Um roubo quase perfeito - Ises de Almeida Abrahamsohn



Um roubo quase perfeito
Ises de Almeida Abrahamsohn

Quando Dona  Clotilde  Dutra  chamou seu  joalheiro de confiança para  avaliar o colar e os brincos de esmeraldas e rubis estava certa de que lhe renderiam pelo menos uns quatrocentos mil dólares. Quase teve um ataque quando Latif,  depois de as examinar minuciosamente,  pigarreou e anunciou :  

Madame, sinto muito, mas estas não têm valor de venda. São excelentes réplicas, nada mais. Dona Clotilde, incrédula, ainda murmurou:

—  Mas o senhor mesmo esteve aqui  há dois anos e as avaliou  como autênticas!  O joalheiro acenou com a cabeça, sugeriu-lhe  um outro avaliador  para confirmação e, diplomaticamente, despediu-se  sem pronunciar a conclusão obvia: roubo.

No dia seguinte, Clotilde  fez vir outro avaliador de loja conceituada que lhe confirmou o veredito do primeiro. Sem demora recorreu ao detetive Matos que resolvera  um furto de que fora vítima há cerca de dez anos. Ele agora trabalhava para a empresa seguradora das joias.  Ao abrir-lhe a porta, quase não o reconheceu. Antes  magro e  ágil, agora avançava  pela sala em passos lentos precedido por uma protuberante barriga que o paletó encobria.  A vasta cabeleira castanha  tinha se reduzido à metade mas o detetive conservara o fino bigode  e  ainda se vestia com o mesmo apuro: terno marrom escuro, gravata  e sapatos de forma inglesa. Clotilde se perguntou se ele ainda seria eficiente como antes, mas filosofou que  ela própria ainda conservava  a mesma boa cabeça.

Após os comentários de praxe, o  Matos foi direto ao assunto.  Quis ver as joias, o cofre onde ficavam trancadas, a penteadeira onde Clotilde as mantinha  ao chegar das festas e antes de voltarem ao cofre  e  outras minúcias. Quanto às suspeitas que Clotilde poderia ter, o  Matos logo percebeu que ela hesitava em mencionar quem quer que fosse. Eram  na maioria parentes e  pessoas estimadas. Finalmente o Matos conseguiu  uma lista de quem frequentara a casa nos últimos anos.   Foram mencionadas  duas sobrinhas,  Aline  e Márcia que, em ocasiões diferentes,  moraram  na casa por algum tempo antes  de viajar para estudar no exterior. Insistiu que  isso fora há mais de dois anos  e que não tinha  porque suspeitar delas.  Entretanto lembrou-se que Aline lhe fizera uma visita de dois dias há cerca de 7 meses antes de retornar a Miami. Lembrou-se também da fisioterapeuta que a tratara por alguns meses  após ter fraturado a perna.  Havia ainda  a faxineira Marilda  e a empregada Dolores que estavam com ela há mais de 8 anos.  Também se lembrou  do rapaz que instalou o computador  e  a extensão de Wi-Fi  para a sala e  o escritório.

O  Matos ainda perguntou à Clotilde o que era feito de seu ex-marido, de quem ela se divorciara há uns oito anos, quando já viviam neste  apartamento.  Clotilde  se espantou:

  — O Carlos, aquele  pilantra , graças a Deus nunca mais o vi, nem sei aonde anda. O Matos se lembrava do caso. O tal Carlos fora flagrado com um rapaz  e anunciou  que “saíra do armário”  às revistas de fofocas.  A  fortuna era da mulher e o ex-marido ainda extorquira  dela  uma boa soma sob ameaça de  prosseguir com o escândalo público.

Clotilde percebeu que o detetive anotava tudo  no tablet. Afinal, pensou ela,  o Matos, apesar da idade acompanhou a modernidade.  Ficou de voltar no dia seguinte para tentar ver se conseguia alguma impressão digital no cofre  ou  na caixa de joias. Adiantou que não tinha muita esperança.  Neste crime  que parecia elaborado, o criminoso decerto usaria  luvas.
De volta ao escritório Matos cogitou por onde começaria. Talvez tivesse alguma sorte buscando joalheiros que fizessem cópias de joias. Procuraria também alguns de seus contatos entre os receptadores para verificar se as pedras lhes tivessem  sido oferecidas . A tal sobrinha Aline era uma forte suspeita: conhecia bem a casa   e nos dois dias que lá passara poderia ter feito a troca das joias pelas réplicas.

Para isso a ladra (ou ladrão)  precisaria saber a combinação do cofre. Até aí, qualquer um dos mencionados poderia ter espiado Clotilde quando esta  mexesse no cofre que guardava, além das joias, também  dinheiro  e documentos.  De qualquer modo  faria  uma investigação  na situação financeira  dos suspeitos.

No dia seguinte de manhã voltou ao apartamento munido do material para a coleta das digitais. Fez um trabalho meticuloso de coleta: do cofre, da moldura do quadro que ocultava o cofre, do estojo das joias e  da penteadeira de Clotilde. Aproveitou e colheu as impressões da própria e  da empregada e da faxineira. Encaminhou  o material  ao Tiago do serviço de datiloscopia da policia que  fazia  a verificação como serviço extra. À tarde, levou as réplicas  para os  montadores de joias.  O trabalho era de boa qualidade, possivelmente a partir de fotos detalhadas das peças e não de uma foto rápida tirada com celular ou de alguma foto de Clotilde usando as joias. Matos ainda  ligou e passou uma foto das joias para o seu contato entre os receptadores. 

