A FUGA - José Vicente J. de Camargo

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 A FUGA
José Vicente J. de Camargo


Foges para onde?

Pergunta com insistência aquela voz vinda da consciência - voz que insiste em perturbar-lhe nesses momentos de dúvida, de fraqueza, com indagações cujas respostas ele não tem.  Dói-lhe cutucar seu íntimo a procura delas. E mesmo que o fizesse não encontraria...

Da janela do trem que o leva à uma estação que ele ainda não definiu qual será, ele mira a paisagem de montanhas, algumas com picos escondidos na neve, tal como ele que não quer se expor, enfrentar a realidade. Escolheu esse trajeto por percorrer aquela região montanhosa que ele ainda não conhece.

O embalo do trem lhe adormece o corpo cansado pela angustia dos últimos dias, quando os dois resolveram se separar. Não dava mais. Seus sentimentos se diferenciavam cada vez mais. Depois de tantos anos juntos, tantas caricias trocadas, juras de amor, como pode acontecer? Quem errou? O pior é que não se deram conta, não perceberam até que o tsunami chegou, de repente, sem avisar, e os atingiu em cheio, os embolou, os jogou um contra o outro, e depois os separou, cada qual agarrado a um apoio que o levasse para longe, sem resistir, com medo que o outro o viesse salvar, pedir um tempo para pensar, uma chance para retomar a razão...

A visão das montanhas lá fora, cobertas de verde e branco, é intercalada com a figura dela correndo na chuva, sem se virar, sem olhar para ele. Também ela, no meio das árvores, no bosque inundado, segurando no braço estendido – incongruência do destino −  seu guarda – chuva aberto, protegendo-a, espetando a tarde molhada e fria. E ele parado, pingando, sem esboçar qualquer reação, vendo-a desaparecer no ar cinzento, sem ter tempo de refletir se o que estava acontecendo era certo ou errado...

Um solavanco lhe sacode a mente, lembrando que está num trem rumo a um destino desconhecido. O embalo cadenciado, junto com a vontade de desaparecer num esconderijo imaginário, o faz lembrar da infância, quando seu pai lhe tocava ao piano sua música favorita – O Trenzinho Caipira, de Vila Lobos -  e aquela fantasia da locomotiva fumegante, no meio dos apitos agudos e o ranger das rodas, o conduzia ao sono profundo e despreocupado das almas puras onde não existem porquês, nem desculpas ou culpados. Nesse mundo tudo é paz e sossego. Não há necessidade de se dar respostas inexistentes, explicações sem sentido, de tomar iniciativas sem se saber como. Os rumos são definidos e orientados pelas figuras protetoras e as fugas, se houver, têm sempre um retorno pródigo:

“Oh Pai! Onde estás que não me escutas?

O Segredo De Cada Um - Oswaldo Romano




O Segredo De Cada Um
Oswaldo Romano




Quando deixo o quarto, logo acho-me envolvido neste nosso mundo. Junto da porta, a direita, ainda no hall, fico diante do nosso pequeno oratório.

 Sonolento. Sonolento, mas clareando as responsabilidades do novo dia, olho as imagens, escolho à qual vou pedir a proteção, e que me acompanhe até a noite.

Esta! - essa ai de véu, está linda, esboça um sorriso divino. Está escolhida!

Corro os olhos para aos demais. Alguns, olham-me - e agora, como fico? Esperavam melhor decisão?

        Cabisbaixo, faço o Sinal da Cruz, (um pouco desordenado), e em seguida olho para eles e torcendo levemente o pescoço, levantando as sobrancelhas, peço agora tímido, que ajudem aquele que elegi.


        Aproveito, rogo para vocês também.

MÉTODO SNOWFLAKE PARA ROTEIRO DE ENREDO



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Surgiu uma nova ideia para um livro?
Precisamos planejar o roteiro do enredo.

O roteiro do enredo é fundamental para que o autor não se confunda, não se atrapalhe com os acontecimentos.
O que é roteiro de enredo?
É um arquivo onde vai ser anotado tudo o que vai acontecer na uma história, das cenas descritas aos diálogos dos personagens – exatamente como o roteiro de um filme.

