UM SEGREDO ESPECIAL - Oswaldo U. Lopes



UM SEGREDO ESPECIAL
Oswaldo U. Lopes

O quarto era semi-escuro, um pouco sombrio talvez, tinha o aspecto e o cheiro asséptico dos quartos de hospital. O olhar a volta, o carrinho de curativo, tudo confirmava a existência de um hospital envolvendo e cercando aquele cômodo. Se você acomodasse a vista veria uma cama hospitalar semi-levantada, uma figura abatida deitada nela e outra figura alta e serena andando devagar ao seu redor.  

O enfermo era André, médico e muito doente, a figura alta e esguia também era de um médico chamado Roberto que no caso estava ali como visitante de um amigo.

Roberto você sabe que minha conta de vida esta traçada em dias quem sabe horas, que vou morrer.

Sei André e você também sabe que por mais doloroso que isso possa ser não é o primeiro a morrer nem será o único. Este conceito esta no âmago de nossa profissão, por mais duro e seco que possa parecer.

Não estou pedindo misericórdia nem piedade. Ambos sabemos que é chegada a hora. O que me aflige é que tenho um segredo e não quero levá-lo sozinho ao túmulo ou ao crematório se me fizerem a vontade.

Vamos encarar esta história por partes. Você sabe bem André que nesta bendita profissão, ouvimos mais segredos e detalhes que muito padre por ai. Tem padre por ai que fica com a relação dos Dez Mandamentos colada no interior do confessionário e o pecador diz apenas – Pequei contra o 6º mandamento e o padre verificando que é contra a castidade, arruma uma penitência e dá a absolvição, sem detalhes.

Conosco é diferente não nos cabe saber se é pecado ou não, mas precisamos dos detalhes para poder fazer hipóteses, exames complementares e diagnóstico. Você sabe que, na minha opinião e de muitos, somos nós, os médicos, os guardiões  da Dignidade Humana e não nos cabe nem julgar nem relatar o que ouvimos. Nosso segredo é muito maior do que o do confessionário. Gostem os padres ou não!

Roberto não é disso que estou falando. Eu tenho um segredo e não quero morrer com ele. E você como o meu melhor amigo tem de me ajudar.

André você também sabe que não sou o seu médico por duas razões, não sou muito competente no caso da sua doença e também quem é muito amigo nem sempre é o melhor médico. Um pouco de frieza ajuda o raciocínio. O fato de ser seu melhor amigo não me obriga a partilhar seus segredos, uma coisa que de longe, nunca me agradou. Já dizia o Tancredo Neves: ”segredo só é segredo enquanto só um sabe”.

Deixe dessa lengalenga, tem sim mais gente envolvida. Você sabe o Bruno filho da minha cunhada Araci, a irmã da minha mulher, não é filho de pai desconhecido não. É meu filho.

E daí, vai ver não é nem pecado. Como ela era e é solteira não cabe nem no 9º mandamento, aquele da mulher do próximo. Aliás, essa coisa dos mandamentos é bastante confusa. Sou agnóstico por falta de coragem de ser ateu, bom isso você sabe também desde muito tempo. E foi essa história dos mandamentos bem que balançou o meu coreto da fé. Para os judeus Moisés desceu o monte com dois chifres e duas tabuas que continham dez mandamentos. Jesus de maneira muito bonita reduziu-os a dois que são, porque nega-lo encantadores, poesia pura. “Amarás a Deus sobre todas as coisas e a teu próximo como a ti mesmo”. Em outra versão enumerou apenas seis, como descreve São Marcos: “Não matarás, não adulterarás, não roubaras, não prestarás falso testemunho, honra pai e mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

Roberto você parece não entender o quão sério falo estando a uns passos da morte. Bruno é meu filho e não sabe disso.

E eu repito e daí? É feliz, vai bem nos estudos, parece, agora que sei, que puxou a inteligência do pai. Fugiu da medicina o que só posso louvar. Araci não vive uma vida folgada, mas o pai delas deixou bens para uma vida digna e assim ela tem vivido. O que este teu maldito segredo vai trazer: não vai casar com Araci, pois ai seria bigamia, o Bruno teria um pai que deve ter lhe feito falta, mas isso não vai se remediar com o segredo. Terá direitos de heranças a dividir com quatro primos que sem dúvida o olharão como uma ovelha negra, embora o pulador de cerca não fosse o primo, mas o pai comum.

 Roberto pelo amor de Deus!


 Amor de Deus para um agnóstico! Esta ficando ridículo. Vamos fazer um acordo. Reconheço o seu segredo, guardá-lo-ei com o maior cuidado e no meu leito de morte revelarei a alguém que, quem sabe, irá revelá-lo. Isso se uma motocicleta não resolver acabar com minha vida de um modo mais breve e eu acabe no IML sem chance de contar o famoso segredo do André.

