OS TRÊS NARRADORES - LEDICE PEREIRA



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Narrador na primeira pessoa

A tristeza tomava conta e mim.

Eram tantas as tragédias que eu mal conseguia me levantar. Em posição fetal grudava à cama sem ter coragem de enfrentar a realidade.

Foi preciso minha mãe vir me forçar a deixar o quarto.

O relógio marcava 13:10h.

Minha cabeça pesava, o corpo doía.

Eu queria enfiar a cabeça no chão, qual um avestruz.


Narrador na segunda pessoa

Naquele emaranhado de gente, você procura alguém conhecido e não encontra ninguém.

Vai dando um desespero. Você se sente absolutamente só e desprotegida, sabe?
Tem vontade de gritar, mas quem iria te escutar?

Começa a rezar para encontrar um caminho. Parece que nem os santos te escutam.

No meio de tanta gente, sente-se só.

De repente, você dá de cara com aquele velho amigo em quem você sempre confiou. Uffa!

Salva pelo gongo!


Narrador na terceira pessoa

Enrico estava eufórico. Pela primeira vez havia sido selecionado entre os atletas para compor a seleção de vôlei que representaria a escola no campeonato interestadual.

Com apenas quinze anos tinha 1,98m e sacava bem.

Tinha se esforçado durante todos aqueles anos de treino para ser bom. Era assíduo e os colegas o chamavam de Caxias.

Deixa pra lá podem me chamar do que quiserem vou atingir meu objetivo, ainda sentirão orgulho de mim.

Valera o esforço: sacrificar as baladas de sábado para acordar ainda na madrugada do domingo e ir enfrentar os times rivais das escolas distantes.

Agora sorria. O sorriso da conquista, do objetivo traçado.

Um dia se Deus quiser serei melhor que o Lucarelli!

CARNAVAL DE CAMAROTE - Antonia Marchesin Gonçalves




CARNAVAL DE CAMAROTE
Antonia Marchesin Gonçalves


                   Nos idos dos anos 70 até em torno dos 80, o carnaval de rua era divertido, inocente, todas as pessoas se fantasiavam, da criança ao adulto. O dia todo, viam se pelas ruas pessoas fantasiadas, crianças brincando com esguichos de água, confetes e serpentinas, mas ao final da tarde é que se reuniam o maior número de foliões e ia pela noite adentro, os corsos desfilavam nas ruas e a multidão com lanças perfumes cantavam as marchinhas e tocavam os seus instrumentos que eram poucos, a música vinha mesmo dos foliões.

                   No sobrado da rua principal do bairro de Pinheiros, Veridiana da sua varanda assistia a tudo, desde os corsos que começavam na Av. Paulista e terminavam no Largo da Batata.  Ela colocava uma poltrona e com seu marido, e comendo os bolinhos de chuva, jogavam serpentina e confetes nos foliões. Certo ano Veridiana da sua janela assistiu a um carnaval de horror, uma briga que a deixou chocada.

                   Passava um casal de irmãos adolescentes, a moça muito bonita fantasiada de havaiana e ele de capitão, ao mesmo tempo passa um terceiro adolescente, quando este se dirige à moça falando algumas frases nada educadas, no que o irmão da moça se revoltou. No entanto, o indivíduo cafajeste estava armado de navalha e usando-a para se defender cortou o rosto do irmão da moça. Depois fugiu. Veridiana desceu o mais depressa que pode e já na rua acalmou a moça que estava em pranto, levou-os para a farmácia que acudisse o rapaz, mas como precisaria de pontos o farmacêutico fez um curativo e recomendou que fossem para o hospital.

                   No Pronto Socorro do Hospital das Clinicas foram prontamente atendidos e ela pode então chamar os pais do casal. Depois desse episódio Veridiana perdeu todo interesse pelo carnaval, assiste as escolas de samba pela TV.
                  