Há quem não precise desse roteiro. 

Esse, por exemplo, é o roteiro de Harry Potter e a Ordem da Fênix, feito por J.K. Rowling para que ela pudesse ter uma ideia mais concisa da história


Método Snowflake para construção de romances

Randy Ingermanson criou o método “snowflake” (floco de neve) para os novos escritores começarem a estruturar o enredo de seus livros. Isso foi pensado porque muitos escritores têm dificuldade em estruturar o enredo.

E como funciona? Através do outline (esboço, esquema) é construído o roteiro partindo de um resumo. Parece estranho partir de um resumo se nem se conhece ainda a história, não é mesmo? Pois é isso mesmo, em vez de partir do enredo para o resumo, neste método o autor vai partir do resumo para elaborar a estruturação do romance.

O método é composto de 10 etapas, e quando elas estiverem prontas, já haverá uma história completa faltando apenas alguns acertos e a revisão.

Vamos ao método snowflake?

Primeira Etapa: Resumo em 1 linha

Se você fosse resumir a história que deseja escrever, em apenas uma linha, uma única linha, como seria?
Por exemplo, Vidas Secas seria assim: Saga de uma família de retirantes da seca do nordeste.
Faça isso com a sua história, experimente.

Segunda Etapa: Criar 1 parágrafo

Crie agora um parágrafo que resuma a história do começo ao fim. Construa esse parágrafo com 5 frases.

Na primeira frase insira o cenário, local, e já comece a contar o que acontece lá.

Na segunda e terceira insira o que seria o “arranque” da história. Isto é, dedique-as às aventuras, aos acontecimentos que vão impulsionar os personagens principais. Aqui o autor vai apresentar o que chamamos de picos dramáticos que são os momentos de maior tensão da trama.

As duas últimas frases são reservadas para o desfecho, uma vai indicar a direção da história, e a última vai finaliza-la.



Terceira Etapa: Resumo de personagens principais.

Aqui é onde você poderá se focar nos seus personagens. Randy Ingermanson diz que é preciso fazer uma página de resumo sobre cada personagem principal, que contenha: Nome do personagem, sua função na história, objetivo do personagem, sua motivação, os obstáculos em seu caminho, a sua aprendizagem no fim da história e, por fim, um parágrafo completo da história pelo ponto de vista do personagem.

É preciso fazer isso para cada um dos personagens principais.

Quarta Etapa: Parágrafo completo do resumo dos acontecimentos.

Nessa fase você terá de voltar ao resumo de acontecimentos (Etapa 2) e fazer um parágrafo completo de cada um dos acontecimentos, do cenário à conclusão. Isso mesmo, vai transformar cada frase em parágrafo completo traçando um resumo dos acontecimentos. Aqui é onde você pode começar a adicionar mais detalhes sobre o que deve acontecer e até sobre o que os personagens irão conversar.

Quinta Etapa: Roteiro de personagens secundários e expansão dos personagens principais.

Agora você deve começar a fazer um resumo dos personagens secundários usando a mesma base do resumo dos principais. Aqui você deve escrever no que os principais irão se transformar.

Vai também voltar à Etapa 3 onde fez Resumo de Personagens Principais, e vai expandir a fixa dos personagens principais, adicionando mais detalhes à história de cada um e sua relação com os demais personagens, sejam principais, secundários ou aqueles que só ficam no fundo (personagens background).

Aqui você pode desenvolver as tramas secundárias, que podem ajudar ou problematizar a história. Você começa a perceber que nasce a trama paralela à primeira (ou segunda trama).

Sexta Etapa: Expansão dos parágrafos, texto completo.

Nessa fase você terá de pegar cada um dos parágrafos dos acontecimentos que estão na Etapa 4 e escrevê-los em uma página, adicionando novos detalhes, além das falas e relações entre os personagens que serão desenvolvidas nessa cena. Cada parágrafo da etapa 4 vai virar 1 página.

