Importância se mede pelo encantamento

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Heterônimo e Pseudônimo


Diferenças entre heterônimo e pseudônimo


Afinal, quais são as diferenças entre heterônimo e pseudônimo? Essas ocorrências são capazes de deixar a literatura ainda mais interessante.


Se você gosta de ler, provavelmente já ouviu os termos “pseudônimo” e “heterônimo”, não é mesmo? Uma das questões mais curiosas e interessantes da literatura, a heteronímia e a pseudonímia são artifícios utilizados por alguns escritores para esconder sua verdadeira identidade, proteger a vida pessoal e até mesmo para escrever sob diferentes nomes e diferentes personalidades. Quem nunca ouviu falar dos heterônimos de Fernando Pessoa? Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares são escritores fictícios criados pelo poeta português que, como nenhum outro, abusou do fenômeno da heteronímia.
Recentemente a escritora J. K. Rowling — escritora britânica de ficção e autora dos sete livros da famosa e premiada série Harry Potter, do livro Morte Súbita e de três outros pequenos livros relacionados com Harry Potter – lançou um livro (The Cuckoo’s Calling ou “O chamado do Cuco”, no Brasil) sob o pseudônimo de Robert Galbraith. A intenção da autora era esconder sua identidade para dar início à produção de uma série de livros de literatura policial, mas, infelizmente, foi descoberta e sua estratégia denunciada por uma amiga “desmancha prazer” de seus advogados. O fato intrigou os fãs da escritora, que não entenderam muito bem toda a questão: “por que publicar um livro utilizando um pseudônimo quando se tem um nome já consagrado na literatura?”. Ora, são questões literárias, licenças poéticas que aumentam nosso interesse por esse incrível universo das letras.
Bom, para você entender melhor as diferenças entre a heteronímia e a pseudonímia, o sítio de Português vai mostrar quais são as particularidades desses dois interessantíssimos fenômenos. Vamos lá? Boa leitura e bons estudos!
Diferenças entre heterônimo e pseudônimo
Heterônimo:
Segundo definição do dicionário Michaelis da língua portuguesa, heterônimo é:
Adj (hétero+ônimo): 1. Designativo da formação do gênero por meio de palavra diferente. 2. Qualificativo dos termos diferentes que exprimem a mesma coisa. 3. Qualificativo de uma obra que um autor publica em nome de outrem. 4. Designativo de um autor que escreve em nome de outra pessoa. Sm 1. Autor que escreve assinando com o nome de outrem. 2. A respectiva assinatura. 3. Palavra diferente de outra, mas que exprime a mesma coisa, especialmente a que traduz exatamente outra de língua estrangeira.
Como dissemos lá no comecinho deste artigo, o fenômeno da heteronímia foi muito bem explorado por Fernando Pessoa, um dos maiores poetas da língua portuguesa. O que ele fazia? Bem, Pessoa inventava nomes para assinar suas obras, chegava até mesmo a criar biografias para as personagens literárias que nasciam de sua imensa criatividade (sobre algumas é sabido a data de nascimento e falecimento, signo, profissão, características psicológicas e físicas etc.). É interessante observar que os heterônimos do poeta português apresentavam personalidades bem diferentes da personalidade do autor real, que também assinava com o ortônimo Fernando Pessoa. Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares são tão diferentes que fica difícil acreditar que todos são criaturas do mais enigmático (e produtivo!) escritor da literatura universal.
Pseudônimo:
Segundo definição do dicionário Michaelis da língua portuguesa, pseudônimo é:
Adj (pseudo+ônimo): 1. Que assina com um nome suposto. 2. Escrito ou publicado sob um nome suposto. Sm 1. Nome falso ou suposto. 2. Autor que escreve sob nome suposto.
Um pseudônimo geralmente é adotado quando o escritor deseja esconder seu verdadeiro nome, evitando assim sua identificação. Quando J. K. Rowling utilizou o pseudônimo de Robert Galbraith, ela tinha como objetivo – conforme declarações da “mãe” de Harry Potter – sentir-se livre novamente como escritora, sem julgamentos, avaliações, cobranças e outras consequências que inevitavelmente surgiriam, afinal de contas, dela sempre se esperam grandes sucessos. Um fracasso literário e comercial mancharia sua obra tão popular, especialmente entre o público jovem (entenderam, fãs?). Mas não pense você que em nossa literatura não existem escritores que utilizaram o fenômeno da pseudonímia. Existe sim, e são casos muito interessantes!
Um dos casos mais famosos envolve o escritor, jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues. Nelson era (e é até hoje) tido por muitos como machista e misógino: figura polêmica, escrevia de um jeito ácido e investigava a essência da própria natureza do homem (às vezes, vil), oferecendo para o leitor um panorama sobre a sociedade brasileira. Mas Nelson queria sentir-se livre, tal qual J. K. Rowling, por isso criou o pseudônimo Suzana Flag, “escritora” que publicou folhetins nos jornais brasileiros entre os anos 1944 e 1948. Muito diferente de seu ortônimo, Suzana criava personagens dignos de filmes de amor, como mocinhas inocentes, mocinhos salvadores e vilões cruéis. Quem poderia imaginar que um escritor tão realista se interessaria pelo universo do melodrama? Nem precisamos dizer que a experiência rodriguiana foi bem-sucedida (ao contrário do que aconteceu com a sua colega britânica), não é mesmo?
Para colocarmos um ponto final no assunto, fiquemos com a definição feita por Fernando Pessoa em seu artigo Tábua Bibliográfica, publicado na revista Presença, a mais longeva publicação literária de Portugal:
"A obra pseudônima é do autor em sua pessoa, salvo no nome que assina; a heterônima é do autor fora da sua pessoa; é duma individualidade completa fabricada por ele, como seriam os dizeres de qualquer personagem de qualquer drama seu". (Fernando Pessoa, revista Presença, nº 17. Coimbra: Dez. 1928). (origem: UOL)