O BLOCO DA LAMA - OSWALDO ROMANO




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Constrangimento
Coisas acontecem imprevistas que nos deixam perplexos. O perplexo é uma ficha que cai inesperadamente em nossa vida.
Eu estava redigindo a reestruturação do conto “Bloco da Lama” que há muito escrevi. É o carnaval de Paraty. Levanto os olhos, vejo na tela da TV homens atolados no barro, procurando cadáveres, na tragédia de Brumadinho.  Surpresa, a cabeça rodou, procurei entender, demorou, mas refiz-me vendo aquela imensidão de lama.
Neste conto, uma pequena porção de humanos, com largos sorrisos, comemoram a festa carnavalesca, desprovida de tragédia e heresia pagã.
“É o contraste elevado a quinta dimensão”.
 Uma população chora seus mortos
     Este é o conto “O Bloco da Lama”. Por favor, priva-se do cenário anterior. Transforme-o como fosse tomado de um sonho, e venha para a alegria do carnaval.


O BLOCO DA LAMA
Oswaldo Romano

Era início do Carnaval na cidade. Não podíamos perdê-lo. Um cartaz na porta de uma loja mística de Paraty anunciava:

“Não perca, participe neste Carnaval da festa do Bloco da Lama...”
e também “Não Perca, vibre neste carnaval com o bloco dos bonecos gigantes”

Estava na calçada onde se viam, sentadas no chão e encostadas à parede, as índias “artesãs” e até, com filhos sendo amamentados. Vendem seus produtos manufaturados com bambu, palha, taboa e coco. Chama a atenção a “cana da chuva”, o berimbau, muitos cestos e arco e flecha. As tribos guaranis prevalecem na região.

Especulei o cartaz do tal “Bloco da Lama”. Aconteceria no dia seguinte, sábado. Tínhamos notícia do seu sucesso. Falavam ser um dos mais típicos do carnaval, o primeiro a desfilar, disputava qual seria o melhor, comparado aos bonecos gigantes.

Nasceu quando dois amigos caçavam caranguejos no mangue do Jabaquara, aproveitando justamente o feriado.

De principio a caça estava divertida, mas o inferno dos mutucas e muriçocas os fustigava. A lama os protegia das picadas até a cintura.

Um deles teve uma luz. Então por que não afundar tudo por um momento e nos livrar dos mutucas de vez?

— Boa ideia!  

Quando emergiram, um veio com um graveto na cabeça e parecia um bode, um diabo... Fez o outro morrer de rir. No dia seguinte, o sábado de Carnaval, corria 1986, convenceram-se de participar do folguedo, assim mascarados. Com outros amigos repetiram o mergulhar na lama e criaram o bloco. Eram em número de uns dez, só́ sungas saqueiros, e elas de meio biquínis, pareciam pelados cobertos com calda de chocolate.

Combinaram para impressionar que o canto criado viria de afastados lugares, gritos esparsos, reunindo-se no séquito. Quando surgiram cantando com fortes vozes, foi o maior sucesso.

Tomado pelo espirito desprovido dos compromissos, eu assistia ao desfile do dia, envolvido por pensamentos esparsos, viajando diante de tanta euforia.

Num estalo, recompondo-me, vejo no meio dos foliões, num relance, o Bino. Bino! Exclamei! A fantasia e a máscara colada no rosto, disfarçavam bem, mas era ele mesmo. O reconheci pelo nariz inconfundível, aquilino.

         — Bino! Bino... sei que é você, você aqui?

         — Disfarça Roma, amanhã apanho você e venha curtir o mais excêntrico carnaval do Brasil.

— Onde encontro você?

         — Pousada Condessa, ok espero, é conhecida como “Viver nas Nuvens”.
Dia seguinte lá estava eu com o Bino. Enfrentei o que para mim era um desafio. O mangue de fato, um criadouro de enormes caranguejos, cercado por barragens naturais. Muitos, muitos, lindos, vermelhos, barrigas amarelas, olhos saltados.

 Um que vi se engraçar com o Bino, ele o pegou pela cintura e mirava jogá-lo sobre um amigo. Equivocou-se. Cobertos pela lama, não atingiu o amigo e sim era a mulher do amigo. Seu grito invadiu o mangue. Todos que mal podiam abrir os olhos, posicionaram-se como primatas, assustados.

O grito, tão característico, logo foi encaixado na composição dos seus cantos.

À noite, nas ruas de pedras do Centro Histórico de Paraty, uma banda puxava os blocos.

Sem dúvida valeu o convite. Nunca imaginei participar de um bloco tão característico, admirado e respeitado. Respeitado sim, porque alguns recebem vaias e não as palmas de admiração, que me tocaram, brotando lágrimas pelo barro. As moças ostentando lindos e desnudos seios, tinham admiração até das mulheres.