Aproveite nesta Etapa para inserir as informações da Etapa 5 sobre os personagens.

É aqui que a história realmente começará a ser desenvolvida a trama, vai nascer um resumo entrelaçando a trama principal e a secundária. Aqui nascerão seus primeiros capítulos.

Sétima Etapa: Criar Fichas de personagens.

Nesta Etapa você vai construir o Arco dos Personagens.

Volte aos resumos dos personagens na Etapa 5. A partir daí você vai escrever uma ficha completa e detalhada sobre cada um dos personagens (principais, secundários e até background, se você quiser).

Aqui você vai adicionar mais detalhes para os resumos de motivação, obstáculos e aprendizagem de acordo com as mudanças que você fez na história nos últimos passos. Mas também pode adicionar detalhes mais simples e que podem ser até sem importância, como a cor dos olhos, outros traços físicos, hobbys, etc…


Etapa Oitava : Divisão dos parágrafos em capítulos e cenas.

Esta é uma continuação da Etapa 6. Agora você pode começar a desenvolver seus capítulos e as cenas que farão parte da história. Como fazer isso?
Tome a Expansão da Etapa 6 onde você expandiu cada parágrafo em 1 página, e divida em Capítulos.

Você poderá fazer isso no Word, Excel, ou ainda em pastas contendo os núcleos de cada personagem.

Etapa Nona: Desenvolvimento de cenas

(Há um passo opcional no meio disso tudo, o passo 9, o rascunho completo de cenas, mas não irei adicionar aqui porque ele já vem sendo desenvolvido nas Etapas 4 ou 8, e será concluída com a fase 10).

Desenvolver com mais vagar as cenas que foram criadas. Nesta Etapa você pode fazer um rascunhão do livro e inserir diálogos, descrições.

Este ainda não será o texto oficial, mas um esboço completo já maduro que dará ao autor visão geral do que está acontecendo na história.

Etapa décima:  Texto Oficial

Aqui sim será o texto é oficial, aquele em que a história apresenta todos os detalhes, todas as ferramentas literárias. Nesta Etapa há total preocupação com o texto, pois é a primeira versão do livro. Não chamamos mais de resumo este texto.

O que há de bom no processo snowflake é que o autor pode voltar à qualquer fase e modifica-la como desejar. Isso só vai contribuir com a clareza do texto.

Origem: linadoon.wordpress

O ROMANCE DESMONTÁVEL: VIDAS SECAS - Estudos Literários


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O ROMANCE DESMONTÁVEL: VIDAS SECAS
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Estudos Literários

Depois que Graciliano Ramos foi libertado da prisão a 13 de Janeiro de 1937, no Rio de Janeiro, hospedou-se por um breve período na casa de José Lins do Rego. No momento em que pode, transferiu-se para um modesto quarto de pensão no bairro do Catete. Pois foi nesse quarto de pensão que ele iniciou o conto que seria o embrião de Vidas Secas, conforme carta à esposa (13 de maio de 1937) Heloisa de Medeiro Ramos que permanecera em Alagoas:

“Escrevi um conto sobre a morte de uma cachorra, um troço difícil como você vê: procurei adivinhar o que se passa na alma de uma cachorra. Será que há mesmo alma em cachorro? Não me importo. O meu bicho morre desejando acordar num mundo cheio de preás. Exatamente o que todos nos desejamos. [...] É a quarta história feita aqui na pensão. Nenhuma delas tem movimento, há indivíduos parados tento saber o que eles têm por dentro. [...]; mas estudar o interior de uma cachorra é realmente uma dificuldade tão grande como sondar o espírito de um literato alagoano. [...] Enfim parece que o conto está bom, você há de vê-lo qualquer dia no jornal. [...]”(RAMOS, Graciliano; Cartas, 1980; Record).

A idéia inicial de Graciliano era produzir um romance. No entanto, levaria certo tempo, e a conta da pensão não podia esperar. Então, a solução foi escrever episódios (contos) para cada capítulo. Pois, assim, atenderia a solicitação de um amigo argentino, Benjamim de Garay, que lhe encomendara umas histórias do Nordeste, coisas regionais, ou um conto regional. Esses episódios, vendidos a Garay, foram publicados no mais importante jornal argentino: La Prensa.