Chegando ao escritório, Matos atendeu Tiago ao celular. Como esperava,  nada de útil: as impressões digitais no quadro e penteadeira eram apenas de Clotilde e da faxineira e no cofre e estojo apenas de Clotilde. O seu contato de Miami  que tinha antes  informado a compra de um apartamento e de um carro pela suspeita  Aline deixou-lhe um recado. Apurara que o dinheiro para tal viera de uma indenização recebida em um processo.

Matos  suspirou. Ainda não tinha nenhum indício do ladrão. A faxineira e  a empregada  bem como a fisioterapeuta, também de reputação ilibada, eram improváveis, assim como a outra sobrinha, Márcia, que  continuava morando como estudante  em Sidney.

Restava o tal consertador do computador. Ficaria para o dia seguinte. Tirou a gravata e abriu o colarinho antes de tomar o elevador. Foi para casa caminhando pela orla até seu apartamento num prédio modesto no Leme. Essas caminhadas de final de tarde costumavam lhe aguçar o espírito. Deu uma parada no bar do Gouveia para um chope  e lá ficou olhando distraído  o movimento no calçadão e na praia.

Voltou-lhe  à cabeça uma ideia que já lhe ocorrera  antes.  O roubo, tal como executado, requeria duas pessoas, uma que conhecesse muito bem as  joias da Clotilde e outra que tivesse acesso ao cofre para realizar a troca. Esta ultima tinha que ter a combinação do segredo do cofre e a oportunidade de fazê-la.  O Matos de repente exclamou  para surpresa  dos outros fregueses:

Claro! Como não pensei nele antes!  Rapidamente pagou a conta .  O  Gouveia,  já acostumado aos  rompantes do  cliente  de muitos anos, caçoou:

—  Mais um mistério resolvido, Matos ?

No dia seguinte cedo foi atrás do consertador de computador. Tinha apenas o  nome,  Laurindo  Esteves e o numero do telefone  celular.  Tentou conseguir o endereço com a desculpa de querer levar o computador para conserto. Não conseguiu.  O rapaz só trabalhava com agendamento em domicilio. Combinaram a visita para o mesmo dia à tarde.   Matos tinha um computador mais antigo encostado que  o  rapaz  modernizou. Assim conseguiu  dele os dados bancários para depósito e o nome completo. O primeiro nome era Claudionor, que ele omitia no cartão de visitas. Sem que o suspeito percebesse, Matos fotografou-o com o celular.

Depois o Matos passou à caçada do ex-marido de Clotilde,  Carlos Garcez. Apresentava-se como professor de inglês e, de fato, tinha sido dono  até há uns três anos de uma escola  na Tijuca. A escola falira e o tal Carlos sumira do Rio devendo  bastante dinheiro. Matos conseguiu junto ao INSS descobrir o endereço de Carlos em Juiz de Fora e os nomes dos professores aos quais  Carlos dera o calote. Foi procurá-los. Dos dois teve a informação mais importante do dia. O Carlos tinha um namorado que  fazia a manutenção do equipamento da escola e, de fato, era o rapaz na foto tirada por Matos.

Bingo ! Pensou o detetive. Foram os dois. O Carlos deve ter fotografado as joias quando ainda casado com a Clotilde, encomendou as réplicas  e depois o  Laurindo, aliás Claudionor, se encarregou do roubo propriamente dito. Fazia sentido,  mas era preciso ter algo sólido, no caso a movimentação  de dinheiro  ou  alguma compra de vulto  para acionar a policia.  Matos ainda descobriu, nas revistas antigas,  que o  namorado de Carlos por ocasião do divórcio era o mesmo Claudionor. Infelizmente mesmo seguindo as pistas  não conseguiu ver nenhum sinal de enriquecimento na modesta vida de Claudionor.

Nesse ponto o detetive Matos teve que recorrer ao seu amigo, o delegado Martins. Este tinha como mexer os pauzinhos para averiguar os saldos bancários  e obter informações dos dois suspeitos. De fato, apareceram nas contas de Claudionor e de Carlos depósitos há cerca de um ano (coincidente com  os serviços de Claudionor na casa de Clotilde) que somados chegavam a cerca de duzentos mil dólares.  A maior parte do dinheiro já tinha  sido retirada.

Os dois  ladrões foram presos. Parte do dinheiro foi recuperada em contas nas Bahamas e um imóvel foi comprado por Carlos na Bahia. A seguradora  conseguiu assim reaver parte do valor das peças.
O Matos ainda queria saber do Claudionor como conseguira a combinação  para poder abrir o cofre.  Este com uma risadinha de superioridade explicou: 

—  Foi fácil ! As pessoas têm medo de esquecer senhas e  códigos e em geral as escondem  em algum arquivo de computador . Eu fiquei lá no escritório mexendo no computador da velha  por  dois dias. Finalmente achei o arquivo, disfarçado entre arquivos de receitas de cozinha. Foi só testar algumas das combinações de números  que encontrei a correta na receita de sopa de cebola. Foi muito azar o nosso. Se a Clotilde não tivesse resolvido vender as joias  o roubo passaria desapercebido até  o inventário, talvez só daqui a vinte anos.