         Uma das passagens que tive, ficou marcada: Na apresentação, no desfile que era contínuo, pulando ou encenando, como faz um índio, não percebi atrás de mim, uma garotinha nissei, olhos bem puxados, fofa blusinha azul, nos admirando. Quando num gesto brusco me virei na hora do canto, hora do grito, o grito ecoando entra UGA, UGA, RÁ, RÁ, RÁ, pra quê! A japa desandou gritando, corria sem direção. Por momentos aquele desespero ficou martelando meus ouvidos. Mas... Final feliz, a mãe a apanhou.

Anos depois o bloco alcançou centenas de integrantes. Enfeitam-se com os mais diferentes adereços, como a planta Barba de Velho, cipós, ossos, enfim, mascaram-se. São chamados de pré-históricos, provindos do fundo da terra. Seu slogan é retumbante, arrepia. Levantam os braços, dão o grito e soltam:

UGA, UGA, RÁ, RÁ, RÁ quem vem comigo, UGA, UGA, RÁ, RÁ, RÁ, ninguém manda em mim! Sou da caverna, da caverna sem fim! Sou da caverna, da caverna sem fim...

O povo espera um novo grito. Em uníssono lá vem ele e... UGA, UGA....
Senti simbolizada, a libertação dos escravos.  Por que não, preparativos pra a luta de uma tribo ou simplesmente era carnaval.

         Hoje posso dizer mais: - Sobrenatural místico de um milagre imaginado a acontecer com os soterrados de Brumadinho. Amém, meu desejo é que esse milagre ocorra. Venham sorrindo! Venham munidos de asas brancas sobrevoar nosso carnaval.


O corso passou e Veridiana não viu José Vicente J. Camargo



fantasia de pirata simples


O corso passou e Veridiana não viu
 José Vicente J. Camargo                          

O carnaval já teve seu tempo áureo longe das redes sociais principalmente nas pequenas e medias cidades do interior onde a folia imperava entre as famílias. Um dos pontos altos era o desfile do corso pelas principais ruas. O público se aglomerava nas calçadas, nas praças e nas varandas das casas privilegiadas por estarem na passagem da folia.

Veridiana era uma das foliãs. Sua vontade de pular carnaval vinha desde a infância. Ela própria não sabia explicar quando nem como começou. Simplesmente o desejo de fantasiar-se, de colocar os adereços e a maquiagem ia ficando cada ano mais forte. Começava pelas marchinhas de carnaval, que meses antes dos dias oficiais da folia, a rádio da cidade tocava da manhã a noite a altos sons. Veridiana as decorava e passava os dias cantarolando por onde fosse. Seu nervosismo crescia a medida que o reinado de momo se aproximava. Sabia de cor a história do carnaval que se orgulhava em contar aos amigos:

Vocês sabem que o carnaval no Brasil teve origem em Portugal onde, nesses dias, as pessoas jogavam água, ovos e farinha umas nas outras? Aqui, o primeiro bloco surgiu em 1855 fundado pelo escritor e boêmio José de Alencar. As primeiras modinhas em 1880. A mais famosa, “O Abre Alas” de Chiquinha Gonzaga cantada até hoje, foi composta em 1899. A primeira escola de samba em 1928 e se chamava “Deixa Falar”, hoje “Estácio de Sá”. O primeiro rei momo desfilou no Rio em 1933 e era o próprio rei da canção Silvio Caldas.

 Que surpresa! Retruca um dos amigos. Mas acho que você com essas histórias está dando uma dica sobre sua fantasia. Acho que vai ser de “dengosa década de 20!”.

Nada disso! Tá muito longe, vai pensando...

 E vai sair no corso? Indaga ele

Lógico! É do que mais gosto, para mim o ápice da folia. Não perco um desde meus dezoito anos quando meu pai consentiu. Tenho lugar cativo na caminhonete do Luizinho. Ajudo na decoração. Este ano vai ser em homenagem a lava jato...

Ah! Sorri o amigo. Então vai sair de bandida jogando grana pros foliões...

Errou de novo! Emenda ela. Mas tem um senão me chateando! O Eduardo tá emburrado comigo. Diz que namorada dele não fica se exibindo por aí... Ele não gosta de brincar e não quer me deixar participar do corso. Me faz ameaças com separação, brigas.... Chego até a ficar com medo. Não sei que faço. Acho que vou dar uma pausa e depois penso melhor se continuo. Não acho justo tirar minha alegria daquilo que mais gosto. E o tempo não dá bis...