As mesmas narrativas são também vendidas a vários jornais e revistas como: O Jornal, do Rio de Janeiro; a Folha de Minas, o Diário de Notícias, a revista O Cruzeiro, para citar só esses. Mas, para que essas vendas se efetuassem, Graciliano usou de uma manha: usou títulos diferentes para cada órgão de comunicação.

“Em 1937 escrevi algumas linhas sobre a morte de uma cachorra [...]. Dediquei em seguida várias páginas aos donos do animal. Essas coisas foram vendidas em retalhos, a jornais e revistas. E como José Olímpio me pedisse um livro para o começo do ano passado, arranjei outras narrações, que tanto podem ser contos como capítulos de romance. Assim nasceram Fabiano, a mulher, os dois filhos e a cachorra Baleia [...]” (RAMOS, Graciliano; Linhas Tortas; 1962).

E foi assim, conto por conto, que Graciliano montou seu romance,Vidas Secas, que a princípio tinha o título de O Mundo Coberto de Penas. Não seria sem razão dizer que se Vidas Secas foi montado conto por conto, é, portanto, um romance desmontável. Massaud Moisés, em aCriação Literária (s.d.) escreveu: "Em nossa literatura encontramos alguns romances que, na verdade, não são romances e sim contos interligados e totalmente desmontáveis. É o caso de Vidas Secas (Graciliano Ramos); alguns romances de Bernardo Guimarães e de Machado de Assis, mestre nessa arte".

O próprio Graciliano confirma, ser Vida Secas um romance desmontável, ao contar, em depoimento a João Condé, de O Cruzeiro (1944), como estruturou a narrativa:

“[...]. A narrativa foi composta sem ordem. Comecei pelo nono capítulo. Depois chegaram o quarto, o terceiro, etc. Aqui ficam as datas em que foram arrumados: “Mudança”, 16 de julho 1937; “Fabiano”, 22 agosto; “Cadeia”, 21 junho; “Sinhá Vitória”, 18 junho; “O menino mais novo”, 26 junho; “Inverno”, 14 julho; “Festa”, 22 julho; “Baleia”, 4 maio; “Contas”, 29 julho; “O soldado amarelo”, 6 de setembro; “O mundo coberto de penas”, 27 de agosto; “Fuga”, 6 outubro.”

Se Graciliano montasse o romance pela ordem em que foi composto, isto é, a ordem das datas, os 13 capítulos ou contos ficariam assim: Baleia; Sinhá Vitória; Cadeia; O Menino mais novo; Inverno; Mudança; Festa; Contas; Fabiano; O mundo coberto de penas; O soldado amarelo; Fuga.

Bem diferente da ordem publicada: Mudança; Fabiano; Cadeia; Sinhá Vitória; O menino mais novo; Inverno; Festa; Baleia; Contas; O soldado amarelo; O mundo coberto de penas; Fuga.

No mesmo depoimento a João Condé, Graciliano nos dá conta das personagens de Vidas Secas:

“No começo de 1937 utilizei num conto a lembrança de um cachorro sacrificado na Maniçoba, interior de Pernambuco, há muitos anos. Transformei o velho Pedro Ferro, meu avô, no vaqueiro Fabiano; minha avó tomou a figura de sinhá Vitória; meus tios pequenos, machos e fêmeas reduziram-se a dois meninos. [...]”

A primeira edição de Vidas Secas não obteve o êxito esperado, apesar de Graciliano já desfrutar de alguma fama. Os mil exemplares publicados levaram dez anos para se esgotar.


A Festa, Ivan Ângelo; Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba, Machado de Assis; O Processo, Kafka, alguns romances de Bernardo Guimarães e Autran Dourado, são também romances desmontáveis.