NEM SEMPRE O QUE É, PARECE - Oswaldo U. Lopes


NEM SEMPRE O QUE É, PARECE
Oswaldo U. Lopes

Décio Rodrigues Prado era negro, alto e empresário. De cara isso o colocava um pouco à margem. A cor da pele o incluía numa parcela significativa da população, mas a altura e a função, não. Sabemos que os africanos trazidos ao Brasil vieram da costa ocidental da África, em particular o Golfo da Guiné. Embora fortes, não se destacavam pela altura. Poucos chegaram ao basquetebol, embora o padrão recente estivesse mudando, negro alto ainda é raro.

Desprovidos de possibilidades de herança os negros que se destacaram como empresários eram e são profissionais liberais.

Décio era advogado criminalista e chefe de um escritório muito conceituado e movimentado. Havia, no meio jurídico, brincadeiras e chistes a respeito:

“Matou a amante com três tiros e dezoito facadas e foi absolvido pelo advogado negro que alegou traição e honra ofendida.”

“Esperou o sócio, na calada da noite, no beco do estacionamento e o fuzilou a queima roupa e foi absolvido pelo advogado negro que alegou quebra de confiança e desfalque grosseiro”

Bem, chegou a vez dele pensou o investigador da policia civil Sergio Hiroito quando entrou no escritório e deu com Dr. Décio Prado sentado a sua mesa e com dois furos negros no peito da camisa impecável e invariavelmente branca.

Morto e gelado, fora encontrado já rígido pela manhã e a hora provável da morte foi dada como perto das 21 horas da véspera.

Sabidamente era o ultimo a deixar o escritório. O prédio tinha três andares, todos ocupados pelo escritório, onde além dele trabalhavam outros nove advogados e um bom número de secretárias e office-boys.

A informação era de que de um tempo para cá, saia cada vez mais tarde, recebendo clientes que só queriam vir quando estivesse escuro. Gente que entrava apressada e mal cumprimentava o porteiro.

O disque-disque recente era de que estava envolvido na defesa de gente metida em confusão grande, muito grande com estatais, com contas no exterior etc. Décio começara a ser investigado pela polícia e por clientes que temiam uma traição do profissional.

No meio dessa confusão sobrava ainda que o Dr. Décio tinha outra qualidade, era mulherengo, do tipo que vestiu saia, não sendo escocês, estou interessado!

Hiroito sabia do ultimo caso, linda mulher de trinta de 30 anos que tinha, pasmem, não um marido ou companheiro traído, mas uma amante, uma parceira. Os clientes envolvidos na lava-jato não tinham, nem de longe, a possibilidade de praticamente encostar o revólver no peito do advogado para efetuar os disparos, uma mulher, teria.


Se a história enviesasse para o lado de amor traído, seria uma amante que iam ter que procurar. É coisa para primeira página, pensou Hiroito.

ASSASSINATO SEM SENTIDO - Ledice Pereira


ASSASSINATO SEM SENTIDO
Ledice Pereira

Aquela mansão pertencia a uma família quatrocentona e foi passando de pai para filho através dos séculos.

Ultimamente viviam ali Dona Carmelita que, em breve, iria completar  80 anos, viúva de seu Genaro, falecido há décadas, dois filhos, uma irmã de criação, uma nora, três netos, uma criada e seu marido que fazia as vezes de jardineiro, motorista e faz tudo.

Ela, matriarca, criara sete filhos dentro daquele casarão, apenas com a ajuda de Filomena, a irmã de criação, que beirava os sessenta e que vivera ali a vida toda, desde que fora adotada por dona Dorotéia, mãe de Carmelita, que sempre a tratou como filha legítima, embora não a tivesse adotado oficialmente.

Tivera três filhos homens e quatro mulheres, a mais nova, Cleide, completara quarenta anos há dois meses. Perdera uma filha ainda muito jovem, num acidente de ônibus. Jamais superara aquela perda.

Genaro, primogênito, era um dos filhos que ali vivia com a família. Tinha sessenta anos, era casado com Clotilde, que não se dava muito bem com a sogra e vivia pedindo ao marido para se mudarem dali,  com quem tivera três filhos homens, Marcus, Claudio e Rogério, respectivamente com trinta e um,  vinte e nove e vinte e sete anos, todos formados e tentando trabalhar nas suas profissões.

Domingos, advogado, tinha cinquenta e cinco anos e era divorciado de Thereza há treze, tendo então se mudado para a mansão por insistência da mãe, que nutria por ele um sentimento especial, o que provocava certo ciúme nos outros filhos. Com a ex- mulher tinha uma relação muito conflituosa, o que dificultava sua relação com os filhos, Eduardo  de vinte e seis anos e  Sonia de vinte e um, que viviam com a mãe na cidade vizinha onde estudavam e que ficava cerca de quatro horas dali.

 Eduardo cursava o segundo ano de Medicina, e Sonia preparava-se pela terceira vez para prestar o vestibular de Direito. Tinham uma vida de privações, uma vez que o pai apenas se responsabilizava pelo pagamento do aluguel da casa onde moravam e das mensalidades escolares, por entender que eles deveriam arranjar algum tipo de trabalho para ajudar a mãe nas despesas da casa, já era apenas vendedora numa loja de departamentos.

Os outros preferiram morar longe dali. Costumavam visitá-la  de quando em quando, cada vez mais espaçadamente, o que a deixava queixosa.
Rodrigo tornara-se um marceneiro bastante conceituado ali na região. Tinha um gênio esquisito. Não se dava com os dois irmãos. Morava numa cidade vizinha, tinha cinquenta anos, não havia se casado e vivia para o trabalho. Ia raramente visitar a mãe, que sempre reclamava com Filomena que procurava animá-la:

— Qualquer dia, quando menos esperar ele aparece aqui.