Poema do Menino Jesus

Alberto Caeiro


Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?


A epopeia de Teu - Fernando Braga




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A epopeia de Teu
Fernando Braga


Aquele moleque, bem pequeno ainda,
O apelido de Teu, do pai recebeu,
Que pegou bem entre os parentes,
Amigos e, colegas do colégio seu.
O cognome ficou tão associado a ele,
Que frequentemente não lembravam,
Que seu verdadeiro nome, era Aristeu.

Agora casado, dois filhos tinha,
E era um excelente maridão.
Quando com os amigos saia,
Aguentava toda aquela gozação.
— Oh Teu! O que é teu é nosso?
Vendo a malícia, sorria e dizia:
- Homem não! Só mulherão!

Certo dia, na Netflix assistiu à série,
De Escobar de Medellin e, sua proeza,
O maior chefe do quartel de drogas,
Este gênio, que saindo da pobreza,
Para ele, um homem forte, macho,
Contra tudo, contra todos lutando,
Ficou tão rico, que atingira a realeza.

Sua vida passou a ler com avidez,
De Pablo, a todas séries assistiu,
Tornando-se inconteste fã então,
Deste herói, que jamais desistiu,
De todos seus objetivos e para tal,
Bem junto com seus asseclas lutou,
Contra o governo, e à sua polícia resistiu.

Um Robin Hood para ele, era este homem,
E a todos que encontrava, Pablo enaltecia,
Não aceitava que o chamassem de bandido,
De assassino desalmado, pois sempre fornecia,
Comida aos carentes, necessitados do país,
Combatia aos gringos que sua extradição pediam.
Devia ter sido presidente, ele bem o merecia.

Oh Teu! Deixa de ser um, cretino, besta,
Este homem era um doente mental,
Um avião estourou, matando mais de cem,
Só não aceita o fato, se for um doente igual.
O homem, uma terrível barbaridade foi,
Centenas de homicídios, genocídios praticou,
Deve aceitar que, poucos cometeram tanto mal.

Certa noite, já bem tarde, Teu optou,
A nova série de Pablo assistir, estava afim,
Foi quando sua mulher do quarto gritou,
Pra cama Teu, não me deixe ter vontade assim,
Sabia o que a esposa queria, a conhecia,
Mas, não dava pra parar naquele pedaço,
E continuou vendo, torcendo até o fim.