(origem:  Recanto das Letras)

Glórias passadas - Ises de Almeida Abrahamsohn



Glórias passadas
Ises de Almeida Abrahamsohn

Estamos aqui, eu e minha parceira inseparável, imagem especular de meus dedos. Nesta prateleira escondida do fundo... Ninguém mais tem interesse por nós. Não estamos mais na moda. Por isso não somos vendáveis como os vestidos e bolsas expostos na frente da loja. Pelo menos é o que Mrs. Stern considera. Ela é a proprietária. Mas, tivemos muitos momentos de fama e glória. Não sei como viemos parar aqui, neste brechó de bairro distante a umas boas dez milhas do centro de Hollywood. Aqui a freguesia não tem nada de glamourosa; o que o pessoal quer mesmo são roupas baratas. Alguns são aspirantes a artistas, outros ganham a vida como figurantes e a maioria não tem mesmo nada a ver com cinema. São uns pobretões. Mal sabem todos que nós valeríamos uma fortuna num leilão. Aqueles leilões milionários de roupas que atrizes famosas usaram em filmes de sucesso. Sabem quais, não é? Aquele vestido branco da Marylin, o avental de Judy Garland e por aí afora.

Se eles soubessem...

Nós somos aquelas longas luvas pretas da Rita Hayworth. Lembram-se do filme? Procurem no you tube, esta invenção dos tempos modernos!  Ela dançando e cantando “Put the blame on Mame” em Gilda... Maravilha de mulher com longos cabelos ruivos e pele alvíssima. O vestido de seda preto justo, tomara que caia, com insinuante fenda frontal, e nós, as longas luvas de seda negra, despidas vagarosamente uma após a outra e lançadas para a plateia hipnotizada... Espetacular e super sexy! Mas sem nudez, vetada pela censura do comitê de moralidade!

E aquele homem lindo, de smoking que se apropriou de nós duas e levou até o camarim depois do show? Vimos tudo escondidas no bolso do conquistador. Ele era vidrado nela. Levou-lhe um par de brincos de tirar o fôlego. Acho que eram esmeraldas... Quando ele atirou o paletó para beijá-la, nós fomos parar num canto empoeirado. Mas vimos tudinho e eu não vou ser indiscreta e relatar. Alguém nos resgatou no dia seguinte e fomos sendo transportadas de brechó em brechó até acabar aqui.


Ah... Se soubessem...

UM ANIMAL DE PESO - SÉRGIO DALLA VECCHIA


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UM ANIMAL DE PESO
SÉRGIO DALLA VECCHIA

Namíbia, savana do Kalahari era o local da tribo de Zumba, valente guerreiro, imbatível no arremesso de lança.

Foi criado desde pequeno em meio aos animais selvagens, conhecia-os como ninguém, os hábitos, costumes e os importantes sinais de alerta, agressão e paz.
Certo dia uma colônia de hipopótamos refrescava-se em uma lagoa próxima à aldeia, quando do nada surgiu uma família de leões famintos que logo apartaram uma fêmea com seu filhote.

A luta foi sangrenta! Os leões cravavam os dentes na pele dura da femea, enquanto a arranhavam com afiadas garras. Ela conseguiu morder um deles, transpassando-o com os seus dentes e arremessando-o para longe. Assim continuou a luta da corajosa mãe, que exausta tombou, não oferecendo mais nenhuma resistência.

O filhote desesperado fugiu e um leão saiu em seu encalço, enquanto os outros despedaçavam a inerte fêmea.

Zumba que estava caçando por ali presenciou a cena e partiu em defesa do filhote disparando uma lança certeira no leão.

O filhote tremendo de medo aproximou-se de Zumba e a seu lado ficou. Começara ali uma linda amizade.

Várias mamadeiras ao dia, carinho, banhos na lagoa e muitos outros mimos.

O tempo passou e o filhote se tornou adulto. Entretanto continuava o mesmo filhote nas brincadeiras. Bastava Zumba sair correndo, que logo ia também correndo atrás, como um cãozinho segue o dono!