LAMENTÁVEL ENGANO - Mario Tibiriçá


LAMENTÁVEL  ENGANO
Mario Tibiriçá

Luiz Eduardo, era um rapaz  forte no vigor de seus trinta anos, cursava a faculdade e tinha muitos amigos, que naquela noite iriam preparar uma  festa no seu prédio, no apartamento   do incrível Alexandre, que apenas  fazia  bagunças  e   fingia que estudava, mesmo porque  o ambiente alegre e descontraído dos jovens colegas, estava mais para  farra do  que para os estudos.

Alexandre também, usuário de  drogas,  tinha problemas  com  mal encarados traficantes, pois prometia pagamentos que não executava,  não cumpria prazos nem promessas para concluir tais  encargos.  Vivia sob ameaças constantes  dos meliantes.

O seu telefone  tocou e vozes cavernosas  o   ameaçaram  : Cuidado
“Mano”, não abuse de nossa paciência,  vamos conversar hoje. Espere-nos na porta.

Ainda  pela manhã, Luiz Eduardo  voltava  para seu bonito e pequeno  apartamento, quando um taxi  rangeu os pneus e bateu violentamente no seu carro,  Luiz  Eduardo,   foi fortemente jogado contra o para-brisa, que  estilhaçou  provocando ferimentos e ensanguentando o  seu rosto.

Oficiais do trânsito, policia, e transeuntes correram para o veiculo atingido, a fim de socorrerem o motorista, que sem consciência  foi levado para um  pronto socorro.

A  família de  Luiz Eduardo, morava  em outro estado e avisada do acidente, decorreriam alguns dias para chegarem. O diagnóstico médico indicou infelizmente,  cegueira  total por cortes e perfurações.

Apenas  a noite, uma ambulância  levou Luiz Eduardo para casa, deixando- o  à  porta, onde  ficou aguardando  amigos que  foram avisados  e que    atenderiam   suas imediatas necessidades.

Eis  que, alguns minutos após  a chegada e a partida da ambulância, um carro preto, estacionou e mal encarados  homens, agarraram  Luiz Eduardo, jogando-o dentro  do automóvel. Com a cabeça toda enfaixada, não reconheceram tratar-se de outra pessoa. Luiz Eduardo abatido e sem condições, deixou-se levar.

Aí  está  o homem chefe. Parece que  tomou umas porradas na cabeça.

O chefe dos traficantes, olhava para  a  figura abatida, cansada, ausente,  e silenciosa do jovem,  pensando tratar-se de Alexandre.
Luiz Eduardo, na  floresta do alheamento,  não compreendia a situação.

No momento seguinte o chefe entendeu!

Imbecís! Pegaram  o homem errado. Este além de não ser Alexandre está acabado, joguem-no  lá no quarto dos fundos e deixem-me pensar.

Num muito sujo, velho e rasgado colchão, Luiz Eduardo, ainda não compreendia a situação, dolorido, cansado e abatido, deixou-se
ficar. Seus  pensamentos tinham ressonâncias  íntimas e sentidos diferentes, viajava na apoteose do absurdo da situação, e na majestade de todos os sonhos.

Depois de horas lentas e vazias faleceu...
          


Apalpando Olimpo - José Vicente J. de Camargo

Apalpando o Olimpo
José Vicente J. de Camargo

Meu mundo é de trevas cercado de tatos, olfatos, paladar e sons. Entre esses, meus próprios resmungos, que é o que faço muitas vezes desanimado por não poder enxergar e, portanto de não compreender muitas coisas que gostaria.
Mas hoje estou mais animado. Vou dar mais uma chance ao destino de mostrar que a falta da visão não é empecilho para se viver com alegria.
É o dia da visita ao museu de Belas Artes que farei com o pessoal da Associação de Apoio aos Carentes de Visão. Já estive com eles em concertos musicais, em exposições de automóveis, de botânica, de animais, mas ainda nada relativo às artes. Disseram-me que vai ser muito interessante. Tomara!
Enquanto preparo meu café da manhã – espero que Estela tenha deixado tudo no lugar combinado – tenho de ficar atento nas três buzinadas da van da Associação. Não gosto que esperem por mim. Sinto uma atmosfera de desconforto e ao mesmo tempo de compaixão, o que me irrita bastante.
Café pronto, mesa posta, ligar a TV no noticiário. Com certeza o de sempre: escândalos no Congresso, inaugurações de obras inacabadas, violências por todos os lados, inflação subindo.
Não dá outra! Pura repetição...
Fom! Fom! Fom!