 Ciúmes é fogo minha amiga! Você tem razão, vá em frente e mostre a ele que estamos no século 21. Mulher não é acessório de tiracolo, tem vontades e direitos que devem ser considerados.

Na quarta-feira de cinzas, o sino da igreja matriz chama os fiéis para as receberem iniciando a quaresma. As corolas de véu e roupas pretas se agrupam nos bancos não tão interessadas nas cinzas, mas muito mais nas fofocas sobre os motivos do crime que desde domingo de carnaval vem escandalizando a cidade.

Para a crônica do jornal local não há dúvidas: “Ciúmes e defesa dos direitos

Pelo rolar dos acontecimentos, Eduardo muito nervoso sobe na caminhonete preparada para iniciar o corso com uma arma na mão e tenta tirar a força sua namorada Veridiana fantasiada de pirata com punhal, espada, tapa olho e um short justo que não escondia a falta da perna de pau, aos gritos de: “falei que te mataria se participasse”, dando a impressão de um feminicídio. Porém, movida pelo ímpeto de não deixar sua alegria morrer, ela saca o punhal da sua fantasia e lhe enfia no peito. Ele, curvado pela dor, consegue disparar o tiro fatal...

Neste ano o corso foi suspenso. Para o próximo, em homenagem a Veridiana, Luizinho promete enfeitar sua caminhonete de rosa e azul. Eles de rosa distribuindo beijinhos, elas de azul dando salvas com punhos cerrados...


CARNAVAL. - MÁRIO A. MACHADO PINTO.



Grande Hotel - Guarujá - http://www.novomilenio.inf.br/guaruja/gfoto019b.htm


CARNAVAL.
MÁRIO A. MACHADO PINTO.



Dá para imaginar como paisagem, pintura feita pelo mestre de todos os mestres, digna de figurar entre os locais paradisíacos deste mundo afora: areia branca e solta como a inocência das crianças, mar azul para combinar com o céu aberto, escancarado, abrigando o sol dardejando seu raios claros beijarem desavergonhadamente as carnes de todos nós, turistas branquelos provindos de uma cidade cinza no seu todo, habitada por entes que correm atrás de alguma coisa que não  sabem ao certo qual é e justificam: esta cidade não  pode parar; é crescer e crescer para acomodar gente vinda aos magotes; não importa donde. Vem, ficam, correm e cansam. Para eles não vale o ditado: quem corre por gosto não cansa. Cansavam, sim, e cansados iam descansar nas praias comendo com os olhos as carnes que andavam ao redor, saboreando peixes, camarões, cervejas que bebiam devagar, golinho após golinho que ninguém é de ferro (ali não enferrujava). Nos fins-de-semana a ferveção era sentida no ar acariciando nossos corpos. Não tínhamos muito a fazer.

Durante a semana o ambiente ficava calmo e nós, crianças e jovens podíamos correr e jogar à vontade na areia branca escaldante.

Nossa casa no Guarujá ficava ao pé da areia cujo jardim e gramado verde selvagem ultrapassava a cerca de madeira que pretendia limitar nosso território. Obedecida a limitação, nós a quebrávamos fincando um guarda-sol além da fronteira. Era tudo muito seguro: acontece que na época nosso vizinho era o governador do Estado.

Corria o mês de fevereiro, tudo em paz até que começou a chegar o som das marchinhas do carnaval que se aproximava.  Lembro-me da primeira letra e música que ouvi:

“Alála-ô, ôôôô/ Mas que calor/ ôôôôô/ Viemos do Egito e muitas vezes nós tivemos que gritar Alá, Alá, mande água pra  Yôyô, mande água pra Iaiá, Alá, meu bom Alá”.

Cantávamos em coro no jardim de casa para o menino que trazia as marmitas com nosso almoço/jantar que para evitar o calor ardente da areia caminhava entre as rendas de espuma feitas pelo mar irrequieto. Não era por preguiça não, mas cozinhar, limpar, lavar e passar o que faziam as doze pessoas na nossa apelidada “Pensão da Da. Estela” e mais,  estando grávidas nossa dona e a cozinheira, eram tarefas demais suficientes. Nada de folga, queriam tudo dentro da maior ordem juvenil. Cada um que se virasse sem choradeira e sem brigas com dentadas. Às vezes, agindo como verdadeiro bando de selvagens, a ameaça do chinelo acalmava tudo rapidinho.