Certa tarde, iam os dois correndo pela estrada quando cruzaram com um jipe de caçadores, que vendo aquela cena, logo imaginaram se tratar de um hipopótamo feroz perseguindo um indefeso nativo. Não houve tempo para explicações, ouviu-se apenas o estampido das armas de fogo e um hipopótamo morto!

Zumba vendo o seu querido mascote inerte, partiu para cima dos caçadores desferindo socos e pontapés, não entendendo o porquê do fuzilamento.

Depois tudo foi explicado os desapontados caçadores se foram.

Zumba inconformado dirigiu-se como um zumbi para a lagoa onde uma colônia de hipopótamos se banhava. Foi se aproximando e logo o macho alfa o percebeu e veio correndo em sua direção. Zumba sorriu imaginando o seu querido mascote.
Assim aconteceu a mordida fatal!


Ambos foram vistos por várias vezes brincado pelos arredores da lagoa e com o tempo em lenda se tornaram!  

BOA DE SERVIÇO - SÉRGIO DALLA VECCHIA


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BOA DE SERVIÇO
SÉRGIO DALLA VECCHIA

Meu nome é Jeans, sou uma calça pau para qualquer obra.

Meu caimento é jovial e milagroso, modelo o corpo dos homens e compacto as gordurinhas das mulheres, tornando-as esbeltas e felizes.

Minha cor azul pode ser a do céu ou a do mar.

Sou forte para chuchu, não rasgo fácil e nem pernilongo me fura.

Infelizmente por conta disso sou muito requisitada, e meus usuários de tanto me vestirem, esquecem-se que também tomo banho.

Por vezes paro em pé sozinha, minha cor fica opaca e o vudum é horrível!

Estou cansada dessa vida de tanto trabalho!

Vou me transformar em uma calça de linho, daquelas bem branquinhas e requisitarei uma passadeira exclusiva que faça meus vincos com perfeição.
Aí sim, terei o status que mereço!

Quem me quiser estarei a disposição nas melhores lojas do ramo, disposta a provar que a elegância ainda existe!

O dia clareou e a sonhadora Jeans abriu os olhos.

Chocada de volta a realidade, entrou em surto e com muita raiva fez vários rasgos em seu próprio corpo, criando buracos aleatórios, que desfiados transformaram as calças em farrapos!
Exausta desmaiou!

Quando voltou em si estava vestida em uma linda moça, numa das mais chiques baladas, onde dançava sem parar sob o olhar admirado de todas as mulheres!


— Assim acredito eu que foi lançada a nova moda das destroyed Jeans!

ORFEU DA CONCEIÇÃO - Oswaldo U. Lopes


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ORFEU DA CONCEIÇÃO
Oswaldo U. Lopes

         A foto é de uma das ultimas cenas do filme Orfeu Negro, baseado na obra Orfeu da Conceição, primeiro trabalho conjunto de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Desolado, Orfeu carrega, inconsolável, o cadáver de sua amada Eurídice. Uma belíssima adaptação da lenda grega de Orfeu e Eurídice transportados para uma favela carioca.

         O que espanta nos gregos não é a culinária, muito simples, nem a manufatura ou indústria, elementares, embora relevantes na arte da guerra. O que espanta são os elementos culturais.

         Suas histórias e lendas em que deuses se misturam com seres humanos comuns, interagem e até procriam, refletem pontos sementais da vivência humana. Não é atoa que Freud foi lá buscar muitos dos elementos de sua análise psicanalítica. Édipo e o mais conhecido deles, elemento fundante do processo psicanalítico.

         A reprodução da história de Orfeu revivida numa favela e sua amada Eurídice, com musica de Tom e poesia de Vinicius, criaram no cinema, momentos de rara emoção. Orfeu buscando o corpo de Eurídice no Instituto Médio Legal, após o desenlace fatídico faz com que o mito seja arquétipo, enredo da condição humana a qualquer tempo e lugar. O amor tão grande que mata o ser amado.


         Esse filme prossegue para sua cena final, com um menino tocando violão na madrugada com o sol nascendo, qual novo Orfeu que fazia, com sua voz e sua musica esse milagre diário.