Flora era a filha mais chegada. Tinha quarenta e sete anos, casara-se com Jorge, um bancário, residia na mesma cidade e tinha duas filhas gêmeas, Tânia e Vânia, dezesseis anos.

As meninas adoravam a avó e estavam sempre ali. Traziam amigas, faziam piqueniques, nos arredores da casa e tinham um carinho muito grande pela avó e por Filomena, fazendo a alegria das duas.

Joana, quarenta e quatro anos optara por ter uma vida independente. Saíra de casa com vinte anos e ninguém sabia muito como vivia, o que fazia, com quem se relacionava.

Cleide tinha um bom emprego público na Capital, onde residia com uma amiga e de onde saía muito raramente para visitar a mãe.

A casa tinha oito quartos na parte de cima, sendo cinco suítes e mais dois banheiros e uma sala de TV, onde dona Carmelita costumava assistir aos seus programas vespertinos e filmes de suspense.

Embaixo, ficavam a biblioteca, outra sala de TV, a sala de jantar e a de estar, um lavabo e uma enorme cozinha, que juntava modernidade a um fogão à lenha, que dona Carmelita insistia em manter. Era o cômodo mais frequentado daquela linda mansão envolta pela Mata Atlântica.

Os jardins a circundavam com todas as espécies de plantas e árvores o que tornava a casa um pouco sombria e escondida. A varanda dava para os fundos onde se abria um enorme pomar cheio de árvores frutíferas.

Ao fundo, ficavam os aposentos de Filomena e de Gervásia, a criada e Valmir, seu marido.

Muitas vezes, dona Carmelita insistira com Filomena para que viesse ocupar um dos quartos, mas ela  se recusara.

Dona Carmelita costumava dormir muito tarde, com frequentes crises de insônia era a última a se recolher. Todos conheciam e respeitavam seus hábitos. Isso incluía acordar mais tarde, pois era quando conseguia verdadeiramente dormir.

Naquele manhã Filomena a encontrara caída na sala de leitura, onde gostava de passar horas a ler e reler os livros da enorme biblioteca formada por seu Genaro. Vestia a mesma roupa do dia anterior o que significava que não teria ido para o quarto. Estava rígida e fria.

Imediatamente, assim que avisados, todos foram chegando. Perplexos se juntaram no ambiente. O primeiro a chegar foi o neto Eduardo, apesar de morar mais longe. Explicou que se encontrava próximo dali. Não soube dizer se a mãe e a irmã viriam.   

Dr. Leôncio, investigador e amigo da família, foi chamado para desvendar o que ali acontecera, pois não havia sinal algum que evidenciasse um arrombamento praticado por alguém de fora.

As chaves estavam na parte de dentro da casa e as chaves de Filomena e Gervásia continuavam com elas, pois costumavam abrir a cozinha logo cedo para o preparo do café da manhã.

No entanto, o corpo de dona Carmelita caído no chão da biblioteca, tinha sinais de agressão física. Tudo parecia indicar que havia sido estrangulada. Um livro aberto jazia no tapete. A xícara do chá costumeiro caíra sobre a bandeja, deixando escorrer o líquido sobre a pequena vasilha onde restavam alguns biscoitos. A poltrona, de costas para a janela, havia sido levemente deslocada, deixando transparecer as marcas no tapete.

Dr. Leôncio, rodeado de seus colaboradores, isolou o recinto solicitando aos familiares que permanecessem nos demais cômodos, embora alguns chocados  e entre lágrimas não se conformassem com aquela determinação.

A equipe começou por retirar o corpo e numa maca transportá-lo para o Instituto Médico Legal, a fim de autopsiar a vítima.

Os objetos encontrados na sala foram separados em envelopes para serem analisados pelo Departamento de Investigação Criminal da Polícia da cidade. Vários peritos vasculhavam cada centímetro do recinto, procurando por indícios que os pudessem levar à elucidação do crime.

Todos os familiares e criados foram inquiridos e tiveram que prestar depoimento.

Os criados foram os primeiros a serem interrogados e demonstravam certo medo e constrangimento.

Filomena chorava sem parar, inconsolável que estava.

Genaro e Domingos fumavam  um cigarro após o outro, andando de um lado para o outro da varanda.

Clotilde juntara-se aos filhos que estavam muito chocados.

Tânia e Vânia chegaram com a mãe. Estavam perplexas. Não se conformavam com o acontecido.

Dona Carmelita era uma pessoa querida por todos os moradores daquela cidade. Frequentava a igreja semanalmente. Era piedosa e muito generosa. Não tinha inimigos e nada parecia ter sido roubado das salas anexas ou da biblioteca.

Ocorre que dona Carmelita era detentora de grande fortuna que herdara de sua família quatrocentona e que era administrada por Domingos e Genaro, com a supervisão de César, o advogado da família e sócio de Domingos.

A fortuna era alvo de cobiça de alguns dos integrantes da família e já havia provocado algumas desavenças entre eles. Achavam que a herdeira deveria dividir sua fortuna em vida, já que tinha o suficiente para viver tranquila e confortavelmente até morrer. Mesmo que viesse a viver ainda muitos anos.

Dr. Leôncio, velho amigo de dona Carmelita tinha ciência desses perrengues e, portanto, não descartou a possibilidade de haver entre eles um assassino.

Além de tomar o depoimento de todos que poderiam ter adentrado ao local do crime, tirou suas impressões digitais.