Chegou! Pegar a mochila já pronta e fechar a casa. Estela já deve chegar pra faxina do dia.
─ Obrigado! Digo ao receber na porta da van a programação da visita em braile.
Sentado, ouço a voz da guia:
 ─ Nas visitas especiais como esta, o museu permite que se apalpem as peças previamente escolhidas. Cada visitante terá um guia ao seu lado dando as orientações de como se comportar sem comprometer as obras de arte. Dará também as explicações históricas e outras particularidades sobre o objeto exposto. São pessoas treinadas para essas funções. O importante é que vocês, através do tato, formem na mente a imagem anatômica da obra em questão. Procurem captar as diferentes nuances, os mínimos detalhes da anatomia. Se algo parecer intrigante ou mesmo misterioso, perguntem ao guia que esclarecerá.
Chegamos ao museu e formamos, como é de praxe em visitas em grupo a locais públicos, uma fila indiana dando uma das mãos, tendo a frente o condutor. No hall de entrada sou apresentado ao meu guia.
Chama-se Celina, de voz doce e compassada. Ao apertar sua mão sinto a pele macia indicando que não é acostumada ao batente árduo.  Diz ser estudante do último ano de arquitetura. Nas horas e dias de folga ganha uns bons trocados como guia do museu. Sua especialidade é a história da arte greco-romana.
Comunica que a visita se restringirá a Grécia antiga, dado ao tempo necessário para a explicação e principalmente para o “apalpamento” da obra de arte.  Inclusive para algumas das estátuas a serem visitadas, dado ao tamanho, foram construídos andaimes especiais para facilitar a analise.
Inicio tocando, quase acariciando, os contornos de Zeus. Deus dos deuses e dos homens, morador de Olimpo, domina o céu e os fenômenos atmosféricos. Barba e cabelos longos e cacheados. Musculoso, segura numa das mãos um raio preparado para castigar inimigos ousados. Túnica longa e drapeada.
A sensação de apalpar o mármore frio e polido, de mais de dois anos, de poder sentir os mínimos detalhes da anatomia esculpidos na pedra in natura, me dá calafrios de satisfação.

À medida que minhas mãos descem explorando os contornos, pareço eu o criador da figura mitológica. Neste instante sinto uma vantagem em relação aos demais visitantes, já que eles só podem admirar de longe e não sentir a obra como sendo sua.

Seguem-se outros habitantes do Monte Olimpo: Diana, Hermes, Electra, Perseu, Europa, todos acompanhados das devidas explicações sobre seus cultos, descendências, mitos e reinados – quando então resolvemos fazer uma pausa para o almoço.
Aproveitamos esta oportunidade para nos conhecermos melhor.
Celina, muito polida, me pergunta não só sobre a origem da minha cegueira, chances de cura, possibilidade de transplante, mas também dos meus hobbies, trabalho, planos para o futuro. Percebo, pelos tons de sua voz, que fica surpresa pelos meus desempenhos de uma pessoa quase normal.
Por meu lado, também lhe faço praticamente as mesmas perguntas, acrescida de uma se tem namorado. Ela responde meio embaraçada, acho que pela maneira direta de perguntar, que no momento nada sério. O que para mim significa “em aberto”.
Não preciso dizer que as pessoas desprovidas de qualquer um dos sentidos, desenvolvem sensibilidades acima do normal quanto aos demais. Assim percebi que Celina está se interessando por mim.
Voltamos ao roteiro da visita e reiniciamos com Adônis, Dione quando, já me sentindo morador do Monte Olimpo e personagem da Ilíada, Celina diz que, dado ao horário avançado, encerraríamos a visita com a próxima estátua, por sinal muito interessante por guardar um mistério e completa:
─ Se você acertar o nome, ganha um premio...
Fico curioso em saber que mistério seria esse de mais de dois mil anos. Algum feitiço, mau presságio? Ou algo de dar sorte, do tipo ─ esfregou, ganhou?
Inicio a tocar a obra de arte pelo rosto, de contornos suaves, linhas simétricas, nariz retilíneo, que não me deixam dúvidas de se tratar de uma figura feminina. Confirmada pelo pescoço bem torneado, ombros bem formados, seios rígidos e pontiagudos indicando a idade da adolescência. Ventre sem dobras, liso, indícios da beleza clássica grega.
─ Opa, mas que é isso? Digo surpreso ao tatear a parte abdominal inferior.  Não está condizente com figura feminina. Volto a apalpar a parte superior. Encontro os seios bem formados, mas então por que ela tem...
 Ouço a voz de Celina:
─ É a estatua do deus grego Hermafrodito, filho de Hermes e Afrodite. Era dotado de grande beleza. Um dia passeando, entrou num bosque a beira de um lago, morada da ninfa Salmacis.  Maravilhada pela beleza do jovem o tentou seduzir. Sendo rejeitada, invocou aos deuses para uni-los para sempre em um só, no que foi atendida. Hermafrodito, já transmudado, amaldiçoou o bosque e o lago para que todos que lá entrassem e banhassem também seriam transmudados.
─ Interessante história! Pena que estragou a beleza da escultura e, por cima, perdi o prêmio.
─ Não fique decepcionado! Diz Celina. São mitos e lendas da antiguidade. Um mistério maior e o prêmio, ambos reais, vou lhe mostrar mais tarde em casa se aceitar meu convite para um “happy hour a deux”...
─ Aceito o convite com prazer. Assim fecho minha visita com chave de ouro. Mas me diga:
“No caminho não vamos passar por nenhum bosque ou lago, não?”

─ Sem perigo! - Responde-me - Seria a última coisa que desejaria.

─ Meu Apolo!

─ Ok, minha Afrodite! ...

Em busca da verdade - Vera Lambiasi


Em busca da verdade
Vera Lambiasi

Saímos cedinho de Paris com destino a Marselha. Uma pernada de nove horas, para procurar aquela que poderia desvendar os mistérios de nossa família. Madame Fontaine trabalhara em casa, em Saint-Germain-des-Prés, toda uma vida. Acompanhara o nascimento de cada filho, nutrindo, banhando, lavando, passando e costurando nossas pequeninas mudas de roupas. Crescidos, éramos entregues para a governanta, uma senhora altiva, de gostos extravagantes.

O coração permanecia com Mme Fontaine, que , àquela altura já cuidava do bebê seguinte.

Ao aposentar-se, refém de suas artrites, escolheu viver junto ao mar, pleno de sol.

Um pouco também, penso eu, para fugir da tentação de nos ver a toda hora.

Mas desta revelação ela não escaparia. Lotamos o carro, e seguimos, sem aviso.

Poucas paradas para comermos uns sanduíches, necessidades, e, à tardinha, chegamos ao endereço indicado. Num bairro afastado, longe do mar tão ansiado, ficava o predinho de três andares. Interfonamos. Várias tentativas, e nada. Decidimos então, os cinco irmãos, irmos ao hotel descansar um pouco, para voltarmos mais tarde. O jantar daquela noite foi de congraçamento. Diferenças foram esquecidas, ressentimentos superados. Parecia até que Mme Fontaine arquitetara esta paz entre nós, como fazia quando éramos crianças. Já era tarde da noite quando voltamos a bater no apartamento de nossa babá. Primeiro toque, e a grande porta de ferro desgastada se abriu. Subimos como moleques pela escada em caracol. Diante do 32, estagnamos. Ofegamos, como para tomar coragem de entrar. Um a um, pé ante pé, na escuridão do cômodo entreaberto, fomos adivinhando o caminho. O cheiro de sopa esfriada, misturado a talco empedrado nada lembravam nossa cheirosa ama. Como era higiênica quando moça! E exigente com a assepsia da casa. Uma luz fraca cobria os móveis desbotados. Lá de dentro, uma voz rouca, ainda familiar, mandava-nos sentar. Obedientes, dividimos o longo sofá capenga.

A figura que se apresentou foi de graça e desespero. Numa ânsia de fazer-se bonita aos seus meninos, Mme Fontaine exagerou na maquiagem, e enfeites. Sorrimos ao vê-la, mas ela não se enganava. Sabia estar muito caída. Abraçou um por vez, e recitou nossas qualidades particulares. Que memória! Indagou qual mistério queríamos revelado, e pôs-se a respondê-lo. Indignou-se com a pergunta que julgava de pouca importância. Não fazia ideia do que representava para nós a verdade. Ou sabia sim, e a velhice lhe dava o termômetro correto dos fatos. Estavam ali cinco homens crescidos tratados como imaturos. Dizia-nos que a vida amorosa de nosso pai não nos dizia respeito. Que, se houvesse mesmo uma irmã, ela, ou a suposta mãe já teriam reclamado a herança, que não era pequena. Acalmou nossos corações, explicou que esta lenda era arte da governanta recalcada, que nutriu por anos um amor impossível pelo patrão.

Chamou-nos de babacas. Deu-nos um pito, e colocou-nos porta afora.



A fabulosa ceguinha - Fernando Braga


A fabulosa ceguinha
Fernando Braga

      Marlene nasceu com glaucoma congênito ( buftalmia), o que dava um aspecto bastante preocupante para aquela recém-nascida. Seus pais eram jovens, ele um chofer de caminhão da empresa Gonçalves Sé, e ela uma doméstica. Graças à intervenção de um deputado da região, a criança foi trazida para São Paulo e submetida a cirurgia oftalmológica. Foi feito um pertúito para diminuir a pressão ocular, melhorar o aspecto avançado dos globos oculares, mas sua visão, difícil de avaliar na ocasião.

     Aos oito aninhos a família conseguiu que viesse para o Instituto Padre Chico, onde ficou como interna. Não queria vir, queria continuar sendo criança com a mãe sempre cuidando dela, mas foi convencida por seu pai:       “Minha filhinha do coração, isto é para seu próprio bem! Você não enxerga, mas é inteligente e logo perceberá que suas mãos, seus ouvidos, substituirão seus olhinhos. Você vai ter que aprender a ler e se comportar como qualquer pessoa que enxerga”. Com lágrima nos olhos ela partiu. Foi a última vez que chorou.

