Da alma cívica de um povo/ Irmanado nas trincheiras
Surgem as novas bandeiras/ Criando um São Paulo Novo
Irmanado nas trincheiras .../ Conosco marcha a vitória
Marchemos cheios de glórias...
Vitório
no front junto ao seu batalhão aguardava um prometido reforço dos voluntários
de Mato Grosso do Sul. Viam esgotar as provisões de alimentos e munições.
Combatentes desarmados portavam grandes matracas que simulavam disparos de
metralhadoras. Seu batalhão estava sendo dizimado.
Fátima precisava de notícias. Já não
deixava a casa, ficava desolada, sentia-se ilhada. Ligada no ruído espúrio do
rádio que engolia palavras, não deixava escapar uma só notícia.
Finalmente os batalhões receberam
ordens de regressarem. Noticiavam muitas mortes, mas nunca anunciaram serem
mais de mil o número de baixas. A derrota aconteceu, mas ficou o aviso de que queriam
suas reivindicações e a Constituinte em pouco tempo.
Os batalhões regressando, desfilavam
imponentes pela Av. São João sob aplausos dos que ficaram. Abanavam as mãos,
jogavam beijos, batiam no coração.
Mas Vitório não apareceu.
Desesperadamente Fátima procurava notícias. Interrogava aqueles homens
fardados, chorava. Um mais pesaroso levou-a ao coronel. Este lamentando anotou
seu nome, e disse:
— Vamos aguardar trinta dias. Não
aparecendo ao cabo desse prazo prometo a Senhora coloca-lo na lista dos “soldados
desaparecidos”, e que serão homenageados. Fique em sua casa, feche-se, ele pode
aparecer a qualquer momento. Tenha fé.
Passou-se
um mês, na casa imperava triste silêncio, quebrado com o bater na porta. —
Ávida de notícia só pode perguntar: Quem é?
— Sou um soldado — Meu Deus! Vitório,
não é hora de brincar...
Abrindo
a porta era um soldado. Sem palavras, lhe entregou um capacete numerado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário