PROFISSÃO: PERIGO - Oswaldo U. Lopes

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PROFISSÃO: PERIGO
Oswaldo U. Lopes

        As profissões médicas e paramédicas sempre gozaram de um respeitável prestigio, seja por méritos próprios seja porque o objeto de sua arte, era e ainda é uma vida humana em perigo. Isso era verdade até pouco tempo. No Brasil, e em particular no Rio de Janeiro, invadir hospitais a fim de liquidar bandidos ou criminosos tornou-se uma realidade do dia a dia. A bandidagem já chegou ao requinte de dizer que entre médicos, suspeitos e enfermeiras bala perdida é a que dá na parede.

        Na zona norte, já é praxe o aviso colocado na cozinha:

Se for fazer pipoca não se esqueça de tampar a panela.”

        È que se elas estouram sem tampa, não cabem no chão, deitados, todos os que estão por perto. Pânico verdadeiro originado do continuo pipocar das armas de grosso calibre.

        Bem voltemos ao tempo em que a profissão não era tão perigosa. A única especialidade considerada de risco era a psiquiatria, mais as suas congêneres, a psicanálise e a psicologia. A razão era simples, lidavam com pessoas com distúrbios mentais que muitas vezes resultavam em condutas alteradas e perigosas.

        Um caso bem conhecido foi o de um conceituado psicanalista. Uma de suas clientes, senhora pertencente a uma respeitável família de juízes e desembargadores, em meio a terapia desenvolveu uma enorme dependência em relação ao terapeuta. O que no jargão chama-se transferência positiva, para ela era paixão mesmo. Ela simplesmente amava seu médico. Acontece que a cliente que ele atendia antes era jovem e muito bonita e sempre saia da consulta com um lindo sorriso no rosto, esbanjando felicidade.

        A apaixonada não teve dúvidas compareceu a sua hora, esperou a saída da linda mulher e com ela ainda presente, mandou o seu terapeuta desta para melhor com dois fulminantes tiros. Não foi sequer a julgamento, pois foi considerada inimputável dada a confusão mental que desenvolvera e o ciúme doentio que resultara.

        Outro caso memorável envolveu um famoso psicanalista que além de competente era conhecido pelos preços que cobrava. Como é comum na especialidade não havia nem secretária nem enfermeira.  Um jovem e bem apessoado rapaz apareceu para a primeira consulta e estabeleceram-se preço e condições, tais como horário, frequência semanal etc. Tudo acertado despediram-se.

        No dia e na hora aprazada o rapaz apareceu, invadiu o consultório, só que agora portava um revolver e anunciou um assalto. Estabeleceu-se uma pequena confusão, o paciente que saia era outro psicanalista e o jovem acabou por acertá-lo no abdômen. O jovem então intimou o psicanalista sênior exigindo uma elevada soma em dólares, sob pena de outro tiro.

        O que fora atingido pelo disparo pedia para ser socorrido. Médico, tinha noção da gravidade de sua situação. O sênior telefonou para seu doleiro pedindo que ele mandasse entregar no seu consultório a soma de vinte mil dólares. Este muito surpreso com o inesperado pedido resolveu avisar a policia que cercou o prédio até com helicóptero.

        O ferido deveras assustado dizia para o ladrão:

— Me socorre que eu lhe pago os melhores advogados, garanto que você não vai nem para a cadeia.

        A policia invadiu o prédio e o consultório, muito interessada no assaltante e não muito interessada no ferido, que acabou salvo pela mão de um colega que tinha consultório ao lado e o levou as pressas para o Hospital das Clinicas. Acreditem, na confusão o ladrão escafedeu-se e não foi preso.

        Outro fantasma a rondar esses especialistas é o suicídio. As pessoas com graves distúrbios como depressão ou esquizofrenia, podem no extremo de uma situação, para elas, insuportável, optar por dar um término ao sofrimento praticando o suicídio, muitas vezes de forma trágica: enforcando-se, disparando um tiro no rosto ou jogando-se do alto de viadutos ou penhascos.

        Ao sofrimento de perder um paciente que estavam acompanhando, correm, os profissionais de saúde, um risco sério por causa dos familiares que os culpam pelo desenlace. Foi alarmante o caso de um moço filho de um conhecido politico que tragicamente jogou-se de um viaduto. O pai inconformado em vez de recorrer ao Conselho Regional de Medicina, onde são discutidos os possíveis erros de conduta médica, valeu-se da justiça comum. Membro de um prestigiado escritório de advocacia, alegou danos morais e o caos foi até o Superior Tribunal de Justiça. Foi somente ai, depois de ter sido derrotado na primeira instância que o médico conseguiu provar sua inocência no caso.

        Conto também a história da Maria dos povos de rua e do desespero que a atingiu quando da perda, por suicídio, de um jovem paciente. Entre ameaças e processos judiciais há muitas histórias que correm sobre o assunto.


        Nem tudo são flores na profissão médica, ou melhor, entre as flores há espinhos e um monte de erva daninha. Uma coisa é certa, não é na Faculdade que se aprende a resolver e tratar essas situações. A arte continua longa e a vida continua breve.

Lágrimas ao Vento - José Vicente J. de Camargo


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Lágrimas ao Vento
José Vicente J. de Camargo


Pelo título, a poesia que você está escrevendo deve ser triste.

Não! Respondo. Para mim o choro é um desabafo, um alivio. Pode ser de tristeza ou de alegria. Não devemos conter as lágrimas. Devemos deixa-las fluírem ao vento, refletirem a luz do sol ou o brilho do luar. É uma dádiva que possuímos que exalta nossos sentimentos, mostra que somos humanos.

Tem razão! Retruca. Quase sempre associo choro e lágrimas com coisas tristes. Deve ser porque me sinto uma pessoa amargurada.

Você? Na flor da juventude, com a vida pela frente, sente-se amargurada? Realmente está lhe faltando algo e eu já sei o que é.

− O que é? Me pergunta curiosa com aqueles olhos grandes de jabuticaba dando a intenção de quererem prender-se aos meus.

Amor! Necessita de alguém que a faça descobrir esse sentimento milagroso. Estando com ele não existe amargura que resista. Desaparece na hora. E no terreno adubado por ele, nascerá um pé de jabuticaba com frutas tão negras e brilhantes como os seus olhos. Quando as degustar, irá sentir alegrias e paixões. Então conhecerá as lágrimas de felicidades, tão abundantes, que parte se perderá ao vento.  Estou à disposição para lhe mostrar este caminho.

Obrigada, muito romântica a sua dica. Responde. Mas tem um problema, não gosto de jabuticaba. Tem um caroço muito grande que me faz engasgar.

Esta é uma das características do amor. Podem surgir empecilhos que não lhe agradem. Mas aí, deve saber contorna-los com sabedoria. Aproveite as coisas boas e descarte o que não gostar. Saboreie o suco da jabuticaba e expele, com jeitinho, o caroço incomodo. Se engasgar e lágrimas de desespero surgirem, não as retenha. Deixe-as irem ao vento, faz parte do jogo.

Creio que vou seguir esse caminho e vou precisar de um instrutor, retruca indagando-me convidativa.

Estou ao seu dispor, respondo. É só trocar a caneta pelas ferramentas de jardim para o plantio da jabuticaba. Tenho boas sementes que não me deixam na mão.


E digo mais: Sou um jardineiro fiel...

Vida de Criança - Ledice Pereira


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Vida de Criança
Ledice Pereira

Stella deixava transparecer sua felicidade. Corria daqui pra lá tal qual um coelhinho esperto. Seus olhinhos brilhavam como o sol.

Dava gosto ver aquelas bochechas gorduchas pintadas de vermelho.

Ficava assim sempre que viajava para a casa da avó.

Lá, sentia-se livre como um pássaro. Podia brincar no jardim, colher flores, ficar descalça, correr atrás do Cacau, o labrador de Dona Filomena, que sempre fazia muita festa quando ela chegava.

Aquilo sim era vida!

Em São Paulo vivia presa no apartamento, muitas vezes sem poder descer pra brincar porque chovia ou fazia frio.

Gostava de passar as férias no calor de Ribeirão Preto com vovó Filó fazendo-lhe todas as vontades.

Adorava o banho de mangueira que, invariavelmente, acontecia ao lado dos primos. Depois do banho faziam guerra de travesseiros.

E a vovó era só sorriso!

Ali, Stella nem ligava para a TV.

À noite, era jantar a comidinha dos deuses, que vovó preparava com a ajuda de Terezinha, depois cair dura na cama para acordar no dia seguinte com as galinhas.

Em Ribeirão aprendeu a balançar-se sozinha, perninha pra frente e pra baixo, abandonou as rodinhas de equilíbrio da bicicleta, montou pela primeira vez o manso cavalinho que Juvenal, marido de Terezinha, arrumou pra ela.

Quando, na semana seguinte, os pais chegaram teve muita novidade para contar. Estava elétrica! Não parava de falar e mostrar as novas habilidades.

Os primos, um pouco mais velhos, também lhe ensinaram a chutar bolar, escalar o muro e empinar pipa.

Eram pacientes com ela que estava agora com seis anos.

Passaram num piscar de olhos as três semanas de férias. Os pais tiveram dificuldade para tirá-la do galho mais alto da mangueira onde tentou esconder-se para não ir embora. Em prantos, dizia que não queria voltar pra casa. Queria ficar morando ali com vovó Filó, que procurava disfarçar a lágrima que insistia em rolar por sua face. Era sempre triste aquela separação.



Obrigada por me deixar ser criança outra vez. - Ângela Barros


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Obrigada por me deixar ser criança outra vez.
        Ângela Barros

       
        Queridos filhos, meu amor por vocês é incomensurável. Vocês me fizeram mãe. Voltei a ser criança quando vocês nasceram. Balbuciei, engatinhei, rolei no chão, na grama, na areia e no mar. Cantei, como uma gralha desafinada só para escutar: “Canta outra vez, mamãe!” Li a mesma hist[oria uma, duas, três, não sei quantas vezes mais reli,  só para ver um sorriso e um pedido: “Lê outra vez mamãe!”.

        Quantas vezes na escuridão da noite parei na porta entreaberta do quarto apenas para olhar meus anjinhos dormindo, quase sempre descobertos, quem sabe só para receber um aconchego e um beijo.

        Senti a mesma dor todas as vezes que vocês caíram, os mesmos calafrios a cada febre com o corpo em brasa. E quando a noite acordava com uma mãozinha tocando meu corpo, suavemente, como uma pluma, chamando “mamãe”, com um chorinho de quero ficar com você na cama, eu simplesmente levantava a coberta para vocês se aninharem como filhotinhos desmamados precisando de amparo.

        Lembra os espetáculos de mágicas e danças que vocês organizavam? Você filho com uma toalha nas costas e varinha mágica nas mãos, vlup, vlup, entrava voando na sala e fazia desaparecer moedas. Sua irmã de  colante cor de rosa e tutu de crepom encarnava a bailarina, téc, téc, téc, chegava saltitando na ponta dos pés fazendo pliés e espacates.  Momentos mágicos de ser criança.

        Poderia passear agora com vocês por aventuras em florestas na sala, pic-nic, em cabanas armadas no terraço em dias de vendavais, piratas de pedra de pau à caça ao tesouro, tardes de glamour com desfiles de modelos em saltos altos e vestidos longos, esconde, esconde e muitas outras brincadeiras que a qualquer momento nossa imaginação nos levasse, livres, leves e felizes.

        Crescidos meus queridos filhos, meu amor por vocês é tanto que preenche todo o meu corpo, se expande além dele e se existe uma áurea que nos reveste de energia, essa energia nos une e nos fortalece para além de nós mesmos.

        E o tempo passou. Hoje, além de mãe e filhos, somos três grandes amigos.

        Filha, agora você é mãe, e me fez avó de um menino que chegou de mansinho, tão pequenininho, olhos grandes a observar tudo se embebedando com a vida a sua volta, aos poucos me tomando para si sem nada fazer, apenas existindo.

        Sempre achei muito louco o que acontecia com minhas amigas que tinham neto, elas ficavam ensandecidas, enfeitiçadas, esqueciam casa, marido, vaidade, outros filhos. O único assunto era o que o neto maravilhoso fazia, falava, brincava, balbuciava, engatinhava, andava, comia.

        Hoje eu entendi. Não, não se preocupe não vou ficar falando que meu neto é o menino mais lindo do mundo, mais esperto, mais querido não! Simplesmente porque qualquer coisa que eu possa verbalizar não vai exprimir o que é o meu neto e o que eu sinto quando ele estende os braços para mim pedindo colo. Impossível para um leigo no assunto entender o que acontece no nosso coração que só falta explodir de alegria e querer sair pela boca.

        Que louco amor é esse que invade o nosso corpo preenchendo cada milímetro dele, percorre nossas entranhas, penetra no sangue vermelho das nossa veias para não esquecer de alimentar todo nosso corpo até alcançar nosso coração? E, como se não bastasse, invade a luz celestial da nossa alma, dá uma rasteira nas nossas verdades que maliciosamente desdenhava quando de rabo de olho balançava a cabeça num gesto de “O que é isso,  meu Deus!”, para as amigas que ja tinham passado por essa invasão que agora sei. Essas mulheres banhadas por esse amor em silencio deviam pensar com seus botões, bobinha, seu dia chegará, e aí então, você cairá em si, ao meu lado sentará no chão, rolara na lama, cantara e gargalhadas dará, simplesmente, porque seu ser foi invadido de um bem-querer que transborda para o outro, e do outro para você, infinitamente.

        Essa dádiva nos é dada de presente no momento exato que poderíamos simplesmente fazer o que bem entender com o que chamam de terceira idade, mas que na verdade já não queremos fazer muito. Ops! queremos não, os homens não querem fazer quase mais nada. Sair a noite para ir a uma boate, dançar, encontrar os amigos, nem pensar. Só que nós mulheres ainda temos muita energia para o que der e vier, passear, viajar, dançar e claro ficar com os netos.

        E são eles, esses pequeninos cheios de energia que nos trazem de volta a alegria de viver. Quando abro a porta de casa, já começo a fazer palhaçadas, dois bracinhos se abrem para mim, juntos gargalhamos e a casa se enche de amor.


        Obrigada minha filha querida pela felicidade de me fazer avó, de devolver pra mim a vontade de cantar, brincar de pega pega, esconde esconde,  contar histórias, fazer naninha para o seu filho dormir, assistir a Galinha Pintadinha todas as vezes que o Titi aponta o dedinho para o aparelho de TV, deixar ele passar a noite comigo, amar o amor que vem do amor que a gente fez para fazer você.

CONCURSO LITERÁRIO SINDI CLUBE - ATÉ 18 DE AGOSTO


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Participe do Prêmio Nacional de Literatura dos Clubes!

Associados de clubes de todo o país, que gostam de escrever, estão convidados a participar do Prêmio Nacional de Literatura dos Clubes.
As inscrições vão de 29 de abril a 18 de agosto de 2017, para trabalhos de poesia, crônica e conto.
O concurso é uma iniciativa prevista no convênio firmado entre o Sindi-Clube e a Fenaclubes (Federação Nacional dos Clubes), que dá caráter nacional ao Prêmio Sindi-Clube/APL de Literatura, antes realizado apenas em São Paulo.
As condições exigidas para participar do Prêmio Nacional de Literatura dos Clubes podem ser consultadas no regulamento do concurso.
O Prêmio é feito em parceria com a Academia Paulista de Letras (APL), que formará uma comissão julgadora composta por especialistas em cada gênero literário para analisar os textos inscritos.
Os melhores colocados receberão prêmios de R$ 1.500,00, R$ 1.000,00 e R$ 500,00. O concurso permite a inscrição de uma obra inédita por participante e os temas dos trabalhos são de livre escolha.

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AS MÃOS DE ALICE
Carlos Cedano

Vi pela primeira vez Alice quando cursava o primeiro ano de Arquitetura e eu o segundo de Engenharia. O belo rosto e seu corpo espigado pareciam acompanhar uma melodia só por ela percebida. Não ousava aproximar-me dela, não era falta de vontade, não! Mas, não imaginava seu delicado rosto em minhas mãos profanas, era como um sonho impossível!

Nos três anos seguintes, sempre que podia, acompanhava de longe sua marcha até onde tinha deixado seu carro. Formei-me e fui trabalhar numa grande empresa com excelente salário e perspectivas pra lá de boas. Em poucos anos meu padrão de vida mudou muito, os contatos profissionais e sociais se multiplicaram, mas Alice continuava a ocupar todos os cantos de minhas emoções e até invadia deliciosamente a intimidade de meus sonhos!

O Diretor da firma acostumava promover soirées com concertistas promissores de música clássica, ele mesmo distribuía os convites para seus convidados. Um convite significava apreço e distinção especial para quem o recebia, eu fui um deles e isso me desorientou, então pedi conselhos sendo eu um marinheiro de primeira viagem, ele foi gentil, deu-me dicas de como vestir, conversar e ser discreto e atencioso.

Nesse sábado cheguei as oito e trinta a meu destino, e fui me enturmar com os outros colegas. Dei uma olhada no programa, seriam cinco curtos recitais de piano e um belo piano Bosendorfer, considerado um dos melhores do mundo, esperava os interpretes.

Quando os pianistas entraram no palco, chamados pelo próprio Presidente, meu coração quase parou, um deles era Alice... Alice estava muito linda com postura de rainha. Nas duas horas seguintes fomos brindados com maravilhosas melodias que me fizeram sentir emoções alternando alegria, suspiros profundos e paz interior.

Alice foi o quarto pianista e interpretou um pequeno repertorio romântico com peças de Chopin, Debussy e Liszt. Minha atenção foi atraída pelos movimentos de suas mãos que deslizavam suavemente sobre o teclado. Seus dedos lançavam notas que se espalhavam por todos os cantos do enorme salão penetrando no coração das pessoas e fazendo-as atingir seus mais profundos sentimentos de amor! Eu estava hipnotizado pela magia dessas belas mãos e pelo rosto de fino cristal que agora o acariciaria com as mais delicadas vibrações de meu ser!

As palmas foram intensas e sustentadas durante um bom tempo, vi lágrimas nos olhos da Alice, e eu mal continha as minhas!

Serviram champanhe, deliciosos petiscos, e quando virei minha cabeça enxerguei Alice, fui até ela, ela também me viu e me recebeu com um sorriso de quem recebe um velho conhecido.

— Parabéns Alice, você esteve simplesmente divina.

— Renato! Estou tão feliz de te reencontrar. Achei que não veria mais você!

— E eu nunca deixei de guardar você em meu coração Alice. Hoje essa convicção se ancorou definitivamente em mim!

— Me abraça, Renato. Abraça-me forte! Que bom que você perdeu sua timidez. - Disse Alice com um tênue sabor de ironia!


E a magia adentrou essa noite que se tornou infinita!

O relógio de ouro - Ises de Almeida Abrahamsohn


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O relógio de ouro
Ises de Almeida Abrahamsohn

Estava no escritório de sua pequena indústria de peças de alta precisão quando o telefone tocou. Era alguém do DOPS intimando-o a comparecer à delegacia central. Desligou o aparelho, deixou-se cair na cadeira e veio-lhe o gosto metálico do medo. Eram os anos 70 em São Paulo. Teria feito algo de errado? Talvez um dos empregados? Teria que obedecer à intimação. Isso era certo. Imigrante, tinha sido apátrida quando escapara da cortina de ferro, mas agora tinha passaporte e sua carteira de estrangeiro. Os impostos e pagamentos estavam em dia. Tomou um copo d’água para se acalmar. Em vão. Relembrou o pavor que sentira há quinze anos quando, em busca de liberdade, cruzou a fronteira.

Separou os documentos da firma, escritura da casa e da fábrica para mostrar. Avisou a mulher. No dia seguinte apresentou-se na portaria do ameaçador prédio no bairro da Luz. Indicaram-lhe uma sala do segundo andar. Cruzou com tipos mal encarados à paisana em cujos olhares oblíquos pressentia ameaças. Foi recebido por um homem gorducho de meia idade que se identificou  como ligado à Interpol. O infeliz cidadão engoliu em seco.

— Quero apenas saber se o senhor tem um relógio Rolex de ouro!

Boquiaberto, o interrogado recuperou o controle e informou que há cinco anos de fato tinha possuído um; tinha sido roubado numa viagem de trem entre Bruxelas e Frankfurt. Contou que deixara a maleta contendo  o relógio e outros pertences sob a guarda de dois passageiros enquanto foi jantar. Quando voltou, o compartimento estava vazio e a maleta havia desaparecido. Deu queixa, porém o seguro não lhe reembolsou o relógio que havia sido presente da mulher.


O delegado contou-lhe que a polícia de Barcelona encontrou  o relógio no pulso de um indigente morto. Localizar o verdadeiro dono foi possível porque por ocasião da compra dos relógios dessa marca  o nome do comprador é anotado e registrado na firma. Cada peça leva o número de identificação gravado no verso.  Entretanto em Barcelona só lhe entregariam o relógio, caso se comprometesse a arcar com as despesas do enterro do infeliz. Pasmo com essa história, apressou-se a concordar. Alguns meses depois recebeu na Europa o seu relógio de estimação.

Candidato inoportuno - Conto Coletivo - Silvinha, Maria Verônica, Oswaldo Lopes , Maria Amélia e Ises.


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Candidato inoportuno
Conto Coletivo

Silvinha, Maria Verônica, Oswaldo Lopes , Maria Amélia e Ises.


Três gerações estavam reunidas ao redor da grande mesa de madeira da sala. Era o aniversário da Zezé. Presentes todos os fartos quitutes da cozinha mineira. Zezé a única das cinco filhas do velho Machado ainda solteira pontificava. Era o seu dia. As crianças em alvoroço olhavam com gula as espigas de milho e as coxinhas de frango.

Além da algazarra ouviu-se o blém, blém estridente da sineta da varanda. Zezé teve que gritar:

Zico vai ver quem é! Quem será a esta hora?

Sou eu, Zezé. Você não se lembra? O Epaminondas. Estou morando agora na fazenda perto da divisa.

Fez-se  um silêncio atônito. Todos se lembravam do malandro do Epaminondas que, apesar de tudo, conseguira há oito anos ser eleito prefeito de Argirita. Felizmente tinha sido derrotado na última eleição.

O velho Machado que até agora não se manifestara não deixou por menos.
Seu cara de pau! Como tem coragem de aparecer de novo depois do que aprontou para a Zezé?

 Que é isso, seu Machado? O que passou, passou! Venho em paz. Eu mudei demais da conta. Agora estou tentando a reeleição!

Dito isto, o intruso empurrou as crianças e se aboletou ao lado de Zezé. Sem cerimônia, anunciou que tinha fome de leão e agarrou a primeira coxa de frango que viu pela frente.  Com a boca lambuzada de gordura esticou o prato para lhe servirem generosas porções de tutu e torresmo. Esnobou o quiabo refogado.

Não gosto de baba, declarou. Você lembra, não é Zezé?

Foi nessa hora que o Zico que tinha sido expulso da cadeira pelo glutão, não se conteve:

Mãe, olha a visita, já avançou no frango e botou defeito no quiabo. Não é falta de educação?

Sem dar atenção ao menino e aos olhares reprovadores, o intruso virou-se.
Como é Zezé, não tem uma cervejinha aí ?

Mesmo a contragosto, a aniversariante foi buscar a bebida para o ex-noivo.  O almoço prosseguiu com o pessoal visivelmente sem jeito enquanto o Epaminondas falava pelos cotovelos. Entornava um copo após outro e ainda pediu a cachacinha para arrematar.

Virou-se para Zezé com a voz já enrolada, passando-lhe o braço suado pelos ombros:

E aí Zezé, saudades daqueles bons tempos? Pelas minhas contas já está com cinquenta, não é não?

Foi demais para o velho Machado. Empertigado e, com a dignidade que lhe era peculiar, se aproximou do descarado.

Acho que você está querendo ir embora, Epaminondas! Deve ter mil eleitores esperando! Faço questão de acompanhá-lo até a porta.

Ante o 38 visível na cintura do velho, Epaminondas amarelou.


Que é isso, padrinho. Já tava mesmo de saída. Agradeço o almoço. Próximo domingo é a eleição. Conto com os votos de todos. Já vou indo. Já vou indo. Já vou indo...

Memória visual - Fernando Braga



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Memória visual

Fernando Braga

        Sempre se gabava de sua memória visual.

— Uns têm memória para nomes, outros para fatos, outros mais para sons, cheiros ou sabores. Outros ainda, enxergam com as mãos, ouvem com os olhos e assim vai. O meu forte é a memória visual, especialmente para guardar fisionomias. Vejo uma pessoa, posso não lembrar seu nome, mas sei que a conheço, mesmo passado muito, muito tempo. Tenho memória de elefante, que dizem, procura voltar a seu local de origem, quando sente a morte próxima.
Contou o seguinte fato, dado como real.

       Ainda criança, com 8 ou 9 anos, frequentemente acompanhava meu pai, quando  ia para a fazenda, guiando o seu Fordinho 29, o carro mais comum da época, que enfrentava valentemente as estradas de terra, esburacadas e sinuosas. Por volta das quatro horas da tarde, o retorno.

Seu Mateus era o administrador da fazenda, marido da dona Luzia, tinham duas filhas e ainda o Zezinho e o Luizinho. Este último com uns seis anos. Lembro-me até hoje, o seu Mateus sentado, comendo feijão com arroz, pegando umas cinco pimentas vermelhas grandes, amassá-las e misturá-las à comida. Pensava na época: Vai gostar de pimenta no inferno!

Certa ocasião, sentei-me no carro, bati a porta e fiquei aguardando meu pai, que, por sua vez, sentou-se, colocou o câmbio em ponto morto, pronto para dar a partida, trocou ainda algumas ideias com seu Mateus, e bateu fortemente a porta do seu lado. Neste momento, um grito agudo de Luizinho ressoou no ar, gritando e apertando fortemente a mão direita que estava ensopada de sangue. O dedo indicador da mão direita do menino havia sido decepado pela porta. 

Após enrolar sua mão em uma toalha, foi levado às pressas para uma farmácia, a única da vilazinha próxima. O farmacêutico, deu cinco pontos no dedo do menino, que havia perdido a falanginha e a falangeta, restando apenas a falange.

Seu Mateus e família, ficaram como empregados ainda por alguns anos, mudando-se para a cidade. Nenhum contato mais.

Cerca de uns 30 anos após, estava chegando à minha sala e no corredor, um rapaz forte, moreno, bem vestido, com um bigode de mexicano, aproximou-se chamando-me pelo nome:

— O senhor se lembra de mim? Me reconhece?

Encarei o rapaz, olhei bem em seus olhos,  percebi que já o tinha visto em algum lugar. Fiquei parado, sem perguntar nada, e depois:

— Mostre suas mãos.

O dedo indicador da mão direita, pela metade!


—Você é o Luizinho! E se me procura após tanto tempo, é porque deve precisar de mim! Vamos entrar! Que satisfação em revê-lo!

A CORRENTEZA - Sérgio Dalla Vecchia

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A CORRENTEZA
Sérgio Dalla Vecchia

Sentado na areia da praia, observava estático o movimento das ondas. Os pensamentos brancos como a espuma viajavam para o nada.

Naquele momento o mar brindava comigo, oferecia-me taças de espumante, servidas pelas ondas na arrebentação.

Enquanto degustava olhando pela taça translúcida da imaginação, revivi os erros da vida e almejei acertos vindouros.

O implacável sol castigava minhas costas desnudas, pássaros plainavam ascendentes nas correntes de ar quente.

O horizonte se mostrava logo ali. Vez ou outra um pesqueiro em movimento o cortinava por instantes.

A paz era real, até que surgiu uma moça em um Stand Up logo após a arrebentação. Parecia que não saia do lugar. Os movimentos das remadas eram visíveis, mas a prancha não avançava. Percebia-se o desespero da moça, bem como o despreparo para a navegação. Não usava colete salva vidas e remava contra a maré.

Dificilmente sairia daquela posição, mas insistia.

Foi quando exausta caiu sentada na prancha.

Naquele momento levantei-me e fui correndo em sua direção. Não havia mais ninguém, apenas eu. Ela me avistou e balançou os braços.

Entrei no mar até a cintura e a orientei para que mudasse a rota e viesse em minha direção.

Deu certo, ela começou a vir. Quase emborcou algumas vezes ao transpor a arrebentação, mas avançava.  

Finalmente chegou até mim e exausta me abraçou freneticamente.

Enquanto ela descansava em meus braços eu a acalmava com palavras de conforto.

Aos poucos sentia a respiração e o bater do seu coração relaxarem.

Percebi que aquele abraço não buscava mais socorro e sim amor. Era justamente que pedi a Netuno.


Nunca mais nos desgrudamos.