     Este Instituto, criado em 1928, foi se aperfeiçoando rapidamente no tratamento daqueles com baixa visão e dos completamente cegos, o que era o caso de Marlene. Ela começou pela alfabetização em Braile, tendo se mostrado muito interessada e com bastante facilidade  na aprendizagem. Habituou-se rapidamente a ler com os dedos.  Os livros didáticos, que lhe eram fornecidos no instituto, a grande maioria, vindos da Fundação Dorina  Nowill, a qual possui, até hoje, a maior gráfica de livros em Braile da América do Sul. Dentre as matérias que estudava, interessou-se muito pela História do Brasil, em todos os seus aspectos, desde a época da colonização. Ao lado dos estudos recebia orientação para locomoção, utilizando muito os outros sentidos, estabelecendo sua posição em relação aos outros objetos significativos em seu ambiente. Começou a usar a bengala longa e com outras pessoas, começou a andar na rua, a tomar coletivos, brincar nos parques.

     Seu pai foi transferido para São Paulo, para continuar como caminhoneiro da mesma firma, que havia crescido muito e agora, já tinha uma série de supermercados em São Paulo.  Assim, Marlene aos 16 anos, voltou para casa, mas continuou frequentando o Pe Chico, onde tinha cativado seus professores e feito muitos amigos. Queria ser professora de Braile e de História.

     Marlene lia muito, cada vez mais. E foi assim, que com 20 anos participou da Olimpíada Nacional de História do Brasil, onde surpreendeu a todos por seus conhecimentos, ficando em segundo lugar.

     Nesta ocasião perdeu seu pai em um acidente, e a vida mudou. A situação econômica,  tornou-se precária, e os ganhos de sua mãe, que trabalhava como faxineira em um condomínio, mostravam-se insuficientes para o aluguel da casinha e a subsistência. Sua mãe queria voltar para o interior e morar com a irmã mais velha, mas Marlene não queria voltar.

     Nesta situação conflitante, Marlene, agora com 21 anos, decidiu casar-se com Pedro, também deficiente visual, seu colega e amigo do Pe Chico, que graças à sua habilidade com as mãos, havia conseguido trabalho como empacotador em um supermercado. Vieram morar juntos na casinha de sua mãe, que nunca concordara que ela se casasse com um cego. Dois cegos na mesma casa era demais! Mas, ficou mais complicado quando Marlene engravidou e ficou muito difícil conseguir um emprego.

     A criança, Douglas, era perfeitinho e desde pequeno só trazia alegrias. Mas, quando ele tinha três aninhos, sua avó decidiu-se ir embora, voltando para o interior. Marlene pedia:

“Mãe, não vá embora, o que eu vou fazer sem a senhora?”

- Você sempre se virou e vai continuar a se virar! - retrucava. E ela foi.

O aluguel ficou sob responsabilidade de Pedro. Apesar da dificuldade visual, Marlene e Pedro sempre foram muito confiantes em si mesmos, tinham grande disposição para vencer obstáculos e não esmoreciam, consequência direta do aprendizado com as psicólogas, professores e amigos do Pe Chico.

     Primeiro Marlene arrumou uma creche para o garoto e depois conseguiu trabalho em um hospital escola, na câmara escura do departamento de RX, onde ficou muito querida e também, admirada pelos conhecimentos em História.

Dadas às circunstâncias precárias, auxiliados por um político que se condoeu da situação, conseguiram da prefeitura um pequeno apartamento, desses, tipo BNH e para lá se mudaram, felizes por ficarem livres do aluguel. Comiam de marmita.

 O tempo passou, sua mãe ficou doente do coração, incapacitada. Nesta ocasião, os três foram visitá-la e ela chorou de alegria. Logo veio a falecer.

 Douglas sempre observou a dificuldade de seus pais para mantê-lo, proporcionar seus estudos. E assim, ele, dedicado e estudioso, empreendeu todos os esforços e conseguiu entrar em uma faculdade de direito, com bolsa de estudo. Ainda como estudante, arranjou tempo para iniciar-se como trainee, em um grande escritório de advocacia.

Douglas em sua formatura, conseguiu para seus pais, um lugar bem na frente do enorme auditório. Foi o orador da turma e em seu discurso guardou muitas palavras para agradecer a seus mestres, a convivência com seus colegas, e apontando para seus pais, cegos, agradeceu ao sacrifício gigantesco que haviam feito para cria-lo e serem os responsáveis diretos desta sua conquista, por ele ter conseguido ser o que sempre desejou.

 Faltava ainda algo.

Após cinco anos, Douglas, também com enorme sacrifício, conseguira pagar as prestações de um bom apartamento em construção, financiamento pela Caixa, em bom bairro residencial. Após o habite-se conseguiu montá-lo em seu essencial, incluindo uma bela cama king. Guardou silêncio.