Quando foi deitar-se a mulher dormia,
Pegou logo no sono e um sonho veio,
Participando estava do convívio dos bandidos,
E Vitória, a mulher do chefe bem no meio,
Foi quando ela o chamou para saírem um pouco,
Foram conversar  na saleta à meia luz,
Ao chegarem, mostrou-lhe e apertou seu seio.

Devagar, seus lábios aproximaram-se dele,
Que excitado balbuciou bem temeroso:
— Se Pablito souber, perdido estamos,
— Não vai nos perdoar, seu todo poderoso.
Ela se aproximou, e junto a seu ouvido disse:
— Tive outros casos e ele sabe disso,
 Não se incomoda, me estimula, nada conflituoso.

No final daquele ato tão libidinoso,
— Eu quero morrer, gritava Teu!
Sua mulher nua, em cima dele pulava,
E também gritando chorava:- Teu, você é meu!
Acordado agora, muito satisfeito estava,
Pois desafiado tinha, o poderoso Pablo,
Para ele agora, nada mais que maricon e ateu,

E mais... Um Maricon de Playa.



Paixonite - Ises de Almeida Abrahamsohn


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Paixonite
Ises de Almeida Abrahamsohn

Aconteceu no treino matinal dos sábados. Naquela nevoenta manhã o buraco no asfalto e a garoa fina conspiraram para que a bicicleta de Mariana derrapasse na curva.  A quarenta km por hora a moça voou por cima da guia e aterrissou no mato rasteiro que ladeava a pista. A queda a fez perder os sentidos. Abriu os olhos devagar ouvindo o chamamento urgente para que acordasse. Atordoada demorou um pouco a voltar a enxergar e se deparou com o rapaz que a encarava preocupado agachado a seu lado. Percebeu então o que acontecera e começou por mexer as pernas. Até aí tudo parecia em ordem, salvo a dor forte no tornozelo, coxa e braço esquerdos. Felipe  a apoiava para se levantar, mas ela logo percebeu que andar era impossível. Ainda assim tivera muita sorte. O tornozelo doía demais e sentia-se tonta. Sentaram-se à beira da estradinha enquanto Mariana ligava para o irmão vir buscá-la. Teria que esperar pelo menos quarenta minutos até ele chegar. O rapaz se prontificou a ficar ao seu lado. Conversaram um pouco sobre ciclismo e descobriram que ambos trabalhavam na mesma região da cidade. Mariana, apesar da dor, notou logo a musculatura de atleta, os simpáticos olhos castanhos e o sorriso franco e interessado. Ao se despedirem, Felipe pediu o número do celular. A moça hesitou. Afinal, embora se sentisse atraída, o rapaz era um completo desconhecido. Dois dias depois, já recuperada e após três ligações de Felipe, Mariana aceitou o convite para ir ao cinema. O filme sugerido não era exatamente do tipo que gostava, mas tinha recebido pelo menos três estrelinhas pelos efeitos especiais na avaliação de seu crítico favorito. Depois do cinema foram a um barzinho japonês. Mariana gostou da companhia, o rapaz era muito cortês. Falaram de ciclismo e de videogames, uma paixão  dele. Felipe por sua vez encantou-se com a conversa da moça sobre as viagens e notou o seu entusiasmo pelo trabalho de advogada. Ao ser perguntado sobre profissão disse apenas trabalhar com restaurantes. Lá pelo terceiro encontro, Mariana percebeu que estava muito afim de Felipe. Um incontrolável turbilhão de desejo tomou conta dela quando ele finalmente a beijou. Entre amassos e beijos, incapazes de esperar, apelaram para o motel mais próximo. A moça nem reparou na colcha encardida e no espelho  trincado. Quando saíram saciados após várias horas, Mariana se deu conta de como aquele rapaz era especial. Tinha tido outros namorados, com nenhum sentira as mesmas emoções. De volta ao apartamento ainda se sentia flutuar. No dia seguinte esperou ansiosa pela mensagem do rapaz. No seu elegante escritório, a bem sucedida advogada especializada em direito comercial não conseguia se concentrar no complicado processo de fusão que estava preparando há uma semana. Toda hora via Felipe e relembrava a noite anterior. Ficou irritada consigo mesma. Decidiu caminhar antes do almoço para recuperar a concentração. Caminhar sempre lhe fazia bem. Era a melhor terapia quando tinha algum problema a analisar ou quando queria simplesmente pensar. Colocou os tênis e calça de agasalho que guardava no armário, avisou a secretária que voltaria após o almoço e mergulhou na calçada ensolarada. O habitual formigueiro humano se deslocava ignorando os apelos de eventuais camelôs. Atravessou a avenida e enveredou pelo parque em frente ao prédio. Ainda bem seguro a essa hora, apenas alguns idosos caminhando e babás com crianças. Mariana acelerou o passo. Não lhe saía da cabeça a noite anterior. Percorreu o corpo do rapaz. Lembrou os músculos definidos no peito, nos braços e na barriga. De repente passou a ver as tatuagens que ele trazia nos braços e no peito. Espantou-se consigo mesma por ontem nem ter percebido. Sempre detestara tatuagens. Causavam-lhe repugnância. Ninguém na sua família ou conhecidos se tatuava. Crescera com a noção de que era costume das classes sociais mais baixas. Agora isso também não é mais assim, pensava. Entretanto ainda não era bem visto entre os profissionais mais graduados e podia pesar desfavoravelmente numa entrevista de emprego. Lembrou-se de um colega que sofreu ao ter o desenho no braço removido pelo dermatologista. Para complicar, quando a pessoa envelhece o pigmento se espalha, fora a pele que fica flácida, já imaginou, refletia Mariana. De novo voltou-lhe à mente as tatuagens de Felipe. De novo se espantou por não ter sentido repulsa quando o viu nu. Estava de tal forma tomada pela paixão que nem percebeu. E agora, perguntava-se Mariana. O que me acontecerá num próximo encontro? Quero muito repetir a noitada, mas o que sei dele? Nada, nada, apenas que é esportista e que não gostamos das mesmas coisas. Eu não gosto de videogames e nem de blockbuster ou rock. Ele nunca foi a um concerto e só lê autoajuda. Nunca vai dar certo.