Clotilde resolveu providenciar lanches para todos, orientando Filomena e Gervásia que pareciam paralisadas pelos acontecimentos.

Chegaram Joana e Cleide, esta acompanhada da amiga com quem dividia o apartamento.

O dia custou a passar e todos se acomodaram para passar a noite da melhor forma possível nos inúmeros ambientes da velha mansão.
Na manhã seguinte, alguns mostravam sinais de cansaço, olhos inchados, semblante triste ou preocupado.

Flora, que havia preferido ir para casa com as filhas, voltou logo cedo aparentando muita tristeza e incredulidade. As três irmãs abraçaram-se chorando muito.

Filomena mais parecia um autônomo, servindo e abraçando a todos.

O telefone não parava de tocar. Amigos começavam a chegar. Todos queriam saber o que ocorrera, como teria acontecido, quem estava na casa na hora. Se ninguém tinha ouvido nada. A comoção e a perplexidade eram gerais.

Apenas às 17:00h, Dr. Leôncio retornou à mansão trazendo o resultado da autópsia.

Nesse momento, cada um estava entregue ao seu pensamento.

Gervásia e Valmir estavam preocupados porque achavam que, sendo empregados e não familiares, seriam os mais prováveis suspeitos.

Flora, abraçada às filhas e ao marido, pensava com seus botões:

Quem seria o desgraçado que teve coragem de fazer uma monstruosidade dessas com ela que era a pessoa melhor do mundo”.

Eduardo falava ao telefone com sua mãe informando-a do acontecimento. Parecia não estar preocupado com o desenrolar da investigação.

As gêmeas tinham acabado de chegar da escola onde não puderam  faltar devido às provas que tiveram que fazer.

Domingos sussurrava com Cesar sobre negociações escusas feitas às escondidas dos irmãos e que envolviam belas quantias de dinheiro. Ele temia que agora isso fosse descoberto.

Os netos, quase todos, aguardavam de mãos dadas o comunicado de Dr. Leôncio.

Dr. Leôncio, bastante circunspecto, reuniu todos os presentes informando que a autópsia concluiu pela ingestão de Polônio, o mais letal dos venenos.

Houve uma comoção geral.

E antes que alguém pudesse tirar qualquer conclusão os policiais detiveram Eduardo.

Ele, esquizofrênico, fazia tratamento desde a adolescência, quando a doença fora detectada. Estudante de Medicina, era o único ali que tinha acesso ao tal veneno. Além disso, a janela da sala de leitura, periciada, encontrou uma pequena marca, que analisada  revelou parte de uma digital. A digital coincidia com a do filho de Domingos.

A revolta pela forma como o pai o tratava e a diferença com que levava a vida com todo conforto, diferentemente da vida difícil que levava com a mãe e a irmã, o fizeram arquitetar a morte da avó.


Ele, sem demonstrar qualquer emoção, friamente deixou-se prender revelando que resolvera cursar Medicina com a intenção de não só desgostar o pai que o queria a seu lado no escritório de advocacia, como pela possibilidade de ter acesso a alguma droga que pudesse servir aos seus propósitos.

SEGUINDO AS PISTAS - Carlos Cedano


SEGUINDO AS PISTAS
Carlos Cedano

Dona Amélia, a ama de chaves, prepara todos os dias o café-da-manhã para os funcionários da mansão que estão sentados  à mesa da cozinha e pergunta:

         ― Cadê seu Fonseca, alguém já o viu chegar?  No sábado vieram entregar essas bebidas de nome esquisito que estão ao lado do fogão. O cara que as deixou não soube dizer quem as tinha enviado, disse que ele era só entregador e me deixou copia de um recibo.

― A senhora sabe que nas segundas feiras ele só chega a partir das dez horas, ele deve aproveitar ao máximo o fim de semana para curtir a bela esposa! – Disse Joaquim, o encarregado da manutenção, com certa malicia!

— Sim. - disse a faxineira - Ele trabalha duro de segunda a sexta e muitas vezes nem vai pra casa e pernoita aqui mesmo.

Todos os funcionários se levantaram e foram cumprir suas obrigações, Joaquim aproveitou para atender ao pedido de dona Amélia e levou a dúzia de garrafas até a porta da biblioteca, depois seu Fonseca as levaria para dentro, haja vista que só ele podia introduzi-las, outras pessoas estavam estritamente proibidas de adentrar nela.

Raul Fonseca foi contratado pelo dono da mansão Engenheiro Mauricio da Mata, quatro anos atrás para reorganizar e reestruturar toda a documentação profissional e pessoal de sua biblioteca que estava um verdadeiro caos há mais de quinze anos, seria um trabalho árduo e demorado, disse-lhe Fonseca.

Joaquim se abaixou para colocar o pesado pacote de bebidas, sentiu um cheiro forte e chamou seu Fernando, o mordomo:  

          ― Seu Fernando! Estou sentindo um cheiro muito esquisito que parece vir da biblioteca!

O mordomo se abaixou até ficar rente ao chão e seu rosto foi aos poucos mostrando expressões de asco e repugnância, se afastou e disse:

         ― Meu Deus! Isso cheira a m...!

         ― Eu também acho, disse Joaquim.

Ambos bateram fortemente na porta durante alguns minutos e nada, nenhuma resposta! Quando a faxineira e dona Amélia chegaram assustadas com o barulho das batidas seu Fernando lhes perguntou:

         ― Vocês estão sentindo alguma coisa? Assinalando a parte inferior da porta.

Ambas se abaixaram e a faxineira disse: Que cheiro horroroso, de coisa podre! E dona Amélia completou: Cheiro de morte! Enquanto se persignava.

Seu Fernando desceu rapidamente dizendo: não mexam na porta! Vou chamar os bombeiros e a polícia, também vou ligar para a secretária do Mauricio.

Os bombeiros chegaram, mas nada podiam fazer enquanto a policia não chegasse, não poderiam alterar uma possível cena de crime. Um dos bombeiros indagou pela chave reserva e o mordomo disse que só existia aquela pendurada na porta do lado de dentro.

Pouco depois chegou o investigador-chefe, seu Carlos Meira, o popular Carlão acompanhado de seu assistente João. A aparência distraída do inspetor não deixava transparecer sua enorme capacidade de observador de mínimos detalhes, suas investigações abrangiam aspectos inesperados que muitas vezes extrapolavam a cena e o lugar dos acontecimentos. Era muito admirado e respeitado pelos colegas.

O detetive disse para os bombeiros: nada de machadadas violentas na porta! Ela faz parte da cena e precisa ser preservada! Logo disse para seu assistente para percorrer a parte externa da mansão e identificar portas, acessos e aberturas passíveis de serem usadas como entradas.  

À equipe de técnicos forenses, o policial pediu-lhes para serem minuciosos nos seus levantamentos de impressões digitais, caprichar nas fotos da cena e da vítima e levantar qualquer pista ou prova mesmo que pareçam insignificantes.

A biblioteca, uma ampla sala com vinte e quatro metros quadrados, tinha duas paredes para o jardim e as outras duas para o interior, no meio havia uma mesa grande com um computador numa dos extremos da mesa e vários cinzeiros repletos de “bitucas”. Mas o que mais chamou a atenção do detetive foi a organização da biblioteca, as pastas eram bem detalhadas, arquivadas racionalmente e com muito cuidado, o cara era bom mesmo nisso, pensou.

Carlão também revisou com acuidade cada canto da biblioteca, verificou as dimensões das prateleiras e as janelas altas, procurava a existência de algum compartimento secreto pelo qual alguém tivesse entrado ou escondido alguma coisa; não encontrou nada.

Quando o investigador olhou pra porta viu duas pessoas, uma delas era o mordomo Fernando. Ele o apresentou ao senhor Mauricio da Mata, proprietário da mansão que tinha recebido o recado de sua secretária e veio o mais rápido possível, disse ele.

O Investigador antecipou seus passos para evitar que seu Mauricio entrasse na biblioteca:  

         ― Desculpe doutor Mauricio, mas a biblioteca é ainda a cena de crime, os únicos que por enquanto podem entrar são os membros da equipe de investigação; pelo que seu mordomo me disse o senhor estava em viagem de negócios no exterior, quando voltou?

         ― Ontem a noite. O senhor já pode dar-me alguma informação do acontecido e do andamento do caso?

         ― Ainda não seu Mauricio, a rigor o trabalho de investigação está só no inicio, mas desde que apareça um fato significativo o senhor será comunicado.

         ― Espero que seja em breve! Retrucou o dono com certo tom de exigência. Despediu-se e se colocou a disposição para ajudar no que for necessário. Quando estava dirigindo-se pra a saída o detetive perguntou:

― Pelo que sei seu Mauricio o senhor praticamente não usa esta enorme e bonita mansão!

― É verdade, apenas para ocasiões muito especiais e por lembrança de minha falecida. Viajo com frequência, por isso pernoito no meu apartamento perto de meu escritório e do aeroporto, há uma mala pronta! - E foi embora.

O legista, Doutor Eraldo, era baixinho e magro com bigode fininho e óculos, cumprimentou o investigador trocaram breves palavras sobre a situação e logo foi para a biblioteca.

O dia foi de intenso trabalho levantando, colhendo e embalando as provas que seriam enviadas no dia seguinte ao Centro de Investigação para as pericias necessárias. Trabalharam até muito tarde.

O detetive se reuniu com o mordomo e lhe pediu informações mais amplas sobre o dono. Ele respondeu que ele era um homem de sessenta e cinco anos de idade, viúvo há dez anos e com dois filhos com os quais não tem boas relações desde que a mãe morreu. É muito rico, parte pela herança de sua mulher e parte pelos seus negócios no exterior.

O investigador também conversou com a faxineira e com Dona Amélia que lhe deu detalhes interessantes e o recibo do entregador das bebidas. Um quebra-cabeça começava a desenhar-se na mente de seu Carlão.

Mas o que mais estava encafifando ao detetive era ausência da viúva Fonseca, apesar das persistentes chamadas tanto a sua casa como ao celular estavam sem nenhuma notícia dela, ninguém sabia de seu paradeiro. Muito curioso isso! Pensou Carlão.

No dia seguinte o material colhido foi enviado ao Centro de análise da polícia.

Nas duas semanas seguintes, enquanto esperava os laudos técnicos, Carlão aumentou sua atenção na biblioteca. Revisou aleatoriamente algumas pastas seguindo sua intuição. Cansado sentou-se numa cadeira ao lado do computador onde estavam algumas pastas e documentos sendo trabalhados e uma delas, de cor amarela, atraiu sua atenção, tinha as iniciais RF e era a pasta particular de Fonseca! Sua leitura permitiu-lhe avançar na montagem do quebra-cabeça!