Imbuídos do espirito de verdadeiros súditos do Rei Momo, nós – os maiores de doze anos – íamos passeando até o Grande Hotel pra espairecer e ver o pessoal fantasiado dançando, fazendo poses para fotos na entrada do cassino. Riamos muito, porém na verdade o que sentíamos era inveja por não poder entrar e gozar das delícias do ambiente.

Nossas primas pulavam de alegria ao ver alguma fantasia que agradava. Os elogios gritados chegavam a deslumbrante, fantástico, linda, lindo; o máximo era querer ter igual. Nós, meninos, queríamos era ver as pernas das moças, coquetes, sabiam disso e as mostravam como se por acaso entre as franjas das saias de ráfia.  Que gostosura, que delícia, carinhosas serpentes a se enroscar e apertar nossos corpos. Eta coisa boa!

O Guarujá foi se transformando, deixou de ser bucólico (imagina); a travessia da balsa passou a verdadeiro suplicio e muita gente foi se retirando em busca de novas praias, nós, entre todos. Não fomos mais. Somos sedentários, temos outros amigos chamados TVHD, Celular, email e outras coisas que não nos divertem. Gostamos de ver como nossos netos vibram com elas. Brinco com eles dizendo que seus filhos terão orelhas de abano e olhos de peixe.

Hoje, pela TV a cores vemos o Carnaval reduzido a desfiles das Escolas de Samba, multidões se balançando, suando em bicas, se esfregando e gritando enquanto comem pipoca com groselha e maçã do amor. As crianças acham uma chatice fazer castelos na areia, foguear o Vesúvio e ficar coberto até ao pescoço por areia molhada. Preferem jogar no celular “smart” ou “iphone”. Situação esquisita a atual: a mocidade diz que o Carnaval é uma droga, e toma dela, todas.

Situação nada diferente é a das jovens hoje matronas que agora escondem as pernas com varizes. É difícil conseguir algo que as agrade. Aos homens jovenzinhos dantanho é mais fácil: bebem e “enchem a cara” e rindo relembram as boazudas da juventude e não lamentam a barrigona, o nariz inchado, a careca. Tem consolo fazendo troça de si mesmos lembrando suas “patroas” que   
É DOS CARECAS QUE ELAS GOSTAM MAIS.


CADÊ? - MARIO AUGUSTO MACHADO PINTO



https://super.abril.com.br/mundo-estranho/existe-mesmo-a-danca-da-chuva/



CADÊ?
MARIO AUGUSTO MACHADO PINTO

Já estava acordado quando o celular tocou. Era o Mano dizendo que recebeu telefonema de um dos guardas florestais avisando que algo estranho estava acontecendo na Reserva Carolá: os índios estavam reunidos cantando e dançando ritos destinados a demonstrar descontentamento. Não sabia porquê. Nesse instante a linha caiu e perdeu contato, por isso não tinha mais detalhes, mas mesmo assim considerava preocupante a situação. Respondendo à sua pergunta disse que iria com ele e o ajudaria dentro de limites.   
      
 Eu sabia que essa ida do Mano à Carolá refletiria no seu programa de visitas projetadas para o segundo trimestre, mas ele não se aborreceu: não era a primeira mudança nem seria a última a acontecer. Em todo caso, ajudaria a quebrar a pasmaceira em que havia se transformado seu casamento. Bizuca (pelos meus caracóis, que apelido!) botou na cabeça que Mano estava tendo caso com uma das mulheres da tribo. Conheci a jovem – imagina só: cara de malandrinha, bonitinha, 22 aninhos, quase nua e com tudo no lugar certo! pitéu dos deuses! A verdade é que Mano não tinha envolvimento, dizia que relacionamento com mulheres da tribo acabaria com sua autoridade fator fundamental no exercício da sua função. Pra ele não era caso encerrado pois nunca existiu, mas mudou seu comportamento de alegre pra meio sorumbático. Em sua casa não se ouvia mais aquele zum zum de colmeia de abelhas nem era mais o porto seguro onde atracava o navio da vida diária. Já não fazia mel pra Bizuca.