Mariana continuou a caminhar dividida entre o desejo de um novo encontro e o seu lado racional que lhe dizia para não se deixar levar pela paixão. Depois de algumas voltas pelo parque enveredou por uma das ruas laterais. Não costumava passar por ali e se espantou com o número de restaurantes. Já era quinze para meio dia, poderia comer por ali mesmo antes de voltar ao escritório. Checou o celular e viu a mensagem de Felipe. Uma onda de calor subiu-lhe pelo corpo com a lembrança da noite. Responderia mais tarde. No outro lado da calçada viu um restaurante simpático. Atrás das amplas portas de vidro viu o empregado colocando pratos e talheres nas mesas. Ainda não estava aberto. Mariana sentou-se à sombra na mureta de um casarão antigo observando o movimento do lado oposto. O garçom agora arrumava as mesas mais próximas da entrada. Olhou mais atentamente e percebeu o corpo compacto e musculoso que se movia ágil entre as mesas. Não podia ser... Levantou-se, andou até o meio fio e olhou de novo... Era ele mesmo. O seu Felipe... Não queria acreditar. Percebeu que o rapaz ia abrir as portas. Afastou-se um pouco e recuou para a sombra. O rapaz saiu para a calçada. À luz do sol reconheceu o rosto e viu os braços tatuados. Não havia dúvida! O seu apaixonado das últimas semanas trabalhava mesmo com restaurantes, só que como garçom. Mariana rapidamente dobrou a esquina enquanto pensava. Confrontá-lo? Mas por quê? Porque omitiu que era garçom? Ele certamente ficara intimidado ao conhecê-la. E ela? Agora não conseguia imaginar um próximo encontro! Por fim decidiu que não faria nada. Simplesmente não responderia às mensagens ou ao telefone. Uma semana em Paris curava qualquer paixonite. Alguns dias depois ainda lembrou com uma ponta de saudade do garçom Felipe ao ver o braço tatuado de um jovem desconhecido, passageiro do mesmo avião.