Tudo pronto, convidou seus pais para um passeio em seu carro e levou-os direto ao prédio que iriam morar. Subiram até o decimo andar, abriu a porta e introduziu-os em seu interior. Eles não entendiam nada. Enfatizou:

- Vocês estão entrando em seu apartamento novo, quase todo montado. Aqui viveremos.

Chegando ao quarto empurrou seu pai e sua mãe sobre a cama, onde rolaram e se beijaram. Douglas ficou muito feliz ao ver a satisfação de ambos.

Logo ela disse:

- Eu sou cega, mas com meus apurados sentidos, sentia ultimamente você diferente, silencioso, como se estivesse preparando algo. Foi uma situação realmente misteriosa.  Agora entendi. Não esperávamos tanto. Obrigada meu filho!



Cruz das Almas - Dulce Azevedo


Cruz das Almas
Dulce Azevedo

Cruz das Almas, vilarejo arborizado localizado a 100 km de São Paulo. Apesar da pequena distância vivia desconectado do resto da região. Não precisavam de outro tipo de conexão, pois tinham como fio condutor Zé do Rumo, extremamente boa pinta, moço bonito bem afeiçoado que do alto dos 1,80mts de altura apreciava tudo. Favorecido pela sua estrutura óssea distribuía simetricamente dentro de sua capa, de diversos bolsos, todos os cacarecos a serem vendidos, pois essa era a sua profissão. Um dom que foi descoberto ainda na infância quando sua mãe pedia-lhe algo e ele logo atendia mediante uma troca de seja ela um favor ou objeto.

 Zé do Rumo sabia ”vender seu peixe”:   O radinho era uma beleza e vinha diretamente da China onde o povo trabalhava pra Burro e não via a cor do dinheiro. O batom argentino, terra do chimarrão (infusão de ervas em água quente). O perfume Paraguaio país latino cujos produtos tinham procedência duvidosa (omitia o fato de ser alterado). Depois ofereceu a lanterna mágica que funcionava sem pilha e sem eletricidade era movida a bobina. Fantástica! - dizia.

E assim passávamos os dias aprendendo geografia, novidades e costumes oferecidos pelos países por ele descritos.

     Certo dia um raio caiu em Cruz das Almas destacando-se de tudo no meio da praça. E com um frescor que a juventude lhe oferecia João, estrategista nato, era capaz de induzir uma compra através de rimas improvisadas. Zé do Rumo apesar de  macaco velho sentiu que a raposa nova lhe daria muito trabalho, teria que se reinventar pois a freguesia seria disputada à unhas e dentes, pondo em risco a fidelidade de sua freguesia. Foi para casa e separou as novidades de acordo com a idade e interesse dos seus clientes assim facilitaria sua abordagem e daria certa vantagem sobre o novato.

O duelo foi iniciado com João oferecendo toalhas de mesa impermeáveis com diversas vantagens e usos incansáveis deixando para Zé as ofertas das   xícaras descartáveis que eram formidáveis. O novato prosseguiu com a Água Benta que só de usar afugenta e Zé ofereceu o crucifixo que para rezar não havia sacrifício e por aí foram comercializando todos os produtos. No final Zé contabilizou a sua tarde e verificou que foi magnífica a disputa, pois nuca tinha vendido tanto, mas notou a satisfação imensa do novato que não parava de contar o dinheiro sendo que o seu já tinha contado fazia tempo. Foi embora chateado porque o João tinha vendido muito mais que ele. João foi embora muito satisfeito prometendo grandes novidades para o próximo mês.


Porém o inesperado aconteceu caiu numa emboscada e levaram todo o dinheiro que ganhou. O novato ficou apavorado e prometeu nunca mais voltar a Cruz das Almas porque ela não trouxe bons fluidos para ele. Já o Zé ficou satisfeitíssimo, pois o seu emprego estava salvo...