Na delegacia seu Carlão disse a seu assistente João que seu relatório está com muitas e boas informações, e logo pediu-lhe pra fazer um resumo dele:

O assistente iniciou seu relato dizendo que logo que entrou na casa sua atenção foi atraída pelo luxo do apartamento do casal, com certeza fora do padrão salarial do falecido! Logo, continuou João, peguei “emprestada” a foto de sua mulher, dona Marisol Fonseca, mulher de extrema beleza!

Verifiquei que o casal dormia em quartos separados pelo modo de distribuição de roupas e outros objetos nos quartos, assim não foi difícil chegar à conclusão que o relacionamento deles não era bom! Depois juntei muitos documentos, recibos e comprovantes de compras eletrônicas que estão anexados no informe, concluiu João.

         ― E sobre o paradeiro dela, conseguiu saber alguma coisa?  

         ― Não chefe! O único que observei é que a saída de dona Marisol foi bem apressada, muitos vestidos e sapatos de boa qualidade foram deixados, esparramados até!

Por último, comentaram a mensagem deixada pela esposa numa carta colada no espelho da sala. Ela escreveu que o estava deixando, que já não o amava e que sua decisão era definitiva, pedia pra não procurá-la, pois estava apaixonada por outro cara! A data da mensagem é a do sábado quando o Fonseca já estava morto.

Completados os laudos forenses Carlão convocou a equipe para uma reunião e pediu informações verbais:

Primeiro falou legista, Doutor Eraldo, que disse que o corpo do senhor Raul Fonseca estava caído no chão num dos lados da mesa da biblioteca em posição ventral, sem ferimentos e sem sinais de luta, o cadáver já apresentava rigidez e forte decomposição. Sua morte provavelmente ocorreu da noite da sexta pra o sábado.

O doutor Eraldo arrumou os óculos e continuou: A vítima era tabagista e com certeza durante muitos, muitos anos, seus pulmões estavam com inicio de enfisema e sem dúvida o coração comprometido, mas não se pode afirmar que eles foram a causa de sua morte! A rigor o senhor Fonseca morreu de parada respiratória e falta de atendimento oportuno.

― A datiloscopia tem alguma coisa a dizer? Indagou o detetive.   

― O chefe da área disse que foi feita uma varredura intensa e detalhada em cada centímetro do local incluindo mesa, prateleiras e  pastas de documentos, fora as digitais de seu Fonseca não conseguimos identificar outras, simplesmente não existem outras!

― Agora é a vez do chefe do Laboratório de Análise Clínicas disse o inspetor Carlão.

― O Doutor Simon disse que a vítima tinha mais de cinquenta anos de idade o que é considerada de risco para os homens, por isso realizou amplos exames de vísceras e do sangue, e em todos eles constatou a presença de termogênicos, que quando ingerido em grandes quantidades aceleram as palpitações e podem desencadear uma arritmia maligna, nesse caso o paciente perde a consciência e para de respirar e se não há atendimento oportuno, os órgãos começam a falhar e causam a morte. Foi o que ocorreu com seu Fonseca!

Carlão pediu para seu assistente ler seu relatório, João o leu com calma repetindo todo o que já tinha conversado antes com seu chefe.

O consenso da equipe à luz dos relatórios e discussões era que a causa mortis foi parada respiratória sem auxilio oportuno. Mas quem colocou mais termogênicos nas garrafas? Agora essa era a pergunta a ser respondida.

A seguir falou Carlão sobre as garrafas encontradas na mansão e no frigobar da biblioteca, disse que todas elas continham quantidades de termogênicos muito superiores às recomendadas nas bulas. Evidentemente há outra pessoa envolvida no crime! Quem as enviou para a mansão? Como a vítima já estava morta desde a sexta feira a mulher do Fonseca, dona Marisol, passa a ser a primeira suspeita, mas a historia não acaba aí!

Vou pedir para o Doutor Simon que nos diga o que mais descobriu na sua investigação.

         ― Como as garrafas, disse o Doutor Simon não apresentavam nenhum sinal de violação ou manipulação, por segurança pedimos ajuda para o Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, que possui instrumentos de alta precisão. O laudo deles confirmou nossas suspeitas: as garrafas tinham sido violadas, sim! Isso foi feito usando uma seringa que usa uma agulha tão fina e resistente que são introduzidas e retiradas sem deixar quase marcas, isso prova que foi um assassinato premeditado.

Carlão tomou a palavra e disse: a pasta amarela continha o Atestado de Óbito da senhora Maria Ramires da Mata ocorrido dez anos atrás, esposa do Engenheiro Mauricio da Mata. A causa mortis?  Sim, Parada Respiratória sem auxilio Oportuno. O atestado indica a existência de grandes quantidades de resíduos termogênicos. Muita coincidência. Né? Mais peças se encaixaram no quebra-cabeça!

Seu Carlão pediu silencio e continuou: Tudo indica que o senhor Fonseca teria encontrado o Atestado durante o processo de classificação dos documentos e o guardou pra si. Pra que? Não sabemos quais eram as intenções da vítima, mas nos documentos coletados pelo nosso assistente na casa de seu Fonseca, encontrou esse Atestado numa das gavetas do armário da esposa. Como chegou a ela ainda não sabemos, mas ela, com certeza, soube da morte da senhora Maria e sabia que seu marido trabalhava para o senhor Mauricio, dona Marisol pode tê-la roubado do próprio marido, esta é uma hipótese!