Bem, em todo caso disse que com minha ajuda – não sei até que ponto - poderia adiantar a programação anual, o que lhe permitiria gozar férias antecipadas. Conversamos sobre o assunto e no final das contas pareceu-me animado com a perspectiva.

Após café corrido, montamos na perua e lá fomos nós, ele dirigindo como numa disputa de rally. Era o seu normal. Não conversava. Ficava em silêncio por longos intervalos e depois cantava. O interessante é que cantava canções que eu conhecia, mas não mais me lembrava. Era como volta ao passado. Importante é que as canções passavam pelo tempo, das mais “idosas” às mais recentes e cantava, cantava com sua bela voz e dizia: é show da Broadway para os índios escutarem e saberem que estou chegando alegre e contente. Isso os deixa mais à vontade, sem animosidade. Apesar da explicação notava que Mano estava tenso, gestos rígidos, fala atropelada, feições a contrastar com a aparência exuberante do meu amigo de infância. O que estava pra acontecer era a pergunta que eu me fazia e que não queria calar.

Pigarreou forte e iniciou o show com musiquinhas que se aprendem no lar-escola:

“A, É, I, Ó, U, DABLIÚ, DABLIÚ DA CARTILHA DA JUJU, JUJU”* repetia e já voltava ao silêncio.

Sabendo do procedimento, sempre aproveito pra admirar a paisagem, a mata exuberante, lindas aves, sons que só os iniciados conhecem quem os emite. Esse conjunto quando me atinge causa-me arrepios. Razão tinha o poeta ao dizer que as aves que lá gorjeiam não gorjeiam como as de cá.  Cada pio faz o canto; o cantor apresenta sua assinatura e toma posse no espaço que lhe cabe.
Assim sem mais nem menos Mano diz bem alto:

“UM, DOIZ, FEIJÃO COM ARROIZ, TRES, QUATRO, FEIJÃO NO PRATO *, etc..... Silêncio novamente e uma pergunta:

— Tô enchendo o picoá?

— Não. por que essa cantoria toda? Tem destino certo?

— Claro. Foi pra aprender a contar. Eles conhecem de cor. Há outras 3 ou 4 que vou cantar. Servem pra conseguir reunir todos na praça da aldeia. Também aviso que eu quero comer com eles. É pra preparar uma queixada. É pra dizer que  que tá tudo bem. Você será convidado. Tá?

— Tá.

Silêncio de novo. Desta vez foi mais longo com a explicação da serventia: o que faria era uma visita de amigo para amigos e, mudando um pouco a letra, cantou:

— A CANOA VIROU, POR DEIXÁ-LA VIRAR, FOI POR CAUSA DA INDIRA QUE NÃO SOUBE REMAR, PIRIRIM PRAQUI, PIRIRIM PRA LÁ*.

— E essa aí, pra que serve?

Explicou:

— É pra dizer que eu vou fazer as coisas certas. Sabe, pra eles Indira é o meu serviço. Este contato é um agrado enorme pra eles.