BRINCADEIRA - Luís Fernando Veríssimo





BRINCADEIRA – Luís Fernando Veríssimo
Começou como uma brincadeira. Telefonou para um conhecido e disse:
- Eu sei de tudo.
Depois de um silêncio, o outro disse:
- Como é que você soube?
- Não interessa. Sei de tudo.
- Me faz um favor. Não espalha.
- Vou pensar.
- Por amor de Deus.
- Está bem. Mas olhe lá, hein?
Descobriu que tinha poder sobre as pessoas.
- Sei de tudo.
- Co-como?
- Sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
- Mas é impossível. Como é que 
você descobriu?
A reação das pessoas variava. Algumas perguntavam em seguida:
- Alguém mais sabe?
- Outras se tornavam agressivas:
- Está bem, você sabe. E daí?
- Daí nada. Só queria que você soubesse que eu sei.
- Se você contar para alguém, eu...
- Depende de você.
- De mim, como?
- Se você andar na linha, eu não conto.
- Certo
Uma vez, parecia ter encontrado um inocente.
- Eu sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
- Não sei. O que é que você sabe?
- Não se faça de inocente.
- Mas eu realmente não sei.
- Vem com essa.
- Você não sabe de nada.
- Ah, quer dizer que existe alguma coisa pra saber, mas eu é que não sei
o que é?
- Não existe nada.
- Olha que eu vou espalhar...
- Pode espalhar que é mentira.
- Como é que você sabe o que eu vou espalhar?
- Qualquer coisa que você espalhar será mentira.
- Está bem. Vou espalhar.
Mas dali a pouco veio um telefonema.     
- Escute. Estive pensando melhor. Não espalha nada sobre aquilo.
- Aquilo o quê?
- Você sabe.
Passou a ser temido e respeitado. Volta e meia alguém se aproximava dele
e sussurrava:
- Você contou pra alguém?
- Ainda não.
- Puxa. Obrigado.
Com o tempo, ganhou uma reputação. Era de confiança. Um dia, foi
procurado por um amigo com uma oferta de emprego. O salário era enorme.
- Por que eu? – quis saber.
- A posição é de muita responsabilidade – disse o amigo. – Recomendei
você.
- Por quê?
- Pela sua discrição.
Subiu na vida. Dele se dizia que sabia tudo sobre todos, mas nunca abria
a boca para falar de ninguém. Além de bem-informado, um gentleman. Até que
recebeu um telefonema. Uma voz misteriosa que disse:
- Sei de tudo.
- Co-como?
- Sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.

Resolveu desaparecer. Mudou-se de cidade. Os amigos estranharam o seu
desaparecimento repentino. Investigaram. O que ele estaria tramando? Finalmente
foi descoberto numa praia distante. Os vizinhos contam que uma noite vieram
muitos carros e cercaram a casa. Várias pessoas entraram na casa. Ouviram-se
gritos. Os vizinhos contam que a voz que se ouvia era a dele, gritando:

- Era brincadeira! Era brincadeira!

Foi descoberto de manhã, assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas
as pessoas que o conheciam não têm dúvidas sobre o motivo.


Sabia demais.

ZEFINHA, UMA HISTÓRIA FANTÁSTICA - Jeremias Moreira


ZEFINHA, UMA HISTÓRIA FANTÁSTICA
Jeremias Moreira


Zefinha nasceu no sufoco. Entre gritos da mãe e zumbidos de bala. Gisleine, a Gigi, berrava maldizendo a filha que não queria nascer:

— Sai menina desgraçada! Nasce, sua infeliz!

A escuridão da noite esvaecia enquanto no horizonte já se espalhava um tímido clarão magenta anunciando outro dia de muito calor.

Amontoados, silenciosos, olhares tristes, mas já acostumados, as outras cinco crias testemunhavam as  o parto da mãe.  Aconchegados entre si, amenizavam o pavor que a histeria de Gigi, com seus gritos de dor, e o som matraqueado das Kalashnikovas lhes causava. Era mais um que chegava. No caso, mais uma. E o tiroteio, não fosse uma cerrada caçada policial, poderia se entender como agouro de boas vindas.

O barraco era igual a tantos outros da Favela do Timbira. Um único cubículo que servia de cozinha, quarto, sala e banheiro. Construído com tapumes descartados de construção e velhas embalagens de compensados. Cobertura de zinco, papelão ou plásticos recuperados do lixão. Fogão improvisado com pilhas de tijolos e um desgastado colchão, que servia de cama para todos. Na parede, fotos de artistas, um calendário do ano e um recorte de jornal, com uma foto em preto e branco, da Gigi desfilando no Sambódromo.

Pudera, diante de tal cenário, a menina só podia não querer nascer,mesmo! Pra que nascer se lá dentro era tão quentinho? Ouvir os xingamentos da mãe já não a abalava. Teve nove meses pra se acostumar. Gigi era assim, gritava com o mundo. Maldizia o momento que conheceu o Buzú, que punha um filho nela a cada ano. Falava isso pra ele, que não estava nem aí!

— Nesse barraco tem home macho e esse é o preço da nossa safadeza!

Respondia com seu jeito cafajeste e a mão procurando sua bunda. Bunda que já teve seus momentos de glória, mas que agora se assemelhava a maracujá maduro.  Gigi era porta estandarte da Vai-Vai quando conheceu Buzú. Caiu de quatro assim  quando botou os olhos naquele negrão, alto, forte, sorriso fácil e lábia afiada. Apaixonar-se por Buzú foi sua perdição. Hoje não restava nada daquela Gisleine! Tornou-se amarga, ressentida e consumida pelas drogas e bebidas.

No dia que a menina nasceu, Buzú morreu.

Enquanto ela lutava pra ficar naquele útero seguro , seu pai brigava pra continuar nesse mundo, cercado por um comando da Rota, fugindo das balas da meganhada, Buzú era o marginal mais procurado da cidade. Com a cabeça a prêmio e uma AK 47 na mão, cuspia bala pra todo lado. Em compensação, recebia o fogo de volta também. Morreu metralhado. Todo furado de bala, bem na hora que a a criança pulou pra fora da mãe. 