Sangue azul - Ises de Almeida Abrahamsohn

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Sangue azul
Ises de Almeida Abrahamsohn

Hoje tive o meu momento de glória. O auge da carreira para aqueles de nossa espécie. Já tive dissabores na vida que não vou relatar. Sou esguia, azul e tenho uma das extremidades mastigada num acesso de nervosismo de meu último dono. Coitado... Não o culpo. Estava fazendo a prova de matemática do vestibular. Mas eu o ajudei para assinalar a resposta correta quando hesitava. Não somos autorizadas a interferir na vida de nossos donos mas o rapaz merecia. Ao sair estava tão nervoso que me deixou cair do estojo onde eu vivia em companhia com meus primos distantes, os lápis.


Fiquei ali, caído ao pé do banco da parada de ônibus durante horas a fio esperançado de que alguém me resgatasse. Quando aquela senhora já idosa e de óculos me olhou, minhas veias se aqueceram e se encheram de meu sangue azul. Ela perceberia que ainda tenho muita serventia. Delicadamente ela me apanhou, examinou e guardou na bolsa. E assim me vi colocado na escrivaninha ao lado de novos companheiros. Eu já estava tirando um cochilo quando ela veio, apertou-me o corpo e murmurou: 

 
̶  Vamos ver se você ainda escreve.

E eu lhe dei toda a minha gratidão e o meu sangue quando ela preencheu o papel com, vejam vocês, esta minha história.

No brechó, esperando Godô - José Vicente J. de Camargo

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No brechó, esperando Godô
José Vicente J. de Camargo

Aguardo ansiosa
Mão suave e cuidadosa
Tal qual antiga dona
Que com esmero e caricia
Me dobrava e alisava

Quando comigo estava
Pelas ruas passeava
Galanteios recebia
Por ser eu de fina seda
De translúcida alvura

Sentia seu peito arfante
O prazer do meu vestir
E suas mãos agradecidas
Com ternura me tocavam

Um dia de estranhos dedos
Uma lágrima por mim rolou
Lamentando que o coração
Que com prazer eu cobria
Já não mais bater podia

Desde então aqui estou
Pendurada desbravada
Por olhos e mãos alheias
Na esperança que o destino
Me reconduza a um corpo ardente
Devolvendo o prazer de ser
O vestir da vida em flor...

“Poesia é a transformação da tristeza em alegria”

Ferreira Goulart

MEDITAÇÕES NATALINAS - Oswaldo U. Lopes

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MEDITAÇÕES NATALINAS
Oswaldo U. Lopes

         O Natal é uma festa típica do hemisfério norte. Um pequeno e festivo intervalo num longo inverno que se aproxima. Ótimo para comes e bebes. Não creem? Na Inglaterra além do Natal o dia seguinte também é feriado (boxing day) para curar a ressaca e se refazer da comilança.

         A data foi escolhida para coincidir com o solstício de inverno, o sol renasce de sua ida maior em direção ao sul. Ou seja, o Natal comemora que o sol voltará a brilhar porque já foi o mais longe de sua orbita na direção contrária.

         Para os do hemisfério sul o Natal indica que estamos no auge do verão e que dali em diante o sol irá perder sua força.

         Num pais tropical a coisa complica. Vinhos encorpados? Carnes com molhos fortes ou carnes de animais selvagens, tipo javali? Gansos a patos cozidos na própria gordura? Em pleno verão?

         E o que se faz então? Pratos frios, vinhos brancos, espumantes ou sangrias, tudo gelado, bem gelado.

         Confusão à vontade. Quem se esquece de que as longas férias de verão vêm junto e misturado com o Natal e o Ano Novo e o fim do ano escolar. Para não falar do carnaval que esta na esquina esperando pelos pecadores. Lá para cima o Natal é apenas um pequeno intervalo no período escolar.

         É mais fácil encontrar o espirito de Natal acima do equador? Sem duvida é! Faz frio, as pessoas tendem a ficar mais juntas, comidas quentes vão muito bem com o inverno e é natural chegar-se, reflexionar e se emocionar com a lembrança do menino e da manjedoura.