E assim foi cantoria por todo o caminho.
Ao chegarmos, notei que todo pessoal da tribo estava reunido na lapa que alcançava a cachoeira. Andaram passando por detrás da queda d´agua cada um voltava começando a dançar. Mano parou a perua, desligou o motor e murmurou:
— Tá mais sério do que eu pensava. Você fica; se precisar eu chamo.
E a cantar, lá se foi ele encontrar o pessoal; recebeu e deu abraços, ensaiou uns tantos poucos passos de dança e, afinal, passou pela queda d´agua. Cantava. Dava pra ouvir o eco da sua cantoria:
A ROSA FICOU DOENTE, O CRAVO FOI VISITAR, A ROSA DEU UM SUSPIRO E O CRAVO PÔS-SE A CHORAR. PIRILIM PRAQUI, PIRILIM PRA LÁ...*.
O grupo rodava em círculos, batia os pés no chão de terra levantando poeira que aumentava de intensidade ao sabor da música cantada. Depois de certo tempo deu para ouvir Mano ainda a cantar.
Silenciou-se a cantoria. Só se ouvia o bater dos pés no chão a levantar cada vez mais poeira que aos poucos foi ficando branca. De repente estourou a voz do Mano a gritar a plenos pulmões:
— I DID IT MY WAY**  a repetir só essas palavras, a voz ecoando cada vez mais fraca.
Só havia a agitação da dança, o bater dos pés no chão e mais forte se fez ouvir
— VOU PARTIR, BAIXO ASTRAL, VOU PRA PORTO ALEGRE, TCHAU, TCHAU...***.
Entoou muitas vezes até voltar à agitação que se seguiu ao silêncio. Todos se retiraram a entoar cantoria dodecafônica.
Nunca mais ninguém viu o Mano e os Iapurá diziam que ele sumiu na nevoa da boca da gruta da queda d´agua.
Foram feitas expedições, inquéritos, processos, buscas pessoais e coletivas: nada, nadinha foi encontrado. Prestei dezenas de depoimentos, consolei, chorei e quase me perdi de saudades e dor. Nada!
Concretizando o que me prometi, hoje estou cá. O local está abandonado. Os Iapurá se foram. Só há uma trilha. Fiz o mesmo caminho, cantei os versos das mesmas músicas, dancei o ritual pra passar por detrás da queda d´agua. Fiquei surpreso ao encontrar na entrada da gruta dois pilares antigos, lascados, escrevinhado no maior:
                  VOCÊ QUE VAI ENTRAR, VAI VOLTAR?   

Já estavam ali? Sim! Não! Desde quando? Como foram escritos? Quem escreveu? Mano leu? A pergunta permanece: Se foi, onde está? Cadê ele? Cadê? Cadê?

Nadin, seu filho de quase dois aninhos tem a resposta:
O GATO COMEU.


CARNAVAL - Sérgio Dalla Vecchia




CARNAVAL
Sérgio Dalla Vecchia

Carnaval, festa brasileira alegre, descontraída, festejada por todos os Estados. Cada um com suas características folclóricas, entrosadas nos blocos e desfiles de rua, onde o colorido das fantasias em ritmo de samba formava um cenário mágico, transformando foliões em almas isentas de todas as agruras da vida.

No estado de São Paulo, especialmente a cidade litorânea de São Vicente foi onde desde menino em férias participei de inúmeros eventos carnavalescos.

Hoje avô, não considero mais minha festa preferida, quando recordo nitidamente dos bailes nos primórdios do Ilha Porchat Clube na década de 60. Do corso nas avenidas costeiras Presidente Wilson e Vicente de Carvalho, onde havia troca de serpentinas, confetes, talco e até farinha.

Muitos carros abertos, jipes e caminhonetas parados no trânsito permitiam que os foliões descessem e circulassem pela avenida trocando alegrias com os foliões vizinhos.

Lembro do ponto máximo da animação na confluência da av. Ana Costa, onde existia o Parque Balneário de Santos e o Clube XV.

Era só alegria, não havia excesso de bebidas e não se percebiam drogas.

Do banho da Dona Doroteia, onde um bloco de homens fantasiados de mulheres sambando entrava no mar brincando com as ondas.

Dos bailes de salão nos conhecidos Clube XV, Tênis Clube, Saldanha da Gama em Santos, Tumiarú e Ilha Porchat Clube em São Vicente.

Da minha maioridade pulando as quatros noites no Ilha Porchat Clube, onde a frequência era de famílias dali mesmo, proprietários de apartamentos na praia do Itararé. Da pausa para descanso no terraço com vista para o mar na companhia agradável de uma bela moça.

Daquele ambiente familiar, onde tudo corria bem e novas amizades sempre surgiam. Do cansaço gostoso de pular literalmente o carnaval até onde as pernas aguentassem.

Entretanto, sendo saudosista mesmo, observo nos dias atuais a distância das famílias, a percepção das drogas, intolerâncias diversas, glamour dos desfiles cada vez maiores e luxuosos. Carros alegóricos de tão grandes enroscam-se e se partem nas diversas passarelas dos sambas das grandes cidades.

Toda essa ostentação, luxo e os meios que a viabilizam, transformaram o carnaval mágico da alegria espontânea, em uma felicidade teatral, diante das câmeras de tv e arquibancadas.

Por isso, feliz, recordo do sucesso da minha simples fantasia de bermudas, camiseta e sandálias. O esplendor era só meu, não precisava de mais nada, apenas o coração alegre, uma garota e pés frenéticos.