O passo seguinte continuou Carlão, e que vocês ainda não conhecem, foi descobrir quem mandou as garrafas pra a mansão. Pedi novamente a meu assistente que investigasse esta pista e lhe dei o recibo que o entregador deixou com dona Amélia. Foi um trabalho intenso do João, o recibo não tinha nome nenhum nem endereço do cliente, apenas a quantidade e descrição da mercadoria, mas sabíamos o nome da empresa e a data da entrega. Agora é com você João, pediu Carlão.

A primeira coisa que fiz, disse o assistente, foi visitar a empresa de entregas, por sorte o dono era um cara bem organizado e rapidamente conseguiu o nome do entregador nessa data e endereço e o mandou chamar. Pedro, esse era o nome do rapaz, chegou rápido e conversei com ele e quando lhe mostrei a foto de dona Marisol o rapaz disse: Sim! Sim! Eu me lembro dela, como poderia esquecê-la? Que bela senhora! Eu mesmo fui pegar o pacote das bebidas na casa dela. Estamos nesta fase disse o investigador e deu por encerrada a reunião.

Na delegacia o investigador Carlão dizia pra João:

― Precisamos urgente localizar a senhora Marisol para saber o motivo do crime, mas suspeito que deve ter outra pessoa envolvida, o crime é muito sofisticado!

― Acho que existe uma relação entre dona Marisol e o Engenheiro Mauricio, disse João.

         ― Oh João! Estava pensando justamente nessa possibilidade, o que temos que provar é isso mesmo!

Durante alguns dias os detetives ficaram pensando qual seria o esconderijo mais provável dela. Não seria um hotel de primeira linha, com certeza, uma mulher formosa como era chamaria muito a atenção, descartaram essa alternativa. Mas ela não se esconderia num hotel chinfrim ou de quatro estrelas pensou o chefe, ela gosta de conforto, teria que ser num lugar com padrão de hotel de luxo e privado. Essa é uma hipótese provável ponderou João, mas sem sair do país, pois já comunicamos os aeroportos, portos e fronteiras que estamos procurando-a.

Foram almoçar e no meio da refeição o Carlão subitamente falou: Já sei onde está escondida! João arregalou os olhos e disse: onde você acha? Você lembra que ela falou que tinha um amante. Lembra? Sim, muito bem. Ok disse o chefe, vou arriscar: o único cara que está no nosso radar é o senhor Mauricio da Mata e está próximo do perfil, é rico, certamente tem um apartamento de rico, é viúvo e desimpedido.

Os investigadores foram falar com o mordomo e sem muito esforço lhes entregou o nome, endereço e o telefone da firma de seu Mauricio.

Ligaram,  a secretária informou que ele estava de partida para o exterior essa mesma noite e só voltaria em uma semana. Ficaram de tocaia no aeroporto e perceberam que viajaria só. De duas uma, disse João, ou ela não é amante dele ou ela não quis se arriscar. E agora? Perguntou João.

Ele disse que seu apartamento ficava perto de sua firma. Vamos fazer uma coisa, falou Carlão, amanhã falarei outra vez com o mordomo, vou pressioná-lo para que ligue para a secretaria e dê um jeito de obter o endereço do apartamento do senhor Mauricio da Mata, talvez dê certo.

No dia seguinte cedo, foram para a mansão e sob ameaças de cumplicidade o mordomo ligou para a secretaria, pediu o endereço privado de seu Mauricio, usou o estratagema de que um vizinho tinha ligado pra ele, que era urgente que ele fosse ao prédio de seu Mauricio por que havia um vazamento enorme no apartamento do andar de baixo, “estava chovendo” e como ficou nervoso com a situação esqueceu-se de perguntar o endereço e nome do vizinho. A secretaria deu o endereço e número do apartamento ao mordomo, ela também tinha ficado nervosa!

Chegaram ao prédio essa mesma tarde, o zelador perguntou a quem deveria anunciar, o detetive chefe mostrou sua insígnia e disse que não era para anunciar ninguém, eles mesmos subiriam junto com ele, era somente um andar.

Chegaram ao apartamento 101, tocaram a campainha e “bingo”, a pessoa que abriu era a própria dona Marisol, aquela beleza de mulher. O quebra-cabeça estava quase completo, somente faltava saber o motivo real do assassinato e confirmar o nome do cumplice.

Na delegacia dona Marisol fez uma confissão completa com muitos detalhes e informações que os detetives ainda não tinham. Agora ficaram sabendo que seu Fonseca tinha achado um laudo técnico denominado Anatomopatológico, além do Atestado Oficial, que além de comprovar a existência de excesso de termogênicos nas vísceras, levantava a suspeita de que a morte de dona Maria Ramires da Mata decorreu principalmente de uma parada respiratória associado a falta de atendimento oportuno, no caso foi uma omissão criminal de socorro.

E a relação entre dona Marisol e o Engenheiro Mauricio? Dona Marisol entregou seringas e agulhas que usou para introduzir mais termogênicos nas garrafas, e cartas que seu amante lhe escrevia onde ficava demostrada a associação criminosa entre eles e entregou o laudo anatomopatológico qualificava a morte de dona Maria como um delito. Guardara a cópia por que era meu salvo-conduto disse ela, os filhos de dona Maria nunca souberam da existência desse documento, eram menores de idade na época.

Pô...! Disse o detetive Carlão dirigindo-se a seu colega João, conseguimos resolver o caso, agora é só esperar seu Mauricio no aeroporto, tem muito a explicar!


O quebra-cabeça todo foi montado!