         Ainda por cima que boa parte das terras equatoriais ou do hemisfério sul são ou foram colonizadas pelo povos da Europa Ocidental e, portanto herdaram o costume transposto para um clima totalmente diverso.

         É como se fosse a festa da nostalgia. Saudade de uma terra distante que de fato só existe na memória coletiva ou nas narrativas das nonas. Neves de flocos de algodão, pinheiros de Natal, não o a única arvore ainda verde, mas uma das muitas que estão verdes, muito verdes.

         Embora possam até se confundir no calendário, neste ano de 2016 a festa das luzes, chanucá, dos Hebreus também será comemorada no dia 24 de dezembro, elas não guardam nenhuma relação entre si. É possível até dizer que, dispersos pelo mundo cristão, os judeus passaram a cultivar a sua festa das luzes na medida em que o Natal se tornava uma festividade cada vez maior, até para não cristãos.

         Enfim, lá como cá faz tempo que o espirito de Natal foi-se e ficou uma história mal contada de uma virgem que colocou seu filho numa fria manjedoura num vilarejo chamado Belém.


         Comemos e bebemos para celebrar seu nascimento e não seus ensinamentos.

PRA ONDE ME LEVARIA AQUELA ESTRADA? - Ledice Pereira



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PRA ONDE ME LEVARIA AQUELA ESTRADA?
Ledice Pereira

Eu precisava ficar só. Havia dias que buscava o isolamento. Mas quem diz que eu conseguia. Os colegas de escritório, os amigos, os primos, todos queriam saber o que estava acontecendo.

Tentei deixar claro que estava tudo bem, mas eles exigiam uma explicação, uma razão.

Se nem mesmo eu sabia...

Só sentia necessidade de fugir do burburinho da cidade grande. Não ver ninguém, não falar com ninguém, nem por telefone ou por rede social, enfim.

Assim que consegui me desvencilhar de todos, aproveitando um instante de distração, dirigi-me à garagem, peguei meu carro, dei marcha à ré e parti sem destino. Ou melhor, parti para o meu destino.

Só pensava em pegar a primeira estrada que me levasse àquela praia deserta.

Não queria ouvir nem o som do radio. Desliguei-o.

Enfim, só!

Comigo mesmo, com meus pensamentos tendo à frente apenas a longa e deserta estrada.

Há quanto tempo não desfrutava de um momento tão meu!

Pude sentir minha respiração e até as batidas compassadas (ou descompassadas) do meu coração, que apenas se misturavam ao tic tac do meu relógio de pulso.

Após aproximadamente cinco horas, avistei os primeiros sinais daquela praia virgem, cheia de pedregulhos, objeto de minhas saudosas lembranças de infância.

Estava igual. Grossas lágrimas começaram a escorrer inundando meu rosto.

Não fiz nada para impedi-las.

Fiquei ali horas. Nem percebi a escuridão que a noite trouxera.

Tive ímpetos de me deitar ali mesmo, naquela areia grossa e deixar-me ficar.

A razão falou mais alto.

Saí dali, alma lavada, em direção ao bar do Chico, onde tantas vezes meu pai me levara a almoçar.

O Chico, assim como meu pai, já havia passado para outro plano. O local, entretanto, permanecia igual.

Comi um peixe assado envolto numa camada grossa de barro, que o dono apregoava como sendo o melhor da região.

Confesso que reminiscências da infância me transportavam para um sabor muito melhor, mas, faminto, o devorei com tudo que o acompanhava.

Já tarde, procurei por uma pousada onde pudesse descansar.

Estava exausto!

As emoções, o cansaço, a nostalgia me embalaram num sono dos justos.

Acordei quando o sol já ia alto e os passarinhos insistiam em travar uma batalha de sons.

Banho tomado, tomei meu pingado com pão e manteiga, o suficiente para sair desbravando o local e descobrindo outros paraísos.

Sentia-me melhor!

A natureza e as lembranças, que o lugar me trazia, fizeram-me bem.

Realizaram em mim uma verdadeira catarse.