Buzú morreu xingando, lamentando deixar este mundo. Zefinha nasceu gritando, lamentando deixar o ninho materno. Era tão pequena que cabia numa caixa de sapato.

Para proteger a irmã da sujeira do barraco, Rosalva, de onze anos, amarrou a caixa  acima do colchão, com uma corda que vinha do teto. Tinha outra vantagem, cada vez que a menina chorava era só balançar a caixa que Zefinha, tonta, voltava a dormir.

O que ninguém percebeu é que a criança nasceu cega. Nem ela própria, pois via tudo cinza, como antes, no útero da mãe. Em compensação seu olfato e audição eram apuradíssimos. Por isso passou a se aborrecer com a interminável choradeira da mãe. Gigi não se conformava com a morte de Buzú. Maldizia a falta de sorte de achar um homem tão danado na cama e tão burro de se deixar pegar pela policia.

Ela estava enganada. O pai da menina era a nata da bandidagem. Respeitado, terrível com os desafetos, mas justo com os companheiros. E, dentro do possível, afetuoso com os filhos. Só foi pego porque foi dedurado por um “broder” em quem confiava.

Zefinha conheceria seu pai de outra forma.

Viver seus primeiros meses no mundo passou a ser penoso. Esquecida dentro da caixa, era na base do berreiro que conseguia, algumas vezes, chupar o peito seco da mãe. Sentir algumas poucas gotinhas do leite descer pela garganta, era muito bom. Outras vezes, Rosalva passava o dedo sujo de açúcar na sua boca para ela parar o resmungo.

Mas, a menina estava sempre atenta a todos os sons e odores que aconteciam no barraco.

Certa noite, o bebê dormitava quando sentiu um cheiro de perigo.  Acordou assustada. Na viga onde estava presa sua caixa, surgiu uma ratazana gigante. Maior do que ela. Pelos erriçados, rabo longo e olhos famintos. A rata avistou Zefinha. Sentiu o azedo de leite derramado na caixa. Fixou os olhos, que pareciam dois faróis e pôs-se a avaliar a caça. Não pressentiu resistência. Passos firme, delicados, mas que aos ouvidos sensíveis da criança cega pareciam pancadas de bate-estaca, a rata avançou. Alcançou a corda e caminhou rumo à caixa. Os ouvidos da menina sentiam o tum... tum... tum, cada vez mais perto. O cheiro do medo se aproximava. Como única defesa, pôs-se a berrar a plenos pulmões. A mãe, que dormia em baixo, como de costume, apenas esticou a perna e balançou a caixa. A ratona, exímia equilibrista, deu um tempo e continuou sua descida.  Zefinha já não tinha mais fôlego de tanto gritar.

De repente, o cheiro cessou. O som do bate-estaca foi substituído por um dilacerante guinchado. Zefinha teve sua primeira visão: Buzú torcer as mãos e estrebuchar a ratazana.

O pai matou a ratona e virou-se para ela, com seu sorriso sedutor:

— Já passou minha criança. Volte a dormir.

Buzú morreu para a vida, mas nasceu para filha.


Amor em Portofino - Vera Lambiasi

Amor em Portofino
Vera Lambiasi

Cristina descia os caminhos de pedras ao encontro do seu marujo na prainha.

Pedro atracara a traineira, e começara a limpeza com baldes e panos.

Dias de sal e cansaço, nem tinha notado o pôr-do-sol que tingia a baía.

Ela, trabalhara semanas no hotel de veraneio, a espera do pescador. A promessa de casamento a fizera render os dias, um por um.

A costa estava repleta de turistas, e a venda dos crustáceos era certa naquela mesma noite. Teria o rapaz um bom lucro para gastar.

Cristina, faceira, corria o cais, cabelos longos distribuindo aroma de jasmim.

Pedro, corroído de sol, nem notara a aproximação. Pensava em negócios.

A chegada da moça foi em grande performance, aos gritos a beira-mar.

A recepção, morna, aos olhos de Cristina. Queria abraços e beijos.

Pedro, só vender logo sua mercadoria. Ansiava por banho, comida e cama.

Cumprimentaram-se de longe, e partiram lado a lado, carregados de isopores.

Cristina, gargalhando, contando suas trapalhadas com os hóspedes.

Pedro, taciturno, lembrando o balanço das ondas.

Acabada a entrega, partiram para a casinha amarela de Pedro no alto da colina.

Lá, amaram-se loucamente, como ansiava Cristina.

Na manhã seguinte, saiu Pedro sorrateiro, de volta ao Golfo de Gênova.

Na cozinha, ainda suja, o bilhete:

— “Desculpe, Signorina, mas sou